A INCRÍVEL E ASSUSTADORA LENDA DO JARRO DAS LÁGRIMAS

Prepare-se.

Vou lhe contar uma história que pode muito bem ser verdade, assim como pode ser uma ''história-pra-boi-dormir''.

Espero que você a conte a seus filhos, que contarão aos filhos, que contarão aos filhos, e assim seguindo-se! Vamos agora a ela, afinal, não temos muito tempo.

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Simão era um pobre homem de meia idade, alto, magro e que andava sempre maltrapilho, com vestes de segunda mão.

Ele, sua esposa Maria, seus filhos Tiago, de 17 anos e Rômulo, de 14 anos, viviam da pesca em um pequeno povoado perto de um grande lago.

No entanto, apesar dessa descrição parecer deveras melancólica, eles eram muito felizes, especialmente Simão. Ele trabalhava cantando, juntamente com os filhos e sempre com um sorriso nos lábios por baixo da barba mal feita.

Era um homem de coração bom e puro, que não media esforços para ajudar quem precisasse. Mal sabia ele que o destino lhe preparava um futuro duro e cruel.

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Em um dia frio de inverno, Simão mandou os filhos para casa cuidar de Maria, que sofria de tuberculose.

Isso enquanto ele apanhava mais alguns peixes extras para vender e pagar os remédios, que eram muito caros – principalmente para eles, que mal tinham para comer – por isso Simão voltou para casa muito tarde da noite, quase madrugada, sentindo um frio intenso com os braços para dentro de seu velho e longo casacão comprido, desbotado e rasgado.

Então ele notou alguma coisa brilhando na sarjeta. Normalmente ele ignoraria, mas ali, naquele dia, se sentiu atraído para olhar o que era. Quando se aproximou e olhou, não pode acreditar no que seus olhos lhe mostravam. Se aproximou mais. Sim! Aquilo era a sua salvação! Um jarro, aparentemente de ouro, comprido e largo, se encontrava jogado, na sarjeta. Como podia? Um turbilhão de possibilidades pairou sobre sua cabeça, e, depois do que lhe pareceu um longo período de ponderação, Simão olhou em volta, para garantir que não havia ninguém nas ruas naquele momento, e, pegou o jarro num gesto quase automático. O escondeu dentro do grande casaco.

O trajeto até casa pareceu mais longo do que nunca. Naquele momento, nada mais lhe importava: nem a doença de sua esposa. Apenas o jarro. Quanto será que aquilo valia? Possivelmente mais do que todos seus bens!

Depois do que pareceram horas, Simão chegou em casa e todos estavam dormindo.

Na ponta dos pés, foi até a cozinha e acendeu um pequeno lampião, o suficiente para iluminar o jarro e contemplar sua beleza. Era totalmente de ouro, e por fora era esculpido com desenhos indecifráveis, mas que o tornavam ainda mais bonito.

Naquele momento, Simão se emocionou, ao olhar para o objeto que com certeza o tiraria da miséria. Lágrimas brotaram descompassadas de seus olhos negros, lembrando-se de tudo o que passara, enquanto a sua galinha dos ovos de ouro, ou melhor, seu jarro de ouro, o esperava, naquela bendita sarjeta!

Gotas de suas lágrimas chegaram ao fundo do jarro com um estrépido, ele se afastou para trás rapidamente. Não podia se arriscar a manchar seu maior bem! Mas então viu que um brilho um pouco diferente do ouro vinha do fundo do objeto.

Ele observou mas não conseguia distinguir do que se tratava, então virou o jarro de cabeça para baixo para tentar ver melhor. Com um espanto que o fez levar as duas mãos à boca, ele percebeu o que caiu sobre a mesa. Não era possível! Como?

A lágrima que caíra no fundo do jarro, havia se transformado em uma pequena pérola que brilhava sob seus olhos! Ele largou o jarro sobre a mesa e, ainda atordoado com tantas surpresas em tão pouco tempo, pegou rapidamente uma cebola na despensa, mergulhado em pensamentos.

Levou um pedacinho da cebola aos olhos enquanto, quase instantaneamente, novas lágrimas brotaram de seus olhos, que agora não eram mais puros, pareciam ter tomado uma insanidade doentia.

Quando a primeira lágrima tocou o fundo do jarro, nada aconteceu... O homem pensou um pouco, imaginando se a pérola já estava lá no fundo desde que o encontrara.

Duvidando da própria sanidade mental, Simão decidiu deitar-se, imaginando que, quando acordasse, tudo não passaria de um sonho estranho e não haveria jarro nenhum sobre a mesa da cozinha.

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Simão dormiu mal. Se virou na cama a noite toda e só pensava no suposto jarro da riqueza. O sono venceu-lhe quando o sol já quase se mostrava.

Ele foi acordado por Maria o chamando para ir à cozinha e dizendo que havia um objeto estranho sobre a mesa.

Ele já desconfiou do que era, e quando chegou à cozinha teve certeza. Não fora um sonho! Realmente, o jarro estava lá, imponente e brilhante. Então, pensou em uma maneira de mostrar a mulher o que vira na noite anterior. Não conseguiu pensar em nada melhor do que, do nada, pedir à mulher que lhe desse um soco no estômago. Uma ideia um tanto equivocada, considerando que sua mulher nem desconfiava de nada.

