Conto do matador (2) - Gargalhadas ao léu

Os olhos de Barbatana, por fio finíssimo não saltaram da sua face. Uma mudança súbita de sensações passou a tomá-lo, começando no âmago do estômago e subindo-lhe a garganta, em forma de pavor. No entanto, tal era a atmosfera hipnótica que circundava-o, não conseguiu recuar ou parar de avançar, continuando a devastar, vagarosamente, os centímetros que ainda o afastavam do que não mais poderia identificar ser com consciência. Pelos prateados e ralos eram vistos, por função do reflexo da luz do luar, rodeando o que pareciam ser orelhas, embora mais achatadas do que o normal. Alfredo, cada vez mais curvando-se, de modo a objetivar atingir a direção da altura do rosto, ate então abaixado, daquele algo que estava a sua frente, viu escorrerem gotas do que antes lhe parecia ser pigmento de dois lábios. Foi quando suas pernas, que não mais o obedeciam, pararam, em posição inesperada tal, que simulavam um cair de joelhos.

A criatura - nome pelo qual, por enquanto, como humilde, mas não imparcial narrador, passo a oficialmente retratá-la - levantou o rosto de modo a escancarar, com vislumbre de clareza, o semblante. Era apavorante a visão, no mínimo de qualquer colocação, semblante de horror desesperador, abrilhantado por um sorriso ironizado em requintada crueldade, acompanhados de dois olhos nefastos da mais bruta perversão. Levantou o braço pequeno e rechonchudo de modo a levar ate a boca um pedaço do que seria o originador da coloração de sangue em seus lábios, pois sangue realmente era. Alimentava-se do que aparentara ser restos das viscéreas de algo ainda vivo, pulsante. Em uma mordida, concomitante com um voraz mastigar, sem retirar os olhos dos de Barbatana, que já estaria a fugir, não fosse a súbita falta de controle sobre seu físico, começou a gargalhar copiosamente, gargalhadas de som irreproduzível, que causaria a agonia mais sofregante já sentida em qualquer um que ouvisse.

Lipa Leal
Enviado por Lipa Leal em 31/08/2014
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