O Medo
O medo! Insignificante sentimento, encrustado na alma, perfurando a carne e nos fazendo marionetes de seus próprios desejos.
O mesmo o sentimento foi o que desejou a jovem Beth à abrir a janela do oitavo andar e se jogar caindo livre e levemente até o chão, fazendo do seu corpo agora despedaçado, uma trágica obra de arte.
Desejava, Beth, poder vislumbrar as maravilhas desse mundo, acometida de um câncer já em fase terminal, não suportava de maneira nenhuma a agonia de uma morte lenta e banal, sentia-se sozinha, já que seus pais faleceram anos atrás, sozinha e esquecida, às vezes por si mesma, não sabia onde estavam os pequenos objetos, costume esse que adquirira na infância, guardar pequenos objetos sem utilidades, a fim de trabalhar a memória ano após ano. O câncer em questão, localizado na parte responsável pela memória, fazia com que Beth atrasasse alguma sessões de quimioterapia, não quisera ajuda de enfermeiras, opção feita pelo médico, o Dr. John. O mundo estava sumindo e se esvaindo como areia por entre os dedos. Sua personalidade já fizera as malas e tomara o rumo de sua natureza, o abandono total do corpo, físico, material, podre e incompleto. Suas tentativas de sucesso, se davam quando, ao sair da cama conseguira chegar ao banheiro à tempo, o que às vezes o tempo corria contra, e se mijava toda, muita das vezes, na cama. A alimentação, baseada em proteína, não ajudava no fortalecimento de suas forças, agora magra e sem energia, mal conseguia ficar de pé, se arrastava toda vez que dava literalmente com a cara no chão, seu corpo já estava todo machucado, os dentes já mostravam sinais de descuido, e começavam a cair. Sua aparência e seu rosto já não carregavam as mesmas linhas e traços de antigamente, uma pele ressecada, cabelos e unhas já sujos, uma magreza esquelética, se escorava nos móveis com o pouco de força que restava.
Numa manhã de domingo, Beth conseguira sair da cama, após um pesadelo lhe tirar o sono. Desesperada e sozinha, conseguiu chegar até a janela do quarto, que tinha vista para a rua, olhou uma última vez para o horizonte, para a sua cidade que lhe acolhera como uma bela jovem, promissora e muito bem sucedida na área de jornalismo, cobrindo alguns dos maiores escândalos do governo e fazendo ganhar o Pulitzer, prêmio esse que foi entregue anos antes do câncer lhe acometer. Mas mesmo assim, a vida foi tomando outros rumos, direções contrárias e caminhos tortuosos. A maré onde Beth nadara, agora voltava cada vez mais forte, e as investidas para atravessar as arrebentações ficavam mais difíceis e voltava sempre para a praia. Uma leva lembrança lhe passou pela cabeça, das vezes em que ficava com sua mãe na janela olhando a cidade e observando os passarinhos que voavam e faziam ninhos. Parecia que por um breve momento Beth mudara de ideia e desistira de se jogar, quando voltou para dentro do quarto, olhou-se no espelho e viu o que não vira há anos, uma garota esquelética e feia, uma depressão e mais uma noite interminável, foi o suficiente para que essa garota, que tinha um futuro promissor, abri-se pela última vez a janela do quarto, pondo fim e dizendo adeus a suas memórias, que nessa altura já não lhe servira pra nada. Beth foi encontrada morta na calçada, às 3:45 na da noite, pois pessoas passavam na hora do suicídio. Assustados, já ligaram para a polícia e paramédicos chegaram em tempo, em tempo de somente retirar o corpo das vistas de curiosos.
O medo! Insignificante sentimento, encrustado na alma, perfurando a carne e nos fazendo marionetes de seus próprios desejos.