Resplandecência

Mudamos para uma casa de aparência antiga, eu e minha família, numa avenida movimentada da cidade, vizinha a prédios altos comerciais e residenciais. A casa parecia que não era habitada por um bom tempo, mas o preço estava ótimo e finalmente poderíamos sair do aluguel e ter a sonhada casa própria.

A casa era enorme, comparada ao pequeno apartamento de três quartos em que vivíamos antes, havia dois andares, cinco quartos, três banheiros, uma cozinha, uma sala de jantar e uma sala de estar. O quintal também era grande, havia algumas árvores que, segundo minha mãe, eram frutíferas, mas eu não sabia ao certo quais frutas elas davam. A mudança foi cansativa, houve briga entre eu, meu irmão e minha irmã para escolher os nossos quartos, ninguém queria ficar com os quartos da frente da casa, por conta do barulho constante vindo da avenida movimentada. Todos os quartos ficavam no segundo andar, o que era uma suíte e ficava aos fundos, meus pais escolheram para eles, é claro, já meus irmãos e eu deveríamos escolher os nossos de maneira justa. Então, tiramos no zerinho ou um quem escolheria primeiro. Eu perdi, é óbvio.

Meu irmão escolheu um quarto perto do dos meus pais, pequeno, mas aconchegante, minha irmã decidiu por um quarto que ficava ao lado do banheiro comum do andar de cima, já eu tive que ficar com um dos quartos da frente, escolhi o maior, uma vez que já estava em desvantagem por conta do barulho e o outro quarto seria um quarto de hóspedes que minha mãe decidiu montar, ela sempre achou que isso fosse chique e sempre quis ter um em sua casa, e, também, temos uma família grande, logo teríamos muitos hóspedes para abrigar em algumas épocas do ano.

No meu quarto havia uma parede decorada com duas fileiras de tijolos de vidro, que davam para a rua, à esquerda, havia uma janela grande e sem grade. Depois que os móveis chegaram e foram montados, meu quarto ainda parecia enorme, na outra casa em que morávamos, eu dividia o quarto com o meu irmão, logo, não tínhamos muitos móveis, tive que comprar alguns e alocar outros para lá para não parecer tão grande, mas acostumei com um quarto pequeno e toda aquela ostentação de espaço parecia muito para mim. Ignorei isso enquanto arrumava meus livros na estante, últimos itens a serem arrumados, depois decorei meu quarto como sempre quis, sem a interferência do meu irmão. Foi libertador.

Os primeiros dias na casa foram um caos em meio à mudança e o costume com todo aquele espaço demorou a se instaurar entre nós. Logo depois da primeira semana, tudo já estava normal, já havíamos voltado à rotina, conhecido alguns vizinhos do prédio residencial e estávamos bem, nem o barulho da rua me incomodava, eu tinha o sono muito pesado, além de que depois das onze horas da noite, a rua ficava praticamente deserta, não morávamos numa cidade muito grande.

Numa noite, um barulho alto de cantada de pneus me acordou, olhei pelos tijolos de vidro, que ficavam ao lado da minha cama, e não vi nada, fui ao banheiro, voltei e resolvi olhar pela janela e me assustei. Defronte a minha casa, havia um prédio comercial, naturalmente fechado àquela hora, mas havia ali a silhueta de uma pessoa, um homem, não consegui ver direito porque estava escuro, mas tenho certeza de que vi. Fiquei observando por algum tempo, o homem não parecia se mexer, resolvi acreditar que era coisa da minha cabeça e voltei a me deitar. Não consegui dormir, contudo, então me levantei e fui de novo à janela verificar se o homem continuava ali. Ele não estava, portanto, resolvi acreditar novamente que tudo era fruto da minha imaginação.

