ESSA É MINHA HISTÓRIA

Essa é minha história, não a história de um cachorro…

Nunca gostei da coisa do cão-herói, como um cão poderia fazer qualquer coisa melhor do que um ser humano? No entanto, registro aqui todo o meu respeito à espécie canina.

Eu trabalhava como guarda-noturno em uma indústria da cidade, era um bom trabalho, dormia bastante, praticamente não sentia os efeitos de se trabalhar a noite. Assim eu recebia meu salário, pagava minha casa na periferia e ia levando minha vida.

Certo um dia encontrei um filhote, ele estava numa caixa de papelão em uma calçada na rua. Ele me olhou com olhos tão meigos, tão interessados, como dizem por aí: “rolou uma química”, daí foi irresistível, levei a caixa pra casa, junto com o pequeno cachorrinho.

Na minha infância não tive animais, então tive problemas pra escolher o nome do filhote, ele era vira-lata, tinha um pelo amarelado, não tinha cara de que ia crescer muito, mesmo filhote já demonstrava certo vigor físico. Resolvi chama-lo de Fubá, pra mim isso significa uma coisa forte, além disso, o pelo do cachorrinho era amarelo como o fubá.

Quando completou a fase de crescimento, tinha meio metro de altura, o pelo todo amarelo palha, com exceção da parte de baixo do pescoço que era branca, tinha patas grossas e fortes, conseguia puxar objetos pesados agarrando-os e arrastando com a boca.

Fubá era muito independente, conseguia forçar a parte de baixo do portão pra entrar e sair de casa, costumava ir pra rua passear, explorar o território e voltava tranquilamente, nunca saí pra procurar, mas devem ter filhos do Fubá espalhados por aí. Ele me fazia companhia

Um dia ganhei dinheiro pra cortar alguns galhos de árvores pra uma vizinha, Dona Clotilde, ela sempre me perguntava: “Como vai seu cachorrinho? Ele é tão bonito!”. Ela me pagou com uma nota de cinquenta reais, achei um bom pagamento, embora tenha suado bastante pra poder fazer o serviço, deixei essa nota em cima da mesa da televisão, fui tomar banho, quando voltei a nota tinha desaparecido, revirei a casa e não achei nada, no outro dia pela manhã achei um cocô cheio de pedacinhos de dinheiro. Era o cocô mais caro que eu já tinha visto, fiquei irado, queria torcer o pescoço da criatura, mas respirei fundo e deixei pra lá, considerei que o companheirismo dele valia mais que cinquenta reais.

Certa vez assisti na televisão uma cena inusitada, um vídeo que mostrava um cachorro carregando um gato, que, por sua vez, levava um rato em suas costas. Olhei aquilo e pensei: “- Isso é a cara do Fubá”, ele faz esse tipo de coisa. Depois disso, passei a observá-lo à distância esperando que ele fizesse algo curioso, daí filmaria e colocaria na internet, seria o vídeo mais visto!

Vivíamos Fubá e eu, até que um dia cheguei do trabalho cansado, foi uma das noites que tive que ficar acordado, cheguei em casa e literalmente “capotei” na cama, não vi nada. Fubá devia ter saído pra passear. Em certa hora, da manhã ou da tarde, não sei direito, acordei com um barulho de uma coisa caindo no chão. Levantei meio dormindo e chamando o Fubá. Cheguei na sala e tomei um susto, um homem tentando tirar meu videogame o qual eu ainda estava pagando as prestações. Isso me pegou de surpresa, fiquei sem reação, parecia que eu estava sonhando. Eu não tinha arma de fogo, tinha um cassetete, mas havia ficado no quarto. O ladrão não tinha nada nas mãos, a não ser as minha coisas. Dei um berro, meio de terror, meio de fúria. Talvez o ladrão fugisse, mas ele não fez isso, veio pra cima de mim tentando agarrar meu pescoço, me desvencilhei do golpe mas caímos no chão rolando, acho que recebi uns três socos e já estava perdendo as forças. Até que Fubá aparece, morde o braço do homem e fica praticamente pendurado nnele, o homem se afastou de mim e continuou a luta com Fubá.

Eu fiquei entorpecido, não sabia o que estava acontecendo comigo, minha reação foi sair de casa correndo, corri sem rumo na rua, não conseguia pensar nada. Quando tomei consciência estava no mato, tinha muitas dessas áreas verdes perto da minha casa, lembro que caí no chão, e no meio do mato olhei pro céu que ia se acinzentando, enegrecendo, até que eu apaguei.

Não sei quanto tempo se passou, abri os olhos após sentir uma umidade no rosto, eram na verdade lambidas, vi uma estrela no céu e a cara inconfundível de Fubá mexendo comigo, tentei erguer a cabeça ou me levantar, mas não conseguia me mexer. Fubá ficou do meu lado, latindo, uivando, tentando chamar ajuda, havia casas por perto.

Então percebi que ele estava machucado e sangrando, Fubá não estava bem, ele foi murchando, continuava a fazer barulho, mas o vigor dos latidos ia diminuindo. Continuei chamando a atenção dele, até que apareceu um senhor que foi verificar a situação. Já estava escuro, ele viu que eu estava ferido, perguntou o que havia acontecido e saiu pra telefonar, alguns minutos depois chega o corpo de bombeiros, eles me imobilizaram e me carregaram numa maca, nisso perdi o contato visual com o Fubá. Foi tudo tão rápido, não conseguia enxergá-lo. Levaram-me para o hospital.

Recebi alta dois dias depois, muito dolorido, porém recuperado do trauma, disseram que eu poderia ter morrido, justo eu um profissional da segurança, não consegui lidar com um ladrão. Cheguei em casa e nada do Fubá aparecer…

Esperei pacientemente por dias, sempre ansioso, sempre olhando o portão que havia sido forçado, mas que eu me recusava a trocar, esperando que Fubá pudesse chegar a qualquer momento.

Enfim, passaram-se semanas, ele não chegou e eu não o encontrei…

– Cachorro egoísta, como ele se atrevia a me abandonar?!

Enfim, por causa da ingratidão desse cachorro que eu tinha como amigo que eu digo que esta história é minha e não dele. Talvez ele não estivesse morto, talvez esteja por aí ajudando outras pessoas, salvando outras vidas. Talvez eu tenha que dar o braço a torcer e passar a acreditar na lenda do “cão-herói” porque fui testemunha dela.

Fim.

Bruno Maia