-Me ocorreu um fato!
-Que fato, homem?
-Sabe, tô pensando em denunciar aqueles filhos-da-mãe por terem me prendido naquele dia.
-Mas você vai denunciar o quê?
-Eles me algemaram só porque eu arranhei o carro daquele homem, depois, me tomaram a carteira de motorista e me deixaram preso por cinco dias.
-Tá que tudo isso foi injusto, se bem que poderia ter sido justo...
-Como assim, tá louca?!
-Ah, e se não tivesse sido só um arranhão? E se você estivesse em alta velocidade e...
-Tá, mas não foi o caso. Eles me usaram para dar exemplo ao povão.
-E daí? O que importa é que você e o carro estão aqui. Tudo já foi resolvido.
-Eu não aceito sair dessa assim... E os danos morais e materiais que sofri com tudo isso?
-Mas você não disse que foi uma terapia aqueles cinco dias na cadeia, que você comeu melhor do que nunca e fez amigos para sempre?
-Tá, e a vergonha de ter saído da vila algemado e ter sido exposto àquelas malucas das minhas ex-mulheres, de ter chego lá no marmitão algemado, sujo, malacabado? Pior mesmo foi ter visto na cara da maluca-mor a satisfação de me ver naquela situação.
-Tá... E o que você quer fazer? Ir à corregedoria e fazer um boletim de ocorrência denunciando abusos da polícia? Vai onde para processar o juiz que te indeferiu a soltura, no primeiro dia, e ordenou reclusão em regime fechado até o dia do julgamento? E depois? Já pensou nas consequências?
-Ah, mas esse mundo precisa de justiça! O mundo está como está porque as pessoas não fazem suas denúncias de abuso de poder e tudo se dará sempre como se deu comigo: Cidadãos honestos sendo presos e expostos ao ridículo por conta de eventualidades. Eu não matei ninguém! Stênio acende um cigarro. E mesmo que tivesse matado, se tivesse sido um acidente...
-Tá, você já pensou que a polícia e o juiz que estão envolvidos na questão poderiam querer se vingar de você?
-E eu? Não tenho o direito de me vingar deles?
-Ter, você tem. Mas quem é você?
-Como assim?
-Você é algum empresário de renome? É político quente? É parente de algum magnata ou mafioso?
-Não...
-Está aí! Você é um pobre doutor, mero pesquisador, dono de um importado e de um terno. Só isso, mais nada! Que poder você tem? Nenhum!
-É... Você tem raz...
-Pois é. Daí, qualquer dia você desaparece. Passa algum tempo, você aparece morto no Pantanal, e o carro jogado num beco do Rio Tavares. E aí? Terá sido um sequestro, como os de São Paulo?
-É né?!
-Ou pior, lembra do caso do PC Farias e sua namorada? Assassinato seguido de suicídio. Um crime passional. Você acredita?
-Escuta!
-O quê? Ahhh! Lá fora!
-Alguém abriu o portão?
-Abriu.
-Liga pra polícia!
-A linha...
Marília Francisco
Enviado por Marília Francisco em 20/08/2016
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