Lua Perfeita - O pescador - parte III

Jack ouviu o ruído do alçapão se fechando e os passos da pessoa no outro cômodo da cabana, misturado ao som do que parecia ser sacos de plástico. Depois, os passos foram ficando mais próximos e Jack cerrou os olhos. O ruído foi se intensificando até cessar.

_Ele continua desacordado! – resmungou a pessoa que agora Jack já sabia tratar-se de um homem, pela voz rouca e grave.

Jack abriu os olhos bem devagar e pode ver as sandálias do indivíduo bem na frente de seus olhos. Quando o homem se deslocou para olhar algo na janela, ele viu algo que o apavorou: uma arma de fogo enfiada na parte de trás do short do rapaz, na altura da cintura. Desesperado, como um animal na fila do abate, Jack pensou em fazer a única coisa que julgava ser sensata naquele momento. E ele teria de ser muito mais rápido do que foi naquele último segundo, quando decidiu voltar ao “quarto” e fingir ainda estar desacordado ao invés de confrontar o estranho sem arma alguma. Tal ato poderia jogá-lo de vez na cova funda dos que não mais respiram ou poderia agraciar o seu coração com mais alguns anos de sístoles e diástoles. Então, reuniu todo o resto de força que ainda tinha e desferiu um coice no calcanhar do ádvena, que logo dobrou o joelho e se projetou pra frente. Com a outra perna, num movimento síncrono ao primeiro, acertou lhe o rosto, já saltando, com um movimento muito parecido com o de um sapo, para o outro cômodo e correu até o alçapão. O desconhecido caiu meio grogue, com a sensação de que sua face estava com o dobro do tamanho normal e, tentando se levantar, começou a dizer algo. A entonação da voz aumentando gradativamente até terminar num grito:

_Não, não faça isso! Pare! Lá fora está perigoso pra você! Volte aqui!

Ainda com passos cambaleantes, o homem conseguiu chegar ao outro aposento, a expressão tensa, o suor escorrendo na pele morena e os olhos fixos no alçapão, que ainda estava aberto.

_Droga! – bramiu, levando as mãos ao rosto, numa tentativa vã de estancar a dor.

Jack desceu a escada em espiral em torno do tronco enorme da árvore o mais rápido que pode. Quando chegou a uma altura em que fosse possível se atirar, não pensou duas vezes. Lançou-se ao chão e saiu rolando, num movimento que aprendera no exército. A partir daí, correu sem cessar até encontrar uma trilha no meio da mata. Ainda ouvia a voz do estranho bem distante:

_Volte Jack...Perigoso pra você...

“Como ele sabe o meu nome? Meus Deus, o que está acontecendo?” E continuou correndo até avistar uma espécie de mercadinho caiçara bem no fim da trilha. Jack sabia que tinha que ser rápido para salvar a própria vida e descobrir o que tinha ocorrido com Carrie Ann. Entrou ofegante na vendinha, assustando uma jovem, de cabelo crespo e pele caramelo, que via TV do outro lado do balcão. O local era bem rústico, todo de madeira, com muitos enlatados e toda a espécie de secos e molhados.

_Por favor! Vocês têm um celular? Preciso fazer uma ligação urgente!

A garota entrou por um corredor, gritando pelo pai e, em segundos, um homem negro, físico de pugilista, barbudo, usando um gorro com as cores da Jamaica, apareceu na sua frente.

_O quê você quer, forasteiro?- enquanto falava, Jack percebeu que lhe faltavam alguns dentes.

_Fui atacado e minha noiva corre perigo! Preciso fazer uma ligação urgen...

De repente, a TV pareceu ter seu volume aumentado e uma música estridente interrompeu a fala de Jack. O homem se voltou para trás e fitou a TV.

Uma imagem de “Plantão Urgente” se destacava na tela. Quando a música cessou, a fala de uma repórter loira e bem magra pode ser ouvida:

_Foi encontrado, nesta madrugada, na matinha próxima à favela do Boulevard, o corpo de uma mulher branca, loura, por volta de 25 anos, assassinada com um tiro na barriga. A polícia acha que o crime pode ter tido uma motivação passional, pois também foi encontrado no local sangue do seu noivo, Jack Davidson, que permanece foragido e é o principal suspeito. Eles estavam hospedados no Beach Aquarium Boulevard Resort, onde passavam a lua de mel. O que torna o crime ainda mais chocante é o fato de que a mulher assassinada estava grávida de 2 meses! Esta é a foto do casal cedida pelo hotel. – os rostos de Jack e Carrie Ann enchiam a tela da TV de 14 polegadas, sobre a velha geladeira cor de vinho do empório.

Quando o caiçara se virou para confirmar a suspeita, Jack já não estava mais lá.

_Mas...o quê? Preciso avisar a polícia. Filha, traga o celular aqui! Agora!

A esta altura Jack estava correndo novamente pela mata densa daquela ilha caribenha. “Meu Deus! Carrie Ann está morta! Mas como?” Uma mistura de suor e lágrimas descia pela sua face e uma confusão de pensamentos tomava conta de sua mente quando, de repente, tropeçou em algo e caiu por uma ribanceira. Rolou por entre folhas, galhos secos e tocos queimados, até colidir com um pequeno riacho, onde ficou imóvel por alguns segundos com o rosto voltado para a água. Quando se virou para respirar e ver onde estava, um homem de short e sandálias apontava uma arma pra ele.

_Não se mexa! Não vou te machucar!

_Quem é você? O assassino da minha mulher? Por que ainda não me matou? – expressou Jack desesperado, num misto de grito e choro.

_Acalme-se, vou lhe contar tudo. Mas não tente mais fugir. Ao contrário do está pensando, estou aqui para te ajudar.

“Como faço em todas as noites de lua cheia, saí com meu barco para pescar. Moro numa aldeia de pescadores aqui perto e dependo da pesca pra sobreviver. Mas ontem, eu estava bem mais animado, a Lua estava diferente, muito maior que o normal e