Presa na Escuridão.

Lá fora caía uma chuva fraca, porém insistente que provocava um barulho relaxante nas telhas da casa. Dentro, Júlia despertava de um pesadelo do qual ela não se lembrava, só tinha a sensação de que fora um sonho ruim. Pegou o celular e viu que ainda eram três da manhã, sentiu a boca seca e resolveu descer até a cozinha para beber água.

Levantou-se da cama e nem se preocupou em calçar algo, pois sabia que sua casa estava limpa. Júlia se arrastou para fora do seu quarto, o sono ainda atrapalhava seus sentidos, resolveu não acender a luz, afinal ela conhecia sua casa muito bem e não queria machucar seus olhos com iluminação desnecessária. Começou a descer os degraus devagar até o final da escada. Ao tocar o chão da sala um frio percorreu sua espinha, ela esperava sentir o toque macio do tapete, mas ao invés disso, seus pés tocaram em algo úmido com alguns gravetos e pedras. Por instinto, Júlia, levou sua mão em direção ao interruptor sem acha-lo. O ar foi ficando mais frio e uma chuva fina começou a tocar seu rosto, aos poucos o ambiente foi ficando mais iluminado, uma lua cheia subia no alto. Júlia percebeu que estava no meio de uma floresta.

Primeiro Júlia deu um giro de 360º tentando achar algum vestígio da sua casa. Depois fechou e abriu os olhos diversas vezes esperando acordar de um pesadelo. Sua terceira ação foi gritar desesperadamente. Sua quarta ação foi sentar na terra fria e tentar convencer a si mesma que aquilo era um pesadelo. Por fim ela resolveu explorar seu sonho ruim e escolheu uma direção para andar.

A floresta era composta por árvores secas e retorcidas com poucas folhas e flores. O chão estava coberto por galhos e pequenas pedras. O lugar não apresentava sinal de vida. Júlia andou por meia hora até que encontrou uma espécie de trilha com uma placa escrita Casa de São Miguel e uma seta apontando em direção à trilha. Com passos incertos Júlia seguiu aquele caminho. Um uivo carregado de ira cortou a floresta.

Júlia olhou para traz assustada e viu duas brasas flutuando pela floresta. Um segundo uivo. As brasas se aproximavam. Terceiro uivo, mais forte, mais próximo. Júlia respirou fundo e começou a correr com toda força que lhe restava, coração acelerado, adrenalina correndo pelo seu corpo e apurando seus sentidos. Outro uivo. A chuva deixou o chão escorregadio que por sua vez se transformou em uma armadilha que fez Júlia cair e rolar por alguns metros. Uma dor dilacerante se apoderou do seu cotovelo fazendo sangue escorrer por todo seu braço. Quando iria acordar daquele sonho? A dor era tão real, seria aquilo real? Tentou se levantar, mas estava tonta, precisou se segurar em uma árvore. Escutou um rosnado perto de sua nuca, sentiu um hálito quente e um cheiro de madeira velha. A coisa estava atrás dela.

Paralisada, Júlia se sentia assim. Tentou se virar e ver seu algoz, mas não conseguiu. Tentou correr, mas não conseguiu. Tentou gritar, mas não conseguiu. Seu corpo tremia sem sair do lugar. Mãos peludas com garras envolveram seu pescoço e filetes de sangue escorreram. A pressão foi aumentando e a consciência de Júlia esvanecendo até que tudo ficou negro.

Uma superfície dura e fria embaixo de seu corpo foi à primeira sensação que Júlia teve ao recobrar os sentidos. Ao abrir seus olhos descobriu que não estava mais na floresta e sim em um pequeno cômodo quadrado, com a ajuda de uma lâmpada fraca conseguiu distinguir uma pia e uma privada em um canto, concluiu que estava em cima do que deveria servir como cama. Júlia percebeu que estava nua, procurou desesperada por suas roupas, mas só achou marcas de sangue nas paredes. Em cima da pia restava um pedaço de um espelho, no reflexo Júlia viu seu pescoço com marcas roxas.

