O nascimento de uma bruxa

Havia muita sujeira em suas unhas, com a iluminação tão próxima de seus dedos aquela imundice se destacava, segurava o suporte da vela, a única iluminação da sala onde estava sozinha. A escuridão era comum, mas ainda era assustador o raio tão pequeno que a vela conseguia iluminar enquanto todo o resto da escuridão parecia querer lhe engolir. Seu cabelo loiro brilhava entre a chama tremeluzente.

A garota arregalava os olhos passando-os por cada canto, seus ouvidos ficavam atentos esperando um ruído qualquer indicar que era verdade a sensação de vigia que sentia, mas o único barulho existente eram os gemidos de dor da mulher em trabalho de parto no quarto de cima. Izabelle tinha apenas 9 anos, mas precisava acompanhar a mãe que era parteira. Seu pai morrera na guerra quando tinha 4 anos.

A casa velha cheirava a mofo, mas Izabelle também não cheirava melhor que aquilo, seus cabelos pareciam ter uma limpeza que o resto do corpo não tinha, mas quem pode culpar uma criança de ser assim? A mãe mal tinha tempo pra cuidar dela. Até aquele dia, Belle nunca havia se assustado tanto, mas o lugar onde estava era quase proibido.

Estava numa casa afastada da vila, quase totalmente dentro da floresta, Diane morava lá sozinha e tinha hábitos estranhos aos olhos de todo o povo que a via, ela se escondia e evitava qualquer interação social, não se esforçava pra não se parecer com uma bruxa. Nessa época, qualquer pequeno motivo já condenava alguém por bruxaria. Diane apenas sorria zombeteiramente com as ameaças.

A mãe de Izabelle não gostava da ideia de ajudar a bruxa, mas não podia recusar quando uma mãe prestes a sofrer a dor do parto lhe batia na porta, mas preferiu fazê-lo longe da vila, de forma que ninguém desconfiasse de seu ato.

A respiração de Belle acelerava com a ansiedade, quando se deu conta estava de pé correndo pelas escadas enquanto a chama da vela quase apagava, estacou na porta fechada do quarto, ouvindo os gemidos que se intensificavam. Imaginava a mãe suada, com as bochechas avermelhadas tentando lutar pela vida naquele lugar mal iluminado.

- Izabelle entre! – a mãe disse sem fôlego. Como ela me ouviu? – a menina pensou, havia feito barulho suficiente sem nem reparar, seu desespero lhe deixava surda.

Ela entrou com passos incertos, iluminando a entrada com o seu toco de vela, a face relaxando com a presença da mãe. Porém quando seus olhos pousaram no rosto desesperado de Diane, estremeceu, a bruxa lhe sorriu como resposta, mas este se desfez rapidamente com a nova onda de dor.

- Pare de agir como se tivesse visto um fantasma e me ajude aqui – sussurrou sua mãe, a visão da mais pura força, admirava-a por não demonstrar medo ou duvida, apenas fazia o seu trabalho.

A pequena Izabelle correu em direção a mãe lhe estendendo o ultimo pano limpo enquanto admirava a poça de sangue no colchão, não entendia como Diane ainda estava viva.

- Quando a criança vier, quero que a limpe, preciso cuidar da mãe – a menina assentiu de forma automática.

O ventou forçou a janela mal fechada, escancarando-a, ao mesmo tempo em que a parteira quase tinha o menino nos braços, as chamas das velas apagaram enquanto sutilmente um vulto, uma sombra, entrava sorrateiramente. Nenhum choro foi ouvido, embora a mãe de Belle sentisse o peso da criança, gritava o nome da filha que tentava iluminar o lugar novamente.

Foram segundos de aflição, pois toda a segurança abandonou a parteira, sentia como se serpentes se enrolassem nos seus braços, sabia que veria um rosto demoníaco, imaginava os olhos vermelhos da criança, a pele enrugada e um sorriso infernal. Mas quando Izabelle finalmente fechava a janela e levava a vela acessa até a mãe, as duas ficaram imóveis de admiração.

A criança parecia um anjo e sorria encantadoramente para a vela, como se soubesse realmente sua função. Belle tomava o bebe nos braços enquanto a mãe cuidava de Diane.

Ficaram até que a bruxa tivesse força pra cuidar do próprio filho. Quando as velas já não eram mais necessárias saíram da casa furtivamente, tentando impedir que a vissem ali. Em vão, pois do lado de fora metade da vila estava a posta admirando sua fuga, preparados para prendê-la.

“Seu crime foi testemunhar e ajudar o inimigo, você pariu o próprio Diabo”, foi o que lhe disseram e ela tentou argumentar, pois nenhum deles tinha visto a criança e tão pouco qualquer um deles, a não ser a própria Diane, sabia quem era o pai. Mas não havia o que discutir, só confessar. Uma tarde inteira de tortura recaiu a mãe de Belle, de forma que ela confessou ter ajudado no ritual demoníaco da bruxa, que também estava sendo condenada. Belle era só uma criança e de nada a acusaram.

No dia da execução Izabelle esperava de forma ansiosa sua mãe aparecer, a ultima vez que a veria. As lagrimas caíram aos montes quando as acusadas foram postas na forca.

As duas ao mesmo tempo foram soltas contra o chão, mas seus pés não o alcançaram, Izabelle não saberia dizer quanto tempo demorou, pareceu eterno. Sua mãe se debatia até ter somente alguns espasmos, o cheiro da urina escorria entre as pernas da morta. Embora não tivesse prestado atenção, Diane também morreu.

Belle fugira após a execução, correu pra casa na floresta que estava vazia, longe de toda aquela gente que permitiu que ficasse órfã. Seu rosto estava comprimido entre os joelhos, não mais se incomodava com a escuridão a sua volta, sua roupa ficara úmida com o choro. Tão concentrada estava na sua tristeza que não ouviu os passos que se aproximava, só sentiu a mão fria lhe tocar o ombro.

Num salto se levantou, assustada com o que via, seus lábios entreabriram, mas sua voz não saiu. Diane lhe olhava com um sorriso simpático e a criança que nunca fora achada estava no seu colo, sorrindo divertidamente.

- Somos só nós 3 agora – foi o que a bruxa lhe disse.

Éris
Enviado por Éris em 08/02/2015
Reeditado em 10/02/2015
Código do texto: T5130324
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