A Era das Trevas - Capítulo 2

Naquela mesma noite, descobri que o nome da baronesa era Salandra. Com certeza, um nome estranho, nunca ouvi falar de alguém chamada assim. Pelo menos, na Inglaterra, não era normal esse nome. Pensei em perguntar sua origem, mas escondi minha curiosidade, de certa forma, tinha medo de começar conversas com ela, pareciam ir para caminhos ruins. Havia muita ambiguidade em suas palavras, as vezes, até malicia. O que diabos aquela mulher queria comigo?

Eu só queria ir embora. Era certo que aquela beleza me atraia, mesmo assim, não queria cair nas garras dela, seria perigoso. Sabia do dom das mulheres para atrair suas presas. Deus, livrai-me dessas garras! O jantar fora servido em uma enorme mesa vermelha, a mulher fez com que eu me sentasse na ponta da mesa, ela se sentou na outra ponta, como se fossemos casados. Remexia o vinho em sua taça e me olhava, depois bebia com ternura, daria para entender que eu estava dentro daquela taça. Quem servira o jantar fora o mesmo homem que me levara até o castelo; agora pude ver parte de seu rosto, ele não era nenhum pouco bonito, uma estranha cicatriz ia de seus lábios até o pescoço. Também havia algo de errado com seus olhos, pareciam ter um tom diferente... mas poderia ser só minha imaginação, já que ainda estava com o chapéu, mesmo que suas vestes agora fosse um terno de gala.

- Quer vinho, senhor? - me perguntou ele, com sua voz rouca.

- Não, obrigado - minha recusa de nada adiantou, ele serviu o vinho mesmo assim. Aquele homem era surdo? - Já que serviu... - dei um trago. Senti um gosto doce, bem doce, para dizer a verdade, mesmo que não fosse enjoativo. Passei a dar vários tragos, sendo eles cada vez mais frequentes. Ao terminar a taça eu pedi mais, Salandra gargalhou do outro lado da mesa, mas eu não me importei. Não consigo me lembrar de quantas taças bebi, sei que foram muitas, tantas que minha vista embaçara. O vinho acabara, e eu queria mais, levantei indignado indo em busca de outra garrafa. Tonteei, tropecei na cadeira e quase cai, quem impediu minha queda fora a mulher, ela se aproximara e nem percebi.

- Por favor, querido, sente-se - ela me colocou facilmente na cadeira, não sei se era porque eu estava bêbado demais ou porque aquela mulher era dotada de alguma força; imagino que seja a primeira opção, já que os braços dela eram finos e macios; senti a maciez de sua pele ao ela me segurar.

A bebida me afetara tanto que cheguei a pensar que o mesmo aroma do vinho também exauria de Salandra e, o pior, o cheiro vinha muito forte. Eu sempre tive o olfato sensível, conseguia distinguir bebidas somente com o cheiro. Aquela baronesa parecia ser um delicioso vinho suave. Em seus lábios vermelhos de batom eu vi a cor da bebida, eles me atraiam, queria também ser tragados, fui me aproximando cada vez mais deles, cada vez mais... até quase cair da cadeira. Ela novamente me segurou, sentou-se no meu colo com as pernas bem abertas e me ofereceu daquela deliciosa bebida.

O restante da noite passaram como takes em minha cabeça, uma hora eu a beijava, outra a mordia o pescoço, outra ela derramava seu sangue em minha boca. Sem que eu percebesse fomos parar em seu quarto, numa enorme cama de edredom roxo e confortável. Mas isso era detalhe, eu estava por cima daquela mulher, a beijando e mordendo, queria devora-la inteira. Levantava seu vestido rudemente e apertava suas coxas, suas nádegas, suas... tudo de carne que possuía.

