Oktober Fest

Aconteceu por volta de mil novecentos e oitenta e tantos.
Estava na famosa Oktober Fest, e mesmo com um frio de sete graus estava lotada e todos pareciam festejar aquele momento.
Muitas barracas de comidas típicas, as lindas moças de olhos azuis e louras tranças vestidas com o traje típico da Bavária iam e vinham equilibrando em suas mãos dez ou doze canecas do liquido dourado.
As canecas eram no mínimo de meio litro e era impressionante como eram esvaziadas e enchidas com incrível rapidez.
A música festiva, folclórica, típica dos Alpes bávaros nos inundava também numa atmosfera de alegria.
Existia no ar uma simpatia contagiante e todos ali estavam para serem felizes e confraternizarem alegremente.
Existiam também as barracas das comidas típicas, linguiças e assados de porco, embutidos de todo tipo, comida forte revigorante que empurrada pela famosa lagerbier era um dos fatores a meu ver da grande saúde física daquele povo.
Eu, maravilhado com a hospitalidade de todos, mesmo conhecendo muito pouco da língua alemã, me defendia com meu inglês dos Beatles que todos entendiam e não foi poucas as vezes que fui completar minha caneca de 750 ml.

Que noite maravilhosa de alegria e festa.

Durante o dia eu tinha ido conhecer a famosa Odeonsplatz, onde ao lado do monumento Feldherrnhalle tinha acontecido o famoso Putsch de Munique, em 1923. Local que transborda de historia, alias, todo a cidade de Munique parece verter historia em cada esquina. Eu amante da historia da II Guerra estava fascinado por aqueles locais históricos que eu havia conhecido antes apenas em livros.

A festa seguia e a famosa cerveja da Oktober Fest já ia causando seus efeitos quando decidi sentar-me numa das grandes mesas alinhadas onde famílias compartilham aqueles momentos e dão sentido a famosa expressão alemã “ biergarten” jardim da cerveja, pois a ideia é todos se relacionarem naqueles instantes de alegria.

Sentei-me ao lado de um senhor já com seus oitenta e tantos anos, que ao notar que me sentei ergueu sua caneca de um litro dizendo “zum Wohl !” famosa expressão de brindar antes de beber dos alemães.

Não me fiz de rogado, respondi, “prosit !" ao que ele sorriu e entornou sua caneca num longo gole.

Ficamos um momento apreciando a alegria circundante quando ele se dirige a mim dizendo em alemão algo como, “ Gefällt Ihnen das Fest ?” está gostando da festa? eu meio envergonhado, respondo em inglês, “sorry I dont speak German” desculpe eu não falo alemão.

Ele sorrindo, pergunta em inglês, “where do you come from?”, bom a partir daí, começamos uma conversa em inglês, o homem além dessa língua, falava outras nove, me dizendo que durante muitos anos, foi professor em várias universidades antes e depois da guerra.

Aí a coisa pegou, comecei a perguntar a ele da guerra, disse que quando da eclosão em 1939, tinha 26 anos e já era professor na Universidade de Ingolstadt, de língua clássicas, e não teve jeito, foi obrigado a se alistar na Wehrmacht, e devido ao seu nível de escolaridade, recebeu a patente de primeiro tenente.

Não contive minha curiosidade e sorte, por encontrar naquele local um ex-soldado da Wehrmacht , um oficial ainda por cima !
Disse-me que foi designado para várias posições e em vários países ocupados, servindo como tradutor devido a seu conhecimento de línguas.
Participou das primeiras invasões alemãs no leste, estando na Criméia e também nas primeiras ofensivas da Operação Barbarrossa, a invasão da União Soviética.

Eu, já na minha quarta ou quinta caneca, me sentia num sonho ouvindo aquele homem contar sua vida, sobre uma época que sempre me fascinou.
Disse ainda que um irmão um pouco mais novo, havia sido comandante de submarino, os famosos U-Boats mas que faleceu num confronto com navios ingleses logo no início da Batalha da Inglaterra em 1940.

Depois da guerra, disse, foi recolhido num campo de prisioneiros inglês, na região de Frankfurt, para logo depois ser transferido para o serviço de triagem norte-americano em Berlin que cuidava da localização de nazistas fugitivos.

Não resisti, perguntei pra ele se havia conhecido um campo de concentração, me olhou assim meio de lado, entornou um longo gole de sua caneca, e simplesmente disse; “Birkenau” ou seja, Auschwitz, o terrível local na Polônia. Lá ficou seis meses, disse, no setor administrativa traduzindo documentos para o alto comando, sendo transferido para a chancelaria do Führer em Berlin no inicio de 1943.

Aí quase caiu do banco. O Sr, serviu na chancelaria do Führer em Berlin? Sim, ele disse até o fim da guerra, quando alguns dias antes da queda do bunker, saí com alguns outros para tentar fugir do avanço soviético, quando afinal fui capturado pelos ingleses.

Ali estava na minha frente a historia viva na figura daquele homem já velho, mas altamente lúcido e inteligente e sem reservas de falar sobre aquilo com um estranho, ainda mais estrangeiro.

Sem me conter, já embalado pela maravilhosa cerveja bávara, perguntei direto, o Sr, matou alguém na guerra? Me olhou frio com aqueles olhos azuis expressivos por um longo tempo.

Não, disse, apenas dei a ordem de fogo ao pelotão de fuzilamento.