Herança Mortal

No oculto da velha província furtiva de extensa várzea, a casa de campo havia sido erguida sob território indígena, paragem virtuosa onde se praticava rituais sagrados. Em certos lapsos temporais históricos daquele arraia-miúda, rezam as lendas que o próprio tinhoso por ali andava, selando pactos com patifes e desvalidos. Sua georreferencia muito além do populacho matriz era o diferencial, visto que emanava profícua harmonia. Nenhuma interrupção. Durante à noite cada hectare da propriedade era engolido por silêncio e solidão.

A chácara veio para minha posse, por justo título, em força de herança. Herdei, a universalidade da propriedade, a exatos dois dias, por uma brutal 'causa mortis'. Meu tio, proprietário originário, havia sido brutalmente assassinado, supliciado em seu próprio aposento. Provavelmente o autor da fatalidade fora um andarilho ominoso, ou quem sabe até mesmo obra de maquiavélico psicopata facínora agora foragido, espreitando quitemente pelas veredas.

Meu coração palpitava ao lembrar que teria de dormir sozinho, desamparado novamente no casebre. Meus olhos se entulhavam de medo e lastima, e tal aversão é fundada em justo motivo, afinal estou alojado na alcova ao lado da que se sucedeu a horrenda transgressão. Até este tempo, persistiam resquícios de sangue nas paredes e móveis do antigo dormitório do falecido.

Prontamente apago as luzes e cerro as portas e limiares com perspicaz diligência. Adentro na alcova e estiro-me comodamente, porém temeroso, na cama acetinada. Embora aflito, fecho os olhos tentando esquecer a fobia e aversão que invadem meu ser. Enquanto o sono não consome meu corpo fatigado, procuro meditar, recordando os costumes de meu tio e devanear que nenhum mal ali se sucedeu.

Logo pela madrugada, muito antes do alvorecer, acordo acometido por grande temor e incerteza. Sou logo intimidado por fervorosa apreensão perplexa. No dormitório ao lado, escuto a cama se mover, cautelosa, enquanto eventualmente alguém se levanta. Não tracejo rumor, mas lanço a cabeça ferozmente sobre o travesseiro e, quase como suavizado olho para o teto buscando certo alivio e conclusão para o ocorrido. Provavelmente era meu tio indo olhar as estrelas da aurora como de costume... ou quem sabe, o sicário homicida.

Matheus Schurlle
Enviado por Matheus Schurlle em 30/03/2015
Reeditado em 30/03/2017
Código do texto: T5188808
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