Num instante, eu sumi do meu corpo, sentia que não havia mais eu ali, deixara de ser o sujeito de antes, havia virado um outro homem, ou alguma outra coisa... Só descobri o que acontecera no outro dia, quando acordara em um calabouço e amarrado por sete correntes (imagine, SETE correntes! Para quê tantas dela?). A primeira imagem que vi ao acordar fora do mordomo. Seus olhos cinzas e luminosos me olhavam; além de surdo era cego? O calabouço estava escuro, só conseguia enxerga-lo por causa da lamparina que empunhava. Quando ele abriu a boca para dizer algo, a cicatriz se abriu, dando para ver sua gengiva e parte da ossadura de seu queixo.

- Você não é especial - disse então.

Em vez de eu responder, ignorei o homem. Se eu ainda fosse o mesmo de antes, perguntaria porque estava preso. Mas, estranhamente, não sentia aflição alguma, sentimento algum. Olhava para o homem como se ele fosse alguém inferior; o lixo dos lixos. E então, ele abriu a boca mais uma vez, mostrando aquela coisa medonha que era sua boca.

- Pelo jeito, você está perdendo a batalha contra seu demônio interior. Se deixar, ele te possuirá por completo.

Agora fui impulsionado a dizer algo.

- Demônio interior? Não sinto nada.

- É exatamente por não sentir nada que deve se preocupar. O demônio se alimenta de suas emoções, de suas memórias; de tudo que te faz humano.

- E por que colocaram isso em mim?

- Não colocamos nada. Todos possuem seu próprio demônio, o que a baronesa fez foi só estimula-lo a sair. Uma hora ou outra isso iria acontecer.

- Ainda não entendo porque fui escolhido.

O homem deu um sorriso de partir os lábios.

- Como eu disse, você não é especial. Porém, a baronesa pensa que é, diz que seu demônio é ainda mais forte que o dela. Enganou-se, é claro, não há nada de diferente em você; você é só comida de demônio, logo logo estará possuído.

Por um segundo, achei que a briga não tinha sentido. Se um demônio invadisse meu corpo que importância teria? Nenhuma. Não havia nada mais sem sentido do que a vida; havia percebido isso naquela momento, as motivações dos seres humanos eram muito fracas, defeituosas e cheia de déficits. Entretanto, não quis mais dar ouvido a esses pensamentos importunos; poderia ser o demônio me incentivando a deixar de viver.

- Diga-me como vence-lo.

- Não há como vencer. Nesse caso, só o meio termo serve.

- Deixe de lorotas e me explique de uma vez - disse rudemente; fora a primeira vez que fiz isso. O mordomo não mostrou reações.

- Só o que pode fazer é não perder. Terá de conviver com o demônio por toda a eternidade. Uma constante briga que acaba só no momento em que ele assumir seu corpo. Tem certeza que quer isso?

- Quero - disse sem refletir, não era necessário. Pensar só traria hesitação.

Novamente ele sorriu; que sorriso horrível! De forma alegre, quase dançando, caminhou até um canto do calabouço, pegando um balde com algum liquido contido. O arrastou para perto de mim.

- A única forma de combater o demônio é sentindo o que de humano há em ti. Para isso, tenho algumas artimanhas... - sorriso nojento, eca! - ainda há chances de desistir...

- Faça o que tem que... - antes que eu terminasse minha fala, derramou o liquido do balde no meu corpo, tomando certa distancia. Aquilo não era água, era álcool. O que fez depois fora mais diabólico que qualquer coisa que vi em vida. Deixou que sua lamparina caísse no chão; o fogo correu em minha direção, logo tomando meu corpo por completo. Meus gritos se misturavam com as gargalhadas e palavras do homem. "Dor! Dor! Não há nada mais humano do que a dor!", repetia sem parar enquanto ria e dançava, mostrava-me o que acontecia quando o demônio vencia a luta. Perto dele, eu ainda era repleto humanidade.

Endriu Costa
Enviado por Endriu Costa em 15/11/2015
Reeditado em 18/11/2015
Código do texto: T5449968
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.