A IGREJA DAS ALMAS PENADAS - PARTE FINAL

Antônio estava aturdido com toda aquela história. Não podia acreditar em uma só palavra de Mariazinha e era bem estranho ela está presente naquele lugar, longe de tudo o que eles já ouviram falar. Como ela descobriu que ele estava naquele lugar? Como ficou sabendo da história do povo daquela cidade e do coronel Oliveira, se pelo que não lhe falhasse a memória, ela nunca havia saído de sua cidade natal; Juazeiro do Norte?

Permaneceu estático, não conseguia sair do lugar! Foi preciso então Mariazinha chamá-lo pelo nome para tirá-lo do transe. Saíram da igreja e pela primeira vez, apesar de ser madrugada, o padre Antônio viu pessoas nas ruas; crianças, idosos, jovens casais de namorados, famílias inteiras conversando na praça, próximas ao coreto ao lado da igreja;

- De onde saiu toda essa gente?

- Hoje é domingo, dia de missa! – respondeu ela e continuou a caminhar;

- Estamos indo para o casebre onde estou? – perguntou ele ao observar o trajeto;

- Sim!

- O que vamos fazer lá?

- Descobrir se você pretende ou não permanecer nesta cidade! – ela parou na porta do casebre e empurrou a porta para ele;

Antônio caminhou com receio do que encontraria dentro do casebre; aquela última frase de Mariazinha “você pretende ou não permanecer na cidade”, lhe fizeram pensar na história do coronel Oliveira e a forma como ele terminou a vida!

Chegou na entrada do casebre e olhou para ela que lhe fez sinal para prosseguir, passou pela porta e foi direto para o quarto de onde percebeu que brilhava uma luz amarelada, meio fosca. Ao chegar, notou que havia alguém deitado em sua cama; caminhou pé-ante-pé e parou ao lado da cama:

- A decisão de permanecer aqui, onde estou agora, é somente sua! – falou ela sussurrando no ouvido dele.

Um calafrio lhe passou pela espinha e ele fechou os olhos e tremeu o corpo inteiro. Estendeu a mão direita em direção ao lençol e aos poucos, foi puxando o cobertor do rosto do indivíduo deitado em sua cama; ao ver o rosto de quem estava deitado na cama, padre Antônio desembestou de um jeito que nem bala pegava! Parou na mesma mureta onde encontrou o caseiro pescando:

- A cidade mudou o nome para Almense, por se tornar “a cidade habitante de Almas”. – disse ela chegando ao seu lado;

- Não... não pode... ser... eu... não... consigo acre... acreditar... – Antônio gaguejou;

- É tudo verdade, acredite! – ela parou e olhou no vazio;

- Se esta cidade é a habitação das almas, como é que você veio parar aqui? – perguntou ele;

- Dois anos depois que você foi embora, eu não suportei a saudade que senti de você. Uma madrugada em que todos dormiam lá em casa, peguei uma mochila, coloquei algumas peças de roupas dentro e fugi pra te procurar!

- Fugiu?

- Um dia depois, encontraram meu corpo na beira da estrada... um carro me atropelou e eu nem vi como aconteceu! – ela fitou os olhos nele;

- Mesmo neste mundo paralelo, eu continuei a te procurar, até que cheguei aqui, finalmente, te encontrei! – Antônio recuou na hora em que ela caminhou em sua direção;

- Mas cabe a você querer ficar aqui comigo ou não! – Mariazinha completou a frase;

- Eu tenho escolha?

- Uma única; você volta agora para o casebre e ao amanhecer tudo não passará de um sonho, ou volta para a igreja e prepara o sermão para o funeral!

Antônio demorou quase cinco minutos sem falar nada, só olhando para aquela mulher parada em sua frente. E Se tudo fosse somente coisa da sua cabeça? Se tudo realmente não passasse de mais um dos vários sonhos que tivera com Mariazinha? Isso então explicaria a pessoa deitada em sua cama.

Começou a andar lentamente, passou por ela e seguiu em direção ao casebre (não percebeu que uma lágrima caiu dos olhos de Maria quando ela o viu se dirigir ao casebre), deteve os passos bem na porta, olhou ao seu redor; as pessoas pareciam felizes, olhou para a igreja, e caminhou a passos largos em sua direção...

--------------------------------------------------------------

...O cemitério estava lotado dos moradores da pequena Almense, em lugar de destaque; o coronel Oliveira! Um pequeno cortejo fúnebre surgiu ao lado do coreto, trazendo consigo um caixão coberto com duas coroas de flores, à sua frente, o caseiro com uma grande enxada sobre os ombros.

O cortejo parou em frente da sepultura aberta no chão e colocou o caixão sobre uma mesa improvisada. O coronel Oliveira se levantou (um silêncio mortal reinou) e começou a discursar:

- Estamos aqui hoje reunidos, para receber o mais novo e ilustre morador de nossa pequena cidade! Agora, a nossa pequena igrejinha, terá para sempre um padre, que com certeza, irá realizar em todos os domingos, a nossa santa missa!

- Isso! Até que enfim! Viva o nosso padre! “Viva!” – um coral se fez ouvir de todos os presentes no cemitério;

- Agora, que o nosso padre possa vir realizar a cerimônia para o morto! – o coronel bradou em alta voz e se colocou na direção da igreja.

Padre Antônio abriu a porta da igrejinha e caminhou em direção ao cemitério. As pessoas abriram caminho para ele, Mariazinha sorriu quando ele passou por ela (sabia que agora estariam próximos um do outro). Abriu a Bíblia e leu alguns versículos, desejou ao morto boa sorte em sua nova vida e encerrou a cerimônia. O coronel dispensou a multidão e foi embora também, deixando no local somente o padre, o caseiro e Mariazinha que ficou ao lado de Antônio. O caseiro puxou o caixão para dentro da cova e começou a jogar terra por cima dele:

- É padre! Pensei que desta vez eu teria alguém vivo pra poder prosear um pouco... mas o “coroné” queria você com eles, lá junto das almas penadas onde ele está agora. Me desculpe por colocar a cobra debaixo do seu lençol... – Antônio passou a mão pelo pescoço, pode sentir o lugar onde a boca de sapo lhe picou;

- Minha sina vai ser continuar a cuidar da igreja velha até o “coroné” permitir que eu morra também!... – continuou o caseiro, enterrando o caixão;

Antônio chegou até a beira da cova e olhou para baixo, observou pelo vidro da tampa o rosto do morto que permanecia pálido sem expressão alguma, desprovido de vida e de cor:

- Nunca pensei que um dia, terminaria assim..., contemplando meu próprio rosto dentro de um caixão... – disse ele jogando uma rosa branca sobre o caixão e caminhando em direção à igrejinha, acompanhado de Mariazinha...

EMANNUEL ISAC

EMANNUEL ISAC
Enviado por EMANNUEL ISAC em 08/01/2015
Código do texto: T5095383
Classificação de conteúdo: seguro