O defunto mistério

Deito-me na grama para olhar o céu, ponho-me a observar os pássaros, que vão dos mais cultos e ortodoxos dos sabiapocas, andorinhas e curiós às mais impetuosas e ostentadoras das araras e papagaios, formam-se ali uma figura extravagante; relembro meu passado, dedico meu futuro, rogo meu presente. Mas será que há uma ponte entre o passado o presente e o futuro?

Hoje acordo a pensar em desfrutar de meu paradisíaco vilarejo repleto por bom senso, localizado no norte brasileiro em Rondônia, Presidente Médici minha cidade quimérica.

Esse fato que aqui paro para narrar, aconteceu a três anos atrás. Antes de tudo acontecer, já ouvia tanto: “Dizem que naquela cidadezinha menosprezada há um defunto que atordoa toda a civilização, um Gasparzinho, Scooby Doo mistérios SA.”

Nunca pensei que um dia fosse fazer parte de uma destas histórias que mamãe sempre contava para mim.

Acabamos de jantar e fomos todos para cama.

Lembro-me exatamente como tudo aconteceu. No domingo à noite estava andando perdido por minha cidade tão pequena, quando avistei do nada uma luz ofuscante, imediatamente fui saber o que era. Quando lá cheguei vi escrito na fachada “Cafezinhos deliciosos de D. Coruja”. Entrei e vi um banco desocupado, ao lado havia um homem calado com um copo de café na mão parecendo a Estátua da Liberdade, lendo um jornal velho. Eu confesso, esse gesto perverso que abarcava a feição do homem quieto, esgotado deixava-me mais interessado pela história.

Para não assustá-lo cheguei cauteloso.

Aproximei-me do balcão onde encontrava-se o garçom e pedi-lhe uma bebida, claro, um café:

- Por favor sirva-me um cafezinho. Na verdade dois, pois acho que o dele acabou.

Quando sentei ao lado daquele homem pálido que fixavam seus olhos aflitos em mim percebi logo que havia algo de estranho nele, um vazio imenso, incalculável.

Dei iniciativa perguntando por seu nome:

- Como chama-se? Perguntei.

- João Emydio. Me respondeu numa voz tímida que demonstrava seu arcaico sofrimento. - Mas pode me chamar de defunto que já morreu. Prosseguiu dizendo com aquela voz rouca e trêmula.

Quando disse isso todos ao nosso arredor aterrorizaram-se e temeram o súbito defunto a solta, mas este, meu caro leitor era diferente, inofensivo, lhe garanto. Mas misterioso, indesvendável.

Eu já esperava ouvir algo de surpreendente, por isso não me assustei.

O que antes ali houvera, um turbilhão de pessoas revoluteando e embaraçando aquele lugar só restou a mim, e claro, o incrédulo garçom, que tentava loucamente amenizar a saída alvoroçada e exagerada dos fregueses com superofertas, ou até mesmo interditando-os para os fazer pagar a conta.

- Por que todas aquelas pessoas foram embora? Será por medo? Ele não me parece ofensivo. Se assim, ele não me poderá fazer mal, além do mais, é um defunto. Mas ele me parece tão vivo!

Depois que todo o pandemônio havia acabado fiz-lhe uma pergunta amena:

- Onde você mora?

Ele me lançou um olhar descontraído e logo soltou seu esboçado sorriso.

- Sua pergunta parece-me retórica, de quem que não procura por uma resposta.

Então parti para o ataque. Fiz-lhe uma pergunta ameaçadora:

- Por que está tão triste? Vejo que algo lhe incomoda desde que ao seu lado sentei.

Novamente ele lançou aquele olhar me deixando na expectativa.

De repente ele se levanta pousa sua mão suave e fria em meu ombro agradecendo pelo café e já andando solta outro sorriso, mas este era mais estendido e deixando cair de seu terno preto desgastado pelo tempo um papel sujo com algo escrito dentro. Parece-me que fez isso de propósito.

Levantei e andei até onde o bilhete descansava-se de bruços, apanhei-o. Lá estava-se escrito:

“Te conheço tanto!

… Pois sou teu avô.”

Após ter lido o bilhete deixado, tudo ao meu lado pareceu mentira.

Senti tão rápido meu coração pulsar. Ouvi o tilintar que não sei se de tristeza, felicidade ou surpresa do cair de minha lágrima.

- Por que será não reconheci este nome? João Emydio.

Acordo com o grito desesperado do relógio. Olho seis horas em ponto. Ao lembrar a noite passada deixo-me cair um sorriso, pois conheci o defunto mistério.

Matheus Ernandes Monteiro de Moraes
Enviado por Matheus Ernandes Monteiro de Moraes em 21/11/2015
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