PARTE 1 - 1964

O ano foi 1964. A cidade, interior de Rondônia. Tudo começou assim:

Vilhena, era apenas uma vila no meio da floresta. Algumas casas e pouquíssimos moradores. Os verdadeiros pioneiros. Pessoas que vieram para esse novo Eldorado, com muita fé e coragem para vencerem na vida. Uma das famílias pioneiras era a os Lopes. Quando a família Lopes resolveu trocar a agitação de São Paulo por Vilhena, deixaram para trás a filha, Cecília Lopes.

Os pais trabalhavam para manter a filha na escola. Cecilia era uma excelente aluna, tanto que, aos 18 anos, foi aprovada em um dos vestibulares mais concorridos no Brasil. Cecilia, como toda filha amorosa, resolveu dar a notícia aos pais pessoalmente.

A viagem até cidade de Cuiabá – MT, foi tranquila. Cecília aproveitou o ensejo e levou consigo oito amigos, Janete, dezenove anos, Sandra, Camila e Verônica, de vinte anos e é claro os rapazes, Pedro, Antônio, Mateus e Tiago com dezenove, vinte e dois, vinte e três e vinte e seis anos.

De Cuiabá à Vilhena o trajeto foi de ônibus. O fato de estarem em um grupo tão grande, tornou o trajeto divertidíssimo. Os jovens riam, cantavam, brincavam. Tudo era novo para todos. Estavam felizes.

Após dezoito horas na estrada, chegaram em Vilhena pela manhã. Tudo era festa. Os pais de Cecília, assim como os amigos, estavam felizes com tanta juventude junta. Os garotos eram alegres, bonitos, simpáticos, legais mesmo. As garotas,.... lindas, maravilhosas.

Depois de alguns dias em Vilhena, o tédio começou a tomar conta da garotada e para fugirem da mesmice decidiram acampar. Não seria um acampamento qualquer. Seria ‘o’ acampamento. Planejaram tudo nos mínimos detalhes, procuram não esquecer de nada e realmente não esqueceram.

Na segunda-feira, de madrugada, partiram rumo a uma cachoeira em um distrito próximo à cidade de Vilhena. A caminhada seria longa. Mas valeria a pena. Antes de anoitecer, pararam para descansar. Era muita mata. Mata virgem. Precisavam parar. Não estavam acostumados a andar tanto. Naquela época, todo trajeto era feito a pé. Passaram a noite na mesma barraca, estavam com medo de verdade. Ouviam o barulho da mata. Onças e outros bichos, faziam o som da orquestra da natureza. Uma perfeição... não para os novos visitantes urbanos.

Pela manhã, perceberam que ainda tinha fogo na fogueira que acenderam antes de escurecer, porque depois que escureceu, ninguém teve a coragem de sair da barraca. Realmente ficaram apavorados com tantos sons. A sinfonia foi perfeita e ao mesmo tempo terrível.

Prosseguiram ao destino: a cachoeira. A alegria e o cansaço era visível no rosto de cada um daqueles jovens. A juventude tem dessas, só percebem o perigo depois que ele passa. Mas tudo bem, até o momento estava tudo bem.

Passava das três da tarde quando finalmente chegaram ao destino. O lugar era paradisíaco. Perfeito. Como poderia haver um lugar tão belo e tão único, localizado no meio da mata? Mas existia e estavam ali.

Tudo parecia tão perfeito... parecia. A água calma, espaço para montarem as barracas. Água transparente mesmo... a natureza é perfeita.

A garotada montou as barracas, preparam algumas coisas e caíram na água. Foi o banho mais relaxante que tiveram. Aproveitaram cada minuto.

O sol já estava se pondo quando resolveram acender uma fogueira, sabiam que os animais selvagens passariam por ali para beberem água. Fizeram quatro fogueiras. Uma fogueira em especial era para cozinharem o jantar. Ficaram acordados até tarde. Tocaram violão, cantaram, contaram várias histórias e deram muitas risadas. Já cansados, foram dormir. Os barulhos noturnos não foram percebidos tamanho era a exaustão. Aqueles rapazes e moças estavam realmente se divertindo.

Cada momento era como se fosse único, realmente o era. Cada momento... eles brincavam, cantavam, dançavam, nadavam. A diversão estava a todo vapor, como se dizia na época, - a diversão...

Cecília sentiu-se muito mal após o almoço. Comia exageradamente os enlatados trazidos por eles. Haviam colocado as latas com os alimentos no rio, pois de acordo com os “espertos” e bons entendedores – serviria para conservar por mais tempo. Cecilia realmente estava mal. Cecilia estava cansada. A turma resolveu fazer um “tur” pela mata.

- Eu não vou. – disse Cecília se contorcendo de dor. Estou mal, meu estomago e minha cabeça estão doendo muito.

- Nós ficamos com você. – a preguiça de Camila era visível. Não vamos deixar nossa melhor amiga e anfitriã sozinha.

- Parem com isso. Eu tomei um remédio e provavelmente vou dormir a tarde toda.

- E se aparecer algum animal? Quem vai te proteger? Eu não estarei aqui para salvá-la... disse Pedro todo solícito.

- Podem ir tranquilos.

A galera partiu mata adentro. Estavam com facões, lanternas, toda a tralha necessária para a aventura na “floresta”.

Os rapazes à frente e as jovens atrás. Pareciam escoteiros, cantando e dando gritinhos para disfarçarem o medo e ao mesmo tempo a preocupação com Cecília que havia ficado sozinha no acampamento. Tiago era o mais atencioso.

- Pessoal não vamos nos afastar muito. Caso Cecília precise de alguma coisa, nós escutaremos. Não esqueçam de marcar bem o lugar por onde passamos para nós não nos perdermos.

