A PRIMEIRA VEZ DE UMA ASSASSINA

(A VIDA DE UMA ASSASSINA, cap 1)

O som das águas do mar era constante, o calor escaldante também, acompanhado de uma bela vista que premiava a quem estivesse por ali por perto. A vista ficava mais bonita quando se combinava com a imagem de uma bela menina de olhos atentos a todos os acontecimentos à sua volta, usava laços vermelhos na cabeça. Comum era a doce impressão causada a todos aqueles que a viam sentada, escrevendo ou desenhando na areia. Isso porque não podiam vê-la por dentro.

Era dezembro, a passagem do ano se aproximava e preparativos eram necessários. Uma ceia deveria ser aprontada a tempo, com direito aos tradicionais requintes daquela família. Ana Amélia era uma doce menina, que aos seus onze anos teria uma visão que mudaria sua vida.

Havia chegado o último dia do ano, era de manhã, então algo mudaria fortemente dentro daquela cabecinha de doce e frágil criança. Ana Amélia via sua tia matar um peru. Aquilo lhe causou algo inexplicável, pois ela sentia algo que nunca tinha experimentado ou imaginado sentir antes. Via-se no lugar de sua tia e sem entender porque ficou fascinada com o “poder” que ela tinha perante aquela frágil ave. Aquilo a deixou inquieta, ela não entendia bem, mas dali pra frente jamais seria a mesma. Nunca tinha parado para pensar o porquê do homem ter o poder de matar qualquer animal, podendo até planejar quando e como fazê-lo, nos mínimos detalhes, cada vez mais achava isso fascinante, o verbo matar ecoava forte na sua mente, ligada a idéia de experimentar, de tentar compreender.

Alguns dias antes ia vivendo como uma criança normal de onze anos, tinha amigos, estudava, e alegrava sua família. Sua melhor amiga, Roberta, era um doce de criança, costumavam brincar muito juntas. Adoravam inventar estórias com suas bonecas, de modo que reproduzissem seus desejos, sonhos, misturando sempre muito de fantasioso, como é normal quando se trata da imaginação de duas crianças.

As estórias de Ana Amélia começavam a mudar, pois nelas sempre estava arranjando uma maneira de matar suas bonecas. Roberta sempre reclamava que o final devia ser feliz, agradando assim a todos. Discutiam muito sobre isso, além de Roberta repetir mais de uma vez o seus recentes pensamentos sobre tudo isso: começava a temer sua amiga, pois notava o quanto ela mudava de expressão quando representava alguma cena de morte.

Depois de muito Roberta reclamar, Ana Amélia prometia não mais imaginar mortes de suas queridas bonecas. E por umas duas semanas cumpriu o trato, deixando sua amiga mais tranquila, e por muito pouco tempo tudo continuaria assim.

Roberta tinha um amável gato, o qual morria de paixão e não a desgrudava um minuto, fazendo assim que a brincadeira fosse na maioria das vezes a três. Ana Amélia odiava animais de estimação, e particularmente esse gato que lhe roubava a atenção de sua amiga. Roberta começava a estranhar que seu gato não tinha sorte: ou estava indisposto e fraco ou sempre se machucava por acidente em algum lugar, e nunca notava como.

Até que um dia viu uma cena que a deixou muito surpresa: Ana Amélia “acariciava” com toda força o peito de seu gato com os pés, provocando gemidos do pobre felino. Surpreendida, Ana Amélia dizia que sempre fazia aquilo e o pequeno animal gostava. Roberta ficava calada, tinha um jeito especial de armazenar as idéias em sua cabeça, simulando acreditar no relato de sua amiga. Ana Amélia então sugeriu que sua amiga se preocupasse mais com o mundo à sua volta que com seu gato.

Ana Amélia era uma menina muito interessada no que acontecia, assistia televisão, lia jornais, sempre tentando estar bem informada, resultando em uma criança inteligentíssima e muito mais integrada ao mundo que todas as suas amigas. E foi lendo que conheceu a primeira pessoa que realmente poderia dizer-se um ídolo para ela. A notícia trazia a seguinte manchete: Mais uma vítima da Raposa Negra. Raposa Negra era como estavam chamando uma assassina que nunca era pega, e que “diziam”, sempre vestia-se de roupa preta quando matava alguém. Sua leitura acabava de desagradavelmente ser interrompida.

Era Roberta mostrando seu gato com um dedo a menos, e então a acusava de uma maneira incisiva, como se tivesse toda a certeza da culpa de sua amiga pela “perda” repentina de seu companheiro. Ana Amélia, pensou muito antes de falar. Parecia na verdade como se estivesse vendo um lindo quadro e se maravilhando com ele. Imaginava uma cena até então inédita em sua cabeça, uma cena que infelizmente, para Roberta, aconteceria momentos depois

Ana Amélia então convenceu sua amiga que o gato teria se machucado e que provaria a ela como, caso as duas fossem à varanda vislumbrar a bela paisagem daquele quente dia de sol. Costumavam descansar de suas brincadeiras ali, ambas observando obcecadamente como era belo o poder de certos seres voadores. Tão pequenos, mas voadores... E foi depois que Roberta sussurou isso, para a sua própria surpresa, Ana Amélia a jogava varanda abaixo e em seguida repetia muitas vezes a frase de sua amiga, seguida de um choro que era formado de um misto de alegria e falsidade, pois teria que se preparar para explicar o acontecido. E tudo terminou como um triste acidente: “ Roberta havia caído após tentar salvar seu amado felino que estava passeando pelo lado externo do para-peito da varanda”, essa foi a versão aceita por todos.

Um dia depois, o tempo chegaria ao dia em que o som das águas do mar serviam como música inspiradora para o que aquela aparente doce criança de laços vermelhos na cabeça fazia ali sentada na areia. Escrevia no chão: Sou poderosa, e abaixo podia-se notar um número 1 no centro de um círculo. Ela fazia aquele desenho com uma felicidade ameaçadora, e aquela seria a primeira, mas não a única vez.

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 22/05/2007
Reeditado em 15/01/2008
Código do texto: T497444