Eu, insano?!

Eu, insano?!

_ Aqui estou eu no meu casebre, que já não é limpo há meses. A luz foi cortada e os vidros da única janela que existe em meu casebre_ um basculante retangular colonial_ transforma esse quarto imundo e sombrio numa paisagem fantástica e ao mesmo tempo sinistra. O cinza morto da decoração empoeirada, com as luzes reluzentes que entram pelo vitral, o qual é amarelo, azul, verde e vermelho, tornam esse lugar ainda mais torvo e repulsivo. Estou a escrever esses trechos apenas como passatempo; nada mais me apraz, e apenas contemplo a corda com a qual me enforcarei. “ Eu me tornei insano, com longos intervalos de terrível sanidade”. Edgar Allan Poe escreveu isso, e como isso me soa verdadeiro, um plágio dos meus próprios pensamentos. Dizem por aí que sou louco, mas louco são eles, que se inebriam com álcool, fumam cigarros e passam a vida tentando arrecadar fortuna inútil, e por estar num mundo vazio, entre doidos, que tomei a resolução de suicidar.O único deleite que ainda sugo dessa vida petrificada é a imagem estonteante da carteira: olhos azuis, longos cabelos fulvos como a areia de uma praia ensolarada, mas com pequenos cachos nas pontas;seus seios?! Nem vos digo! Que coisa bela, sempre acesos contra aquela camisa amarela. Sei que ela tem medo de mim, pois já me pegou observando-a inúmeras vezes por entre a fresta da janela.

Chegou o momento derradeiro, o momento de cessar toda a frivolidade, de matar esse vazio; o momento de desatar o nó dessa vida repugnante com um outro nó: o nó da misericórdia.

_ TOC!TOC!TOC!

O soturno momento em que Inácio tiraria sua própria vida foi interrompido com três batidas na porta. Ele olhou por entre aqueles vidros coloridos e, atônito, esfregou os olhos para ver se enxergava bem, para ver se não era uma ilusão de um homem vivo, mas de mente moribunda,prestes a esvanecer.

_ Em que posso ajudar?_ inquiriu Inácio para a carteira, cabisbaixo e inseguro, como sempre fora.

A resposta foi silente, pois a carteira entrou como um furacão porta adentro, e numa agressividade luxuriosa, arrancou a roupa de Inácio e pôs-se a praticar uma deliciosa felação. Inácio estava aturdido, confuso e ainda mais paranoico do que já era. Havia alguém lhe espionando ou entrando em sua casa para ver suas anotações?? O que isso importava? Lá estava ele, sendo consumido pelo seu objeto de desejo. Ele arrancou suas vestes, e por baixo delas, foi surpreendido com seios fartos, mamilos rosados e uma sensualidade concupiscente inefável. A carteira estava extremamente permissiva, mesmo sendo Inácio um homem excêntrico, de vinte e cinco anos, com cabelos mal-cuidados e socialmente inepto. Ele a amarrou com a corda que tiraria sua vida e pôs-se a chupá-la avidamente. Ela gemia como sinal de prazer e retribuição, enquanto passava as grossas coxas por trás da cabeça de Inácio para apertá-lo contra a sua vagina.

Como num súbito ataque de fúria, Inácio se levantou o jogou tudo o que estava na mesa empoeirada para o chão: as xícaras com o fundo preto de café velho; os pratos de comida imundos e cheios de bolor; e um cinzeiro sem cigarros, pois mesmo sendo um suicida, Inácio não consumia tabaco, pois não era néscio para isso.

Ele jogou a carteira sobre a mesa, mulher que nem revelara seu nome, e amarrou seus braços no pé da távula retangular. Inácio transava loucamente, e a loira de cabelos fúlvidos gemia com a mesma intensidade que Inácio estocava o falo em sua vagina.

Toda a transa desvairada atingiu o clímax em pouco menos de meia hora e, ainda amarrada, a carteira pediu um drink alcoólico. Sendo completamente abstêmio, é provável que não houvesse nenhuma bebida na residência de Inácio, entretanto, ele ganhara uma garrafa dum licor Italiano, chamado Strega , e ainda a tinha em seu armário. Seu amigo lhe contara a lenda que envolvia tal bebida, e nada poderia encaixar mais perfeitamente com aquela situação: “Quando duas pessoas bebem Strega, elas permanecem unidas para sempre.”

Antes mesmo que Inácio pudesse recuperar o fôlego, a estonteante loira não mais estava amarrada à mesa. Ela havia desaparecido!

_ TOC!TOC!TOC!_ bateram novamente na porta.

Inácio estava despido;destarte, fitou furtivamente por entre a janela para ver quem lá estava, e para sua surpresa, lá estava a carteira, com seu uniforme e com uma correspondência em mãos.

_ Que gracejo é este?_ Vociferou Inácio.

Atemorizada com o tom estentório e agressivo do esquisitão, a carteira deu-lhe um tapa na cara, mais por nervosismo que por indignação, e fugiu às pressas da soleira da porta daquela sorumbática residência no centro da cidade.

Sem entender o acontecido, Inácio começou a acreditar que fosse realmente louco, ou quiçá fosse a falta de repouso, pois estava aceso por dias consecutivos. A corda que fora usada para amarrar a beldade de seus sonhos não estava mais na mesa,estava no mesmo lugar; um laço pronto para sugar o último suspiro da vida.

“Pra que tirar conclusões num momento tão tênue?”, pensou Inácio, e com um pulo irrefletido, ouviu o estalar do próprio pescoço.

O estalo foi seguido quase que de imediato pelo abrir cansado de seus olhos. Tudo o que via era uma luz forte vinda de algum canto, e um teto muito branco acima de sua cabeça. Onde estaria Inácio naquele momento?? Todo o arredor lhe era familiar, conquanto ele tivesse absoluta certeza de que nunca estivera lá antes. Logo a sua frente, uma figura angelical, de madeixas doiradas como a mais reluzente pepita de ouro. Era a doce carteira! Todavia, trajando vestimentas brancas e segurando algo que Inácio não conseguia ver claramente o que era. Ao virar-se, a grande surpresa que o deixou atônito: uma seringa! Não havia nada que pudesse se mexer, exceto suas mãos. Letárgico, Inácio recobrou a consciência e olhou em torno: uma cartela de haloperidol de 5 mg, comprimidos de neozine e olazampina, e em volta de suas mãos, a mordaça que o prendia na maca do hospício. Quando de repente:

_ TOC!TOC!TOC!

UM VIKING DE ÓCULOS PERFIL DOIS
Enviado por UM VIKING DE ÓCULOS PERFIL DOIS em 30/04/2014
Reeditado em 30/01/2016
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