De olhos vendados

O texto a seguir faz parte do projeto: Uma imagem, dois escritores. Se quiser conhecer mais sobre a iniciativa, clique: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204219483742558&set=a.2078079506863.2102880.1091259362&type=1&theater&notif_t=photo_comment

Tentei não criar expectativas, mas falhei. Não consegui fechar os olhos durante a noite, totalmente imóvel e perdido em pensamentos, afogado em um mar de ansiedade.

A porta do quarto se abriu e a fraca luz da manhã cinzenta clareou a escuridão. Perdi o tempo e não percebi meu dia chegando… Aqui está. Aqui estou.

Blue me carregou pelas mãos até uma grande sala com paredes descascadas. Eu nunca estive aqui, mas tudo é familiar. O discreto cheiro de mofo é reconfortante e o barulho da chuva lá fora faz parecer que estou em casa, mas minhas mãos insistem em tremer.

Permaneci em pé enquanto fui vendado e despido.

- Memorize - ela sussurrou - O frio na barriga, o medo… Você vai querer lembrar.

Sua presença pairava ao meu redor, sempre em movimento, sempre agitada.

Os segundos se arrastaram lentamente e nenhuma outra palavra foi proferida, apenas a presença constante e a expectativa homicida. Esperei.

Esperei.

Esperei, até acontecer.

Suas mãos frias prensaram meu corpo contra a parede. Minhas costas bateram com força no concreto, mas permaneci quieto. Senti uma intensa pontada na barriga e gemi, agonizando. Eu quis olhar, mas não me atrevi a descobrir os olhos. A dor crescente foi interrompida em seu ápice e cai de joelhos no chão. Foi difícil me reerguer, mas consegui. Minhas pernas estavam fracas e tremulas. Percebi que algo se movia dentro de mim e senti, correndo por meus braços e pescoço, a morte.

Desespero.

Blue chamou meu nome e segui, guiado pelas paredes, o som de sua voz até tocar a grama com meus pés descalços. Notei os pingos de chuva molhando minha pele e o cheiro do mato, das árvores e de algo mais. Alguém mais.

O invasor em mim se agitou com a descoberta da nova presença e lutou, mais forte que eu, assumindo o controle. Os sons da mata encheram meus ouvidos, nítidos como nunca antes.

Arrepios tomaram o lugar da dor.

- Sinta - ela sussurrou - Mate.

Um estouro e em seguida eu estava correndo, vendado, entre as árvores do bosque. Persegui aquele cheiro pulsante como um cão, salivando ao ouvir seus gemidos de pânico…

Lembro do vento batendo com força em meu rosto, eu avançava rápido entre os troncos e galhos como se já conhecesse o caminho e facilmente alcancei minha vítima.

Uma garota...

Ela gritou, mas não teve tempo para implorar.

Eu ataquei.

Sem últimas palavras...

Senti seu gosto em minha boca e estremeci quando o sangue se misturou ao meu.

Deitei no chão de terra molhada, o êxtase alimentando meu parasita. Me alimentando.

Tirei a venda dos olhos e a claridade me ofuscou por alguns momentos.

Poucas coisas são tão boas como não ter medo de correr com os olhos vendados.

Nada é tão bom quanto o gosto de uma vida.

Fernanda Oz
Enviado por Fernanda Oz em 08/03/2015
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