- Você está certo Tiago. – fala Janete – a mata é bastante densa. Precisamos ter muito, mas muito cuidado mesmo.

A atenção foi redobrada por todos. Mas o que estava por acontecer... os pobres jovens não imaginavam, em momento algum, que estavam sendo seguidos, observados e que algo terrível aconteceria a eles.

A fila era indiana: Janete, Pedro, Camila, Antônio, Sandra, Verônica e Tiago. Será bastante interessante conhecermos melhor cada um deles. Vamos lá.

Janete tinha dezenove anos. Filha única. Família rica. Corpo perfeito para os padrões da sociedade. Baixinha, delicada, negra. Estudiosa. Janete quem convenceu os pais a autorizarem a viagem e ‘financiarem’. Quem pagou as passagens, carro, aluguel, toda a despesa, foi o pai de Janete. O poder de persuasão de Janete era indiscutível. Ela sempre conseguia o que queria. Janete era apaixonada por Tiago, o mais velho e mais responsável do grupo. Tiago tinha vinte e seis anos. Após muita dedicação, finalmente conseguiu aprovação no mesmo curso do pessoal. Todos eram calouros na Faculdade de Medicina da USP. Não queriam participar do trote e a viagem para Rondônia foi um achado. Tiago era muito bonito. O seu sorriso conquistava qualquer pessoa, homem ou mulher, principalmente as mulheres. Tiago tinha algo de misterioso. As vezes ele ficava distante com os seus pensamentos. Tiago não era de família rica. Sempre trabalhou e batalhou muito para começar a realizar o sonho de se tornar médico. A oportunidade de conhecer o novo Eldorado do Brasil, caiu-lhe como uma luva. Afinal de contas precisava de um lugar para iniciar sua vida profissional. Tudo isso já pensando no futuro. Tiago era assim, tudo muito bem planejado. Ele sabia que Janete gostava dele... fingia não ter conhecimento. O coração dele tinha dona. Tiago pretendia declarar-se para Cecília. Enquanto caminhavam na mata, ele só pensava em Cecília.

“Devia ter ficado com ela”...

Verônica era a sex da turma. Bonitona mesmo. “Um mulherão” como diziam os amigos e os inimigos também. Se é que Verônica tinha inimigos. A beleza e o charme de Verônica, só não eram maior que a simpatia que irradiava dos seus olhos. Verônica era uma mulher perfeita. Sandra e Camila ainda não tinham compreendido como conseguiram passar no vestibular. As duas se conheciam desde sempre. Conheceram Janete, Verônica, Cecília e os rapazes no dia do vestibular. Fizeram as provas na mesma sala e como Mateus era o esotérico do grupo, disse o destino deles estava traçado. Que todos passariam no vestibular, e ficariam juntos para sempre. Os pais do Mateus eram advogados, tinham um escritório no centro de São Paulo e muitos clientes do alto escalão do governo. Mateus era extrovertido, amigo para toda hora. Pedro e Antônio, eram primos. Quase irmãos. O que um dizia o outro confirmava. Para os amigos, os dois eram cúmplices em tudo. Os pais confiavam nesses meninos cegamente. Embora estivessem sempre envolvidos em algumas confusões, os pais compreendiam que era coisa da juventude. Quando Pedro avisa a família que faria vestibular para medicina, Antônio diz que também faria e que ambos seriam aprovados.

Cecilia. Ahh!! Cecilia, garota alegre? Nem sempre. Cecília era uma incógnita. E isso era que fascinava Tiago. Inteligente, delicada, esperta e acima de tudo, pé no chão. Cecilia parecia ter bem mais de dezoito anos. As conversas com ela duravam horas. Os pais de Cecília foram para Rondônia, e ela ficou em São Paulo para estudar. Seguiu à risca os conselhos dos pais. Dedicou-se a aprender. E agora começaria a colher os primeiros frutos.

Todos tinham consciência que o fato de terem sido aprovados em um vestibular, não os tornava médicos. A verdadeira batalha começaria em alguns dias. Precisam curtir aquele momento ao máximo. Depois, somente estudo e mais estudo. Tinham o projeto de, depois de formados, participarem da ONG Médicos Sem Fronteiras. Projetos, todos tinham projetos.

A caminhada seguia mata adentro. De repente, um grito ensurdecedor. Todos olham para trás e veem Janete caindo morta. Começam a gritar e desesperados não conseguem entender o que está acontecendo. Coisas terríveis passam pela cabeça de cada um.

Aparece, ninguém sabe de onde, um homem estranho com duas espadas e decepa a cabeça de Antônio. Todos começam a correr desesperados, sem destino. Tiago só pensa em Cecília, volta desesperado ao acampamento e vê quando a criatura horripilante, carrega o corpo de Pedro e pendura em um galho. O corpo de Janete é jogado em um buraco próximo à cachoeira e é neste momento que Cecília acorda. Ao sair da barraca, Tiago grita para que ela volte. Cecilia olha e percebe o que está acontecendo, entra em desespero. Perde o rumo. Ao lado da cachoeira, pendurado em um galho, esta parte do corpo de Pedro. O grito de Cecília chama a atenção daquele ser misterioso que parte para cima dela.

Tiago, desesperado, tenta salvar a amiga e é empurrado para um buraco. Cecilia segura as mãos dele e sente uma dor terrível, uma lâmina fina como um fio de cabelo corta sua mão. Ela cai. Tiago simplesmente grita:

- Corra Cecília, corra.

Ela não ouve mais nada, corre como maluca e perde os sentidos.

Um por um daqueles jovens foram assassinados.

Por quê? Ninguém nunca soube responder. Quem? Pergunta não respondida até o ano de 2012.

Fátima da Silva
Enviado por Fátima da Silva em 06/05/2016
Código do texto: T5627080
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