O SONHO E O RELÓGIO

O SONHO E O RELÓGIO

E calado ficara, apenas ouvindo o tique-taque do relógio pregado na parede, marcando os segundos, minutos e horas da vida que passa, mesmo quando não devia passar. Maldito relógio, carecia mostrar que, já se passara duas horas, sem que os dois percebessem estar lado a lado, e sequer notaram os que lhes circundavam a servir os clientes ali presentes, para tratar de negócios, ou apenas degustar ao sabor de um bom vinho, o paladar da cozinha brasileira.

Tique-taque, tique-taque... Outra vez? Maldito relógio. Os olhares se cruzavam, as mãos gélidas tocavam com suavidade as cálidas mãos da mulher que, como sonho, estava ali, ao seu lado, como sempre estivera em seu pensamento e em suas quimeras.

Os lábios dela se moviam num gesto de quem estava a falar alguma coisa, que aos ouvidos dele, soara como o trautear dos ventos sobre as ramagens dos arbustos silvestres.

Êxtase era o estado em que Alberto se encontrava e num esforço sobre-humano conseguira ouvir as palavras advindas dos lábios mais perfeitos já esculpidos pelo Divino Escultor do universo.

Tique-taque, tique-taque; o olhar de Alberto alcançara o relógio que se mantinha estático sobre a parede, fôra como se pudesse fulminar os ponteiros que não paravam de girar da esquerda para a direita um só instante, um momento sequer, funesto relógio. E com os lábios ressequidos pela emoção momentânea e após umedecê-los com uma taça de água, Alberto consegue balbuciar palavras entrecortadas, que talvez em outras condições, Caren jamais entenderia.

Ela com seus lindos olhos negros; fitava-o, tentando decifrar as palavras proferidas titubeantes, porém de cunho resoluto, decidido de quem nunca temera ao desafio da liberdade de falar sempre a verdade, custasse a quem custasse. Porém recua e num silêncio intangível Alberto direciona o seu olhar, ao encontro do olhar de Caren que, nesse instante deixa o esplendor de sua beleza desabrochar, como uma flor do campo, num início de primavera.

A suavidade de seus gestos, a paz de espírito que brotara em sua face, o deixou ávido de estar sempre ao seu lado, mesmo quando a distância se interpusesse entre os dois.

Talvez, uma palavra bastasse, para que o direcionamento no rumo de suas vidas, mudasse para sempre. Entretanto, como se flutuasse, Alberto tecia seus pensamentos numa velocidade que talvez a propagação da luz ousaria acompanhá-lo. Quantas e quantas vezes, Alberto desejou poder dar a Caren, todo o carinho, paz e amor que uma mulher tenha sonhado em receber e que um homem tenha pensado em poder oferecer.

Alberto não se permitiu expressar o grande amor que Caren lhe havia despertado. A intolerância para com o sentimento aflorado, lhe fôra por demais constrangedor, já que ela lhe proporcionara uma intensa e marcante amizade, que Alberto por nada nesse mundo permitiria que o egocentrismo unilateral desviasse o ditame da história já escrito para ela.

Assim a interlocução que por certo começara, levaria dias, meses, anos, se não fosse o pernicioso tique-taque do relógio que teimava em mostrar que o tempo urge, queiramos nós ou não.

Talvez poucas coisas tenham sido ditas por um ao outro, mas com certeza o bastante, ainda que Alberto e Caren não tenham entendido o profundo sentimento que os unia, e tenham concluído que embora sem jamais compreender o que um esperava do outro, ficava a certeza de que ainda é preferível fazer, mesmo errando, a nada fazer pelo medo de errar; embora, nem um, nem o outro tenham feito algo que pudesse mudar o rumo desta história.

Já pendia o sol ao poente, quando Alberto e Caren levantaram-se e lado a lado caminharam em silêncio até a saída do portão principal. Alberto se volta e lança seu ultimo olhar ao relógio que sem dó, continuava a marcar o tempo: tique-taque, tique-taque... Desventurado relógio, exterminador do tempo e ponto de estabilização da ocasião que jamais se dissipará de nossas lembranças.

Foi como se o tempo houvesse parado naquela tarde de primavera, e, por vários dias, Alberto flutuara sobre deliciosos sonhos, como se voltasse no tempo, à sua adolescência, pois estava terrivelmente apaixonado, por uma imagem sonhada. E vagava de manso nas alamedas floridas do parque, e com ele, por certo, a imagem daquela mulher o acompanhara por tempos a fios, sem o incômodo tique-taque do relógio que o norteou no momento de busca por um exasperado amor, uma figura feminina que, apenas nos sonhos de um poeta, poderia existir.

Mas, as ilusões precisam fenecer, para que novos sonhos floresçam e quem sabe um dia, possam se tornar realidade.

E foi pensando assim que, em uma tarde de primavera, Alberto fez desaparecer a imagem de mulher, dos sonhos dantes fantasiada, deixando livre as veredas, caminhos e estradas às novas descobertas que a vida lhe apresentasse.

Rio de Janeiro, Agosto 2005.

Feitosa dos Santos, A.

Publicado em 2006, na Antologia: "A VIDA PASSADO A LIMPO" Ed. Litteris.