Ela pareceu assustada, imaginando que o marido enlouquecera. Sim, ele estava delirando ou tendo alucinações. Mas ele ergueu a voz, coisa que nunca fazia, assustando-a ainda mais. Então, ela lhe fez sua vontade. Deu-lhe um soco com força. Quando o velho sentiu uma onda de dor se espalhar por seu corpo, soltou um urro de agonia e lágrimas caíram de seus olhos, diretamente dentro do jarro, e do fundo dele fez-se um brilho ofuscante cada vez mais forte.

Então ele virou o jarro e os olhos da mulher brilharam ainda mais do que a meia dúzia de pérolas que ele lhe mostrou. Ela parecia assustada demais com o que via! Então, ele notou que a esposa parecia tentar tomar uma decisão e conforme o espaço de silêncio aumentava, sua expressão mudava, uma ou outra vez ela levantava uma sobrancelha. Quebrando o silêncio, ela disse que precisavam se livrar daquilo! Um objeto daqueles – disse ela – que causava dor e sofrimento, não poderia ser boa coisa. Sim, ela tinha razão. Era uma mulher perspicaz.

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Mas Simão com certeza não concordava com isso. No seu modo de ver, sua mulher era a maior das ignorantes. Como podia ela dizer que o objeto que lhes daria uma vida de riqueza, era uma maldição?

Ele não foi mais trabalhar durante as semanas que se seguiam. Sempre arrumava jeito de obter novas pérolas. Cortava um dedo, mastigava pimenta e chegou até a assustar crianças, que brincavam em frente a sua casa, na rua, fazendo as chorar... Tudo o que lhe ajudasse a ganhar mais e mais pérolas.

Ele preferiu não dizer nada aos filhos, que estranhavam que ele não ia trabalhar.Teve que inventar uma desculpa. Lhes disse que estava cuidando da mãe deles em casa. Ela, por sua vez, nada podia fazer, apesar de não concordar com o que o marido fazia. Cada fez que tentava mudar a cabeça dele, ele lhe batia, e fazia com que suas lágrimas fossem derramadas no jarro. Um homem tão amoroso e de coração bom, se tornara duro e frio. Começou então a esconder sacos de pérolas em seu porão, e vendia-os na cidade perto do povoado. Ele planejava ir embora daquele casebre o quanto antes, e sair daquela vida miserável. Nesses dias, articulou um plano que destruiria o que restara de sua vida.

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Simão ficou louco. É triste usar essa palavra forte, mas é exatamente o que aconteceu ao velho homem.

Sua aparência mal cuidada parecia ainda pior agora, e seus olhos eram frios e tristes. Não tinham mais o brilho de antes, e agora ele nunca sorria ou cantava. A única coisa que lhe importava era ganhar mais dinheiro!

Um dia comprou frutas, bolos e doces e disse aos filhos para não trabalharem, disse que teriam uma tarde em família. Todos estranharam, afinal, ela andava com o coração duro como pedra, parecia imune a sentimentos. Porém nada disseram.

Eles banquetearam e o velho Simão disse naturalmente que tinha um presente para cada um!

Então saiu, sorrindo como não fazia há muito tempo. Entretanto, seu sorriso não era o de semanas antes, era um sorriso assustador, o sorriso de um psicopata.

Ele voltou um pouco depois, deixando todos intrigados quando trazia uma única caixa preta, do tamanho de uma caixa de sapato. De dentro, então, tirou, rindo, uma velha pistola. Antes que pudessem reagir, com únicos três tiros, matou toda sua família. Com quem por muito tempo, fora o mais feliz dos homens.

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Sem remorso, levou os cadáveres um por um ao porão, onde antes havia as pérolas que ele vendeu.

Ele colocou-os nas covas e tampou com todo cuidado para não parecerem covas a quem olhasse.

O cheiro que viria dias depois não importava. Depois que aquela vida miserável ficasse para trás e ele estivesse bem longe dali. Pegou as malas de dinheiro e os documentos falsos que conseguira com um homem na cidade e já estava preparado para fugir, quando abriu a porta e viu pelo menos uma dúzia de policiais a postos com a arma apontada diretamente para ele, possivelmente atraída pelo barulho dos tiros.

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O que aconteceu com Simão depois disso, não é possível afirmar. Pena de morte ou prisão perpétua, depois de descobrirem o que havia escondido no porão? Uma possibilidade. Não encontraram nada para incrimina-lo? Outra boa possibilidade.

Pode ser também que ele foi para um sanatório...

Há inúmeras coisas que podem ter acontecido, o certo é que ele nunca mais foi o Simão bom e puro de outrora.

Eu? Estou feliz agora, depois de provar-lhe como o dinheiro e o poder podem corromper as pessoas.

Simão, um homem bom e sábio, que se deixou enganar pela possibilidade do poder em suas mãos.

Por vezes, uma vida simples e feliz vale muitas vezes mais do que uma vida com riquezas sem tamanho, mas triste. E Simão foi uma prova disso.