O Abismo.
- Não pode ser. Como vou sair daqui? Tenho que dar um jeito de escalar este abismo. – diz ele olhando para baixo da reentrância onde se encontra.
Com toda a força que ainda lhe resta ele tenta escalar de volta ao topo. Primeiro uma inspeção da parede, tateando-a no breu em que se encontra, lhe mostra haver vários cortes na pedra. Ele finca os dedos alguns centímetros acima de sua cabeça e puxa o corpo e se fixa colocando o pé num outro recorte.
- Maravilha. Já é alguma coisa.
De novo ele repete seu movimento. Tateia, encontra a fresta enfia os dedos e puxa o corpo como pode. Continuando neste ritmo ele vai conseguir sair do abismo fácil e rápido. Repetindo o movimento ele sobe aproximadamente três metros e olha para a luz sobre a borda. Ele sente que subiu uns cinco metros, mas ele parece não ter saído do lugar, pois a borda continua aparentemente na mesma distância.
- Só pode ser um efeito de minha vista. Cinco metros são cinco metros. Vamos em frente.
Mais uma vez ele sobe. Mais cinco metros. Ele olha pra cima e a distância parece não ter se alterado. Ele olha para baixo e percebe que a distância do platô em que estava aumentou. Isso lhe dá ânimo. Lhe dá um gás para continuar. E ele continua escalando.
Sua escalada estava sendo tranquila, pois sua condição física lhe permite isto até que a chuva começasse. Escalar agora com esta garoa fina tornar-se-á uma prova ainda mais árdua. Ele olha para cima e por incrível que pareça, embora chova a luz ainda está brilhando bastante, o que significa que o sol está no alto. Ele lembra das histórias de criança: chuva e sol casamento de espanhol, sol e chuva casamento de viúva. O pensamento ameniza sua apreensão e ele continua.
Cinco metros. Seis metros. Sete metros e finalmente ao olhar para cima ele vê a borda mais próxima, mas também sente os efeitos da chuva que agora tornou-se torrencial, com fortes ventos e relâmpagos.
- Falta pouco. Preciso continuar.
Sem se incomodar com a chuva que o fustiga, o vento que o balança, os raios que caem próximos, alguns estourando na pedra acima de sua cabeça, seus braços e pernas cansados e o corpo dolorido ele continua se lançando cada vez mais para cima. A luta de sua vida agora é abandonar o abismo. E ele luta com todas as forças. Luta muito. E sua luta é recompensada. Ele consegue alcançar a borda do abismo e coloca sua cabeça para fora sendo rapidamente atingido pela luz. Mas sua felicidade dura muito pouco. Uma mão, suave, mas firme, pousa sobre sua cabeça.
- Lutaste bem, Guilherme, mas ainda não é hora de deixar o abismo.
E com força a mão o impele de volta para dentro, para um platô ainda mais fundo que o anterior. Vendo-se novamente dentro da escuridão, Guilherme grita em desespero. E enquanto grita, o som de vozes chega até ele.
- Rubem, o sedativo rápido. Ele está tendo outra crise.
- O que está acontecendo?
- Outra crise doutor Arnaldo. Pior que a de ontem.
- O sofrimento deste rapaz parece que não tem fim doutor.
- Eu sei Amadeu. Infelizmente não temos conhecimento suficiente sobre o cérebro humano para ajuda-lo. Pobre garoto. Dezessete anos. Uma vida pela frente e preso no abismo inexplorável que é a mente humana.