O INQUILINO

O escuro pode ser assustador para certas pessoas, lugares sombrios sempre trazem ansiedade a certos indivíduos, lugares fechados podem ser definitivamente aterrorizantes.

O edifício tinha dez andares, no décimo andar um apartamento como tantos outros, o de número 1004 centralizado no final do corredor.
As coisas estranhas começaram a acontecer com a chegada do novo inquilino, os vizinhos ficavam intrigados com o novo morador e com sua desmedida discrição.
Muitas vezes um ou outro curioso quando saia do elevador via apenas a porta se abrir silenciosa e fechar rapidamente.
Mesmo que ficassem de tocaia para ver o homem, ouviam um atropelo de passos e quando abriam a porta para espionar o estranho inquilino, ou se deparavam com o corredor vazio ou uma sombra furtiva fechando a porta.
Aquele final de abril foi diferente dos demais.
O zelador fora pessoalmente até o apartamento do inquilino com certeza não o encontraria lá.
Adentrou o corredor e notou que a porta de entrada estava entreaberta, a luz do corredor refletia na janela espelhada próxima a porta de entrada - ele tomou fôlego caminhando alguns passos chegando bem perto da porta, percebendo uma névoa estranha se propagando entre a pequena fresta da porta do quarto.
Por um instante o homem se deteve talvez assombrado por um medo peculiar, respirou fundo e avançou na direção do quarto, ao abrir vagarosamente a porta ela rangeu cavernosa acelerando seus batimentos.
O aposento estava escuro e sua opacidade sombria era contrastada com a frouxa claridade da suíte onde a porta estava totalmente escancarada.
Um silêncio sepulcral se fazia presente ali, apesar de lá fora uma tempestade acabara de chegar, ventos uivando acompanhados de estridentes trovões e fartura de relâmpagos clareando o céu escuro - este espetáculo da natureza chegava a refletir soturnamente a janela escurecida por películas e uma persiana entreaberta.
O zelador não conhecia o homem, suas bagagens chegaram por uma transportadora, eram duas malas e uma caixa totalmente forrada por fora com um tecido aveludado, onde certamente caberia uma pessoa.
O inquilino ficaria pouco tempo ali, pois adiantara o aluguel por apenas um mês.
Ele se lembra dos entregadores e de quando um deles pegou sua assinatura, ele vira nos olhos dele a ansiedade em entregar logo aquelas coisas, viu quando subiram pelo elevador de serviço e alguns minutos depois já estavam voltando, com passos apressados tomaram o rumo da saída sem olhar para os lados.
Aquelas lembranças misteriosas o fizeram dar dois passos para trás, notando que a porta que dava acesso à sacada estava aberta e apesar disso os ventos não entravam na suíte.
Aquilo assustou o zelador, ficando ainda mais impressionado quando sob a claridade dos relâmpagos via a silhueta de um homem em pé sobre a mureta da sacada, como se fosse saltar.
Uma descarga de adrenalina o fez criar coragem e correu para segurá-lo.

- Senhor! Não faça isso! - Disse num grito abafado;

O espanto tomou conta do zelador quando tentou agarrá-lo, pois o homem como uma névoa acinzentada se desfez diante dos seus olhos arregalados, sendo em seguida dissipada pelo vento como uma miragem fantasmagórica.
Subitamente a tempestade parou e um silêncio demoníaco foi quebrado pelo ranger da caixa fazendo o porteiro estremecer.
Em seguida ouvira alguém que parecia bater vigorosamente de dentro da caixa colocada ao lado da cama, estava trêmulo, mas foi até a lúgubre caixa e conseguiu abri-la e o que viu deixou apavorado, dentro da caixa havia um corpo de mulher em avançado estado de decomposição coberto por dezenas de ratos que pipocavam da caixa.
Aquilo foi demais para o pobre homem.
Segundos depois já estava no elevador e talvez nem lembrasse como deixou o quarto tão velozmente, ele suava frio e no nervosismo incontido apertara quase todos os botões, isso aumentou a sua angústia, pois à medida que o elevador descera, fazia paradas, em seguida apesar da tremedeira ele conseguia apertar o botão para fechar, o coração acelerava em cada parada sombria.

