Que a morte a carregue

Foi em um dia, em que o céu estava branco, daqueles que parece que estamos dentro de uma casca de ovo, perdidos em uma galáxia imensa, solitários, apenas um imenso vazio acima, nossos corpos aqui em baixo sentem as dores da carne, queima no fogo do inferno. Gostaria de dizer a vocês que um anjo desses que tocam trombeta anunciou a minha escolha, mas não foi assim, estaria mais para o demônio desse com tridente me fincou, com o mesmo, no peito e minha escolha foi anunciada entre o meu engasgar com meu próprio sangue.

Vamos começar pelo início, ou talvez pela ponta do barbante que é a vida, que eu me recorde melhor.

Lembro-me de estar sentada com ela, Sophia, sempre admirei a semelhança dela com o meu noivo, apesar da pouca idade eu estou noiva, aquele seu sorriso encantador, o jeito em que entramos em um mundo só nosso quando conversamos, os gostos dela que são os mesmo que o meu, a paixão dela por livros e pela filosofia de Kant. Tudo colaborou para que dá amizade surgisse um sútil desejo de a querer, impedido pela vontade racional de não poder. Com a vida em que eu levava não teria espaço para ela, não aos "bons" olhos da sociedade em que eu existia. Por outro lado havia meu noivo Walter Adam, um homem perfeito, carinhoso, de conversas interessante sobre física, vida após a morte. Me fazia feliz pelo simples fato de me deixar estar ao lado dele. Eu era muito feliz ao seu lado. Eu queria ter uma vida com ele, pois com ele eu vivia, sem ele eu apenas existia. Entretanto Sophia percebeu minha atração por ela, e como um presa indefesa, fui sendo atraída pelos seus olhos de ressaca, aquele que levam para dentro do mar tudo o que podem e o que não devem. Fui me enrolando em seus interessantes assuntos juntamente com seu braços em volta do meu corpo. Não sei se era carnal ou uma paixão devastadora, talvez uma vontade irresistível de provar o diferente. Mas é a culpa pela traição? Sobreviveria com ela. Só sobreviver nunca viver, viver e ser livre para fazer minhas escolhas. De tanto me sentir cada vez mais presa em meio a tantas dúvidas e certezas, queria o Valter mas como deixar Sophia ? Tive que fazer uma escolha, já não era sem tempo. Escolho o terceiro, para completar o triângulos de homens e mulheres que eu amo. Fico com a morte, ela chega de súbito, me carrega em seus braços pela eternidade, até cruzar a esquina desconhecida da humanidade em que entrarei em um mundo oculto, fico com a atração do novo de Sophia, e o conforto conhecido dos braços e aconchego do Walter, pois a morte aconchega, a morte me carrega, me deixa ser livre de indecisões, ela não é minha dona, é minha companheira, chega de manso te dando algumas ideias para a morte, não te obrigando, nem te influenciando, mas sim te auxiliando. Escolho a morte, a ter que fazer essa escolha absurda onde uma das partes vai se ferir, se magoar, me maguar. Espero que um dia ambos me perdoem. Mas não quero viver essa farsa que chamamos de vida, uma vida de mentiras e ilusões. Onde nada é real, onde somos marionetes dentro de uma caixa, manipulados por tudo e por todos. A extinção do meu ser é preferível à infâmia. Que a morte me carregue.

Scarr
Enviado por Scarr em 05/05/2016
Código do texto: T5625998
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