- Você não pode fugir – sussurrou uma voz no ouvido de Júlia. No espelho o rosto de outra mulher apareceu.

Júlia recuou atônica diante daquela face estranhamente familiar. Ainda perplexa percebeu a existência de uma porta entreaberta naquele cômodo e correu em direção a sua salvação, mas a porta fechou com um grande estrondo. Júlia notou uma pequena janela e foi espiar o que existia do outro lado.

Do outro lado existia um corredor bem iluminado e limpo com um piso branco e uma pintura nova na cor bege claro na parede, ao longe se ouvia uma risada feliz que foi ficando cada vez mais forte e cada vez mais próxima. Sons de passos apressados se misturaram aos risos e Júlia viu uma garota cruzando o corredor. Devia ter uns quinze anos e usava um lindo vestido florido, o aroma e o cabelo molhado indicavam que ela acabara de tomar banho.

- Ei, me ajude. SOCORROOO. – Gritou Júlia.

A garota parou em frente à janelinha e virou o rosto para Júlia.

- Olá, um dia você conseguirá sair daqui – Respondeu a sorridente garota.

Júlia teve uma estranha sensação, conhecia aquela garota, mas não sabia de onde.

- Quem é você? E o que faz neste lugar?

- Todos me chamam de Jú, eu tinha um problema e meus pais me trouxeram aqui...

Lágrimas escorriam pelo rosto de Júlia, seu corpo estava outra vez paralisado e ela só conseguia ouvir e ver. Enquanto a garota falava aparecia lentamente atrás dela a mulher do espelho, devia ter seus quase cinquenta anos era magra e estava vestida de enfermeira, em uma das mãos carregava uma faca.

Júlia tentou gritar, mas sua voz não saia. Na sua frente a garota continuava a contar alegremente sua história, atrás dela a enfermeira sorrateiramente se aproximou e com um movimento rápido segurou o cabelo dela com uma mão e com a outra deslizou a faca pelo seu pescoço. Sangue espirrou ferozmente manchando o corredor. Algumas gotas pegaram no rosto de Júlia que desmaiou.

Um vento refrescante tocava seus cabelos e Júlia se lembrou do pesadelo que teve antes de acordar para buscar água. Ela sonhou que tentava fugir de um lugar ruim e que algumas pessoas a perseguiam. Júlia abriu os olhos esperando ver aquela assassina na sua frente, mas ao invés disso ela percebeu que estava correndo por um grande campo gramado, olhou para trás e viu que cinco homens de branco corriam atrás dela. Aquele era o pesadelo que ela tivera na noite anterior ou aquilo seria sua realidade?

Confusa, Júlia continuou correndo até que reparou em uma construção enorme e no topo uma placa escrito Sanatório Casa de São Miguel. Um baque forte em suas costas a fez perder o equilíbrio e cair no gramado. Um dos homens de branco conseguiu alcança-la. Júlia sentiu no seu pescoço o mesmo hálito quente e o mesmo cheiro de madeira velha que havia sentido naquela floresta bizarra.

- Fugindo por que docinho? Até parece que não gosta das visitas noturnas que ti faço – Falou o homem.

Júlia sentiu seu pescoço doer.

- Coloquem a camisa de força nela e depois a prendam na cadeira de rodas – Ordenou uma voz feminina.

Júlia buscou a origem do som e descobriu que ela vinha de uma mulher igual à assassina do corredor.

Com a camisa de força e presa na cadeira de rodas Júlia foi levada para tomar seu banho de sol diário. Ao seu redor pessoas iguais a ela caminhavam sem rumo. Com lágrimas nos olhos ela se perguntava o que era real e o que era um pesadelo. Sentiu falta da floresta, lá ela pode sentir o vento e a chuva, lá ela pode correr para onde quisesse, lá a escuridão era um pouco menor, mas no fundo do seu coração Júlia sentia que a floresta existia dentro de sua cabeça.

Alex da Silva
Enviado por Alex da Silva em 27/09/2014
Código do texto: T4978253
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