Uma semana se passara desde que pensei ter visto o homem em frente a minha casa do outro lado da rua, eu havia me esquecido totalmente desse ocorrido. Um amigo me deu carona até a porta de casa, já era tarde da noite e voltávamos de uma festa de aniversário de um outro amigo, abri o portão e tranquei-o novamente, cruzei o pequeno jardim até a porta de entrada, destranquei-a e, ao me virar para entrar, lá estava a silhueta do homem observando todos os mus passos desde que saí do carro. Tremia tanto de medo e espanto que mal conseguia trancar a porta novamente, por sorte, ele não se mexeu e continuou parado ali, pelo que pude ver pelo vidro da porta.

Subi correndo para o meu quarto sem me importar em fazer barulho, para observá-lo da minha janela, porém ele não estava mais lá quando cheguei. Preferi mais uma vez acreditar que era fruto da minha imaginação, já que havia bebido um pouco aquela noite. Na noite seguinte, acordei mais uma vez no meio da noite por conta de um sonho que tive, decidi espiar pelos tijolos de vidro se o homem estava do outro lado da rua observando a minha casa. E lá estava ele.

Decidi que era a hora de dizer a alguém, sem fazer barulho nem acender nenhuma luz, fui ao quarto da minha irmã que sempre foi mais corajosa que meu irmão. Acordei-a e disse-lhe sobre o homem e que não era a primeira vez que eu o via. Nós nos direcionamos ao meu quarto, posicionamo-nos perto dos tijolos de vidro para vê-lo, e lá estava ele, na mesma posição, com o rosto oculto pela escuridão.

- Você está vendo Camila? Bem ali em frente àquele prédio – Sussurrei para ela.

- Não há ninguém nem nada ali, Ricardo! – Ela me disse.

- Lógico que há, eu estou vendo!

- Você está ficando louco, vou voltar a dormir, boa noite!

Ela se foi, mas ele continuava lá.

Não contei mais a ninguém, fiquei paranoico, todo dia eu acordava de susto no meio da noite e lá estava o homem me observando. E parecia que ele nunca se mexia, nunca mudava de posição, as poucas pessoas que passavam na rua tarde da noite pareciam não notar sua presença. Era apenas eu quem o via.

Mais uns dias se passaram e o homem havia desaparecido de sua ronda noturna em frente à minha casa, passei a esquecê-lo e voltei à minha vida normal, sem mesmo me sentir paranoico.

Resolvi sair com meus amigos um dia para uma balada, bebemos, nos divertimos, fizemos coisas que até nem me lembro mais. Na hora de voltar para a casa, o único que não havia bebido foi o motorista da vez. Muitas pessoas saíam da festa àquela hora, o local da festa situava-se numa estrada que dá acesso a uma rodovia, o fluxo de veículos é sempre intenso, principalmente logo pela manhã e depois de uma saída de festa.

Tudo de que me lembro depois de alguns minutos dentro do carro é de uma caminhonete entrado na contramão e batendo contra nós. Depois, lembro-me de estar preso e não conseguir me mexer, do desespero tomar conta de mim, de ver que meus amigos não se mexiam, só respiravam debilmente. Apesar do movimento na estrada antes, parecia que não havia mais ninguém quando tentei olhar do lado de fora, só conseguia mexer meus olhos, esforcei-me ao máximo para mexer meu pescoço para o lado direito. E lá estava ele.

O homem que há tempos vinha me observando em frente de casa, parado logo ali, encarando diretamente nos meus olhos, com ar de mistério. Primeiro, tive medo, pavor, terror ao vê-lo, contudo não conseguia deixar de encará-lo. Aos poucos eu fui me acalmando, ele continuava ali, imóvel, fitando-me com expressão vazia, porém manteve-se junto a mim até que o socorro aparecesse, e, quando este chegou, o homem sorriu levemente, acenou com a cabeça e desapareceu ali mesmo na minha frente, deixando para trás sua resplandescência.

Aparentemente, só eu vi aquela luz, só eu o vi. Aparentemente, ele sempre esteve ali para me proteger.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 17/01/2015
Código do texto: T5105048
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