A PACIENTE DO DOUTOR STUART

A todo instante, Liana olhava o relógio. Sua impaciência aumentava. Ainda faltavam 10 min. para cruzar o horário do término da última consulta. Liana não parava de olhar para a porta que permanecia fechada. Levantou-se e dirigiu-se à recepção.

- Por favor, o Dr. Stuart vai demorar a me atender? - perguntou num tom impaciente e nervoso.

- Ainda falta um pouco para terminar a consulta, D. Liana!...E tem que se levar em conta que a Senhora não marcou hora... Dr. Stuart não sabe da sua presença. Deve atrasar um pouquinho. - falou a recepcionista com seu sorriso atencioso de “recepção”.

Liana afastou-se tentando disfarçar a irritação.

Liana conheceu o Dr. Stuart numa das reuniões do seu pai, Dr. Harry. Executivo bem sucedido, esperto, rápido e astuto. Ela o via como um pai dominador, tirano, frio e distante. Que só se interessava pelo crescimento de seu Império. Nada mais.

Assim que conheceu Vinicius, ficou fascinada. Ele era diferente de toda aquela burguesia e hipocrisia. Nunca gostou de nenhum dos aliados de seu pai. Nem das mulheres regadas à Uísque e caviar. As conversas giravam em torno de negócios, golpes, especulação e traição. Todos os que ali freqüentavam pareciam clones de seu pai. Frios e indiferentes.

Seu pensamento viajou no tempo. Lembrou quando se levantou da poltrona e foi até o bar na sala ao lado se servir de um drink. Estava enfastiada de tudo aquilo, quando ele apareceu sorrindo. Seus olhos a atraía. Havia um brilho sedutor que jamais vira. “Você pode me servir um drink?”. Começaram a conversar e ela ficou sabendo que ele era o famoso Dr. Stuart, psicanalista e psicoterapeuta renomado – apesar de novo -, respeitado e requisitado por todos. Quando ouvia falar dele, pelos comentários das reuniões, imaginava que se tratava de um homem de idade madura que faturava com as neuróticas esposas dos “Chefões”.

- D. Liana!... – chamou a recepcionista satisfeita por não ter que dar mais desculpas.

- Obrigado, Sandra! – Clara sorriu um sorriso de alívio.

Dr. Stuart cumprimentou Liana com seu mesmo estilo envolvente e carinhosamente sedutor.

- Como vai, menina? O que houve? Não marcamos sua consulta para...

- Vinicius?... Não consigo dormir direito... Tenho pesadelos, ouço vozes. Vozes que me dizem que preciso fazer algo...

- Algo? Pode me dizer se consegue entender o que elas dizem?

- Não.

- Não sabe ou não lembra nada?

- Não sei...

Liana calou-se. Estava inquieta andando de um lado para outro como se tivesse querendo falar algo que não podia. Dr. Stuart pela experiência que tinha, sabia que algo de muito grave estava acontecendo com ela. Sentiu isso desde que a conhecera em sua casa. Havia um mistério envolto naquele rosto bonito e em seus olhos perdidos. Pressentia a gravidade da situação e tentou deixá-la à vontade:

- Deita aqui no divã, Liana. Relaxe um pouco e acalme-se. - Esperou um pouco e retomou a conversa – Sobre as vozes,Liana! Tente se lembrar de algo...

- Vinicius?... Quero te beijar!

- Liana... Por que quer me beijar?

Ela fechou os olhos e calou-se. Suspirou como se tentasse tomar coragem para falar algo, ficou um bom tempo calada, depois abriu os olhos e fixou o olhar no homem que aguardava pacientemente por suas palavras.

- Quero te beijar porque você é o único homem que conheço diferente de todos que conheci até agora, e...

- Só por isso?

- Também por isso...

- E as vozes?

- As vozes estão chegando ao fim...

- Chegando ao fim? Como sabe?

- Não sei. Pressinto.

- E não consegue pressentir o que elas falam?

- Não quero mais falar sobre isso, Vinicius... Dá-me um beijo... antes que se calem as vozes... Por favor!

- Liana, acalme-se... Tem que me dizer o que está sentindo...

- Não vai me dar um beijo?

- Liana... Sou seu Médico. Não devemos misturar as coisas. Não posso me envolver com minhas pacientes... entenda...

- Não vai se envolver... Quero um beijo de despedida.

- Despedida? Vai viajar?

Liana levantou-se. Dr. Stuart sabia que algo de grave iria acontecer. Tentou mais uma vez fazê-la falar, queria alguma informação, por menor que fosse que o levasse a um entendimento, antes que seu pressentimento se tornasse realidade.

- Você não pode ficar encobrindo seus pensamentos e sentimentos. Tente Liana... O que está sentindo agora?

Ela não queria conversar e encaminhou-se para a porta. Já ia saindo quando ele segurou-a levemente pelos braços. Precisava fazer alguma coisa por ela. Sentiu uma espécie de piedade e angústia ao ver que ela estava determinada a fazer alguma loucura.

Beijou-a com carinho e tentou como último recurso mantê-la ali para fazê-la falar alguma coisa. Sem resultado. Ela estava convicta do que queria.

- Obrigado, Vinicius... Adeus!

Dr. Stuart acabara de abrir a porta quando o telefone tocou. “Sim... sou eu... Como? Quando?...”. Completamente confuso, pegou o carro e dirigiu-se à Mansão dos Harry. Inútil. Não havia mais nada a fazer. Tudo estava em chamas.

Ainda sob o impacto da cena, viu lentamente aproximar-se uma mulher de olhar impassível em sua direção: “Dr. Stuart? Este bilhete é seu”. Sem dar-lhe tempo sequer de perguntar algo a mulher dobrou a esquina e sumiu.

Dr. Stuart abriu o bilhete, enquanto os bombeiros gritavam tentando apagar o fogo “Não adianta... ta explodindo tudo.”

Suas mãos tremiam como não acontecia há muito tempo. Viu a letra de Liana e algumas palavras desconexas, escrita em esferográfica. Poucas palavras inconsistentes: “Vinicius, obrigado pelo beijo. Chegou à hora de cumprir minha tarefa. Hora de explodir a iniqüidade. Liana.”

Vinícius ficou ali parado assistindo o final da explosão. As chamas vinham de todos os lados. Em toda sua vida de terapeuta, jamais havia visto coisa parecida. Ela havia se explodido...

Rose de Castro

A ‘POETA’

Rose de Castro
Enviado por Rose de Castro em 17/06/2007
Reeditado em 17/06/2007
Código do texto: T529987