Parecia uma eternidade a sua descida, escutou grunhidos do lado de fora na última parada, seus olhos estavam vermelhos como se tomado por alguma estranha alergia, ele esfregou os olhos usando a ponta dos dedos tomando coragem para sair do elevador.
Seu corpo parecia se mover em câmera lenta, viu o corredor e a saída de emergência.
O único jeito era correr chegar até a recepção do prédio e tentar chamar a polícia.
As luzes pareciam que brilhavam em espectros diferentes entorpecendo seus sentidos por um breve momento.
Aqueles grunhidos voltaram chamando sua atenção para o corredor com pouca iluminação, dezenas de olhos reluzentes brilhavam no final do corredor escurecido que parecia estar invadido por uma nevoa avermelhada.
Correu como um alucinado em direção à porta de saída fugindo daquelas coisas horrendas, ele ouvira o atropelo de passos como cascos de animas correndo atrás dele, mas não podia olhar talvez não conseguisse chegar à saída se virasse o rosto.
Foi à própria visão do inferno que teve ao chegar a recepção do edifício, o saguão estava apinhado de criaturas monstruosas que rugiam para ele, elas vinham em sua direção talvez sedentos de sangue, os dentes amostra na cabeça carcomida deixaram tomado pelo pavor, havia muitos, parecia que o prédio havia sido tomado por mortos-vivos.
Mãos mortas e frias apalpavam seu corpo, agarrando-o pelos braços, imobilizando ele, ele via com espanto as faces descarnadas, os dentes, a baba gosmenta, aquelas visões fizeram com que o pobre homem perdesse os sentidos.

-Ele está morto? - Indagou o sindico ao inquilino.

-Não, ele só perdeu os sentidos, o antídoto já está fazendo efeito, logo estará novo em folha.

No início ele via as coisas embaçadas, os olhos não distinguiam muito bem as cores, pouco a pouco começou a perceber formas humanas normais, viu o síndico reconhecendo logo devido ao bigode, e ao seu lado um homem grisalho e de óculos, um pouco calvo na fronte, usava um jaleco branco que não disfarçava sua barriga saliente, viu alguns homens vestidos com uma roupa totalmente branca, botas, luvas, e tipo uma máscara contra alguma espécie de gás, eles carregavam a caixa aveludada, aquela da mulher morta!

-Aquela caixa, alguém chame a policia! -  Disse o zelador olhando para o síndico.

-Acalme-se homem, dentro dela estão os cilindros que estavam vazando, um descuido da transportadora fez com que um gás altamente alucinógeno vazasse no décimo andar. Todos os moradores já foram medicados... O produto era para ser entregue na universidade para guardá-los em segurança, eles trocaram os endereços e entregaram os cilindros aqui no prédio dois dias atrás, e todo esse alvoroço aconteceu.

-As visões que tive então eram apenas efeitos do gás, a tempestade, o homem na sacada, os mortos-vivos e os monstros, aquilo tudo pareceu bem real para mim.

-Sim! Inclusive alguns moradores do décimo andar que ouviam passos e vultos furtivos, mas não se preocupe o gás e um experimento contra portadores de esquizofrenia, aquilo tudo que você viu foi só a expressão do seu subconsciente, onde estão os seus medos mais profundos. O efeito dura somente algumas horas, se não for aplicado o antídoto. Explicou o Dr. Fausto antes de sair em direção ao elevador.

-Pode tirar o dia de folga, você teve um dia cheio hoje! - Disse síndico batendo suavemente nas costas do zelador.

O Dr. Fausto que acabara de chegar de sua cidade acompanhava insatisfeito tudo aquilo que acontecera, a universidade avisara esta manhã que o apartamento estava a sua disposição dois dias atrás, quando os entregadores fizeram as trocas de endereços, o Reitor avisou o Doutor que não recebera a encomenda, ele ligou imediatamente para o transportador, e todo o mal entendido fora esclarecido, ele sabia que o gás era só um experimento, mas aquelas pessoas ficaram expostas por 48 horas aos seus efeitos, ele realmente espera que os efeitos sejam apenas momentâneos.
Ele acompanharia de perto o comportamento do zelador, pois fora ele o único exposto maciçamente ao fluído alucinógeno.

Aquelas visões foram tão reais que a cabeça do zelador ainda estava meio aturdida.
Mas o que é real? E o que imaginário?
O gás talvez fosse o estopim para uma dimensão paralela que os sentidos humanos não seriam capazes de perceber.
FIM
FernandoCreed
Enviado por FernandoCreed em 21/06/2016
Reeditado em 14/01/2017
Código do texto: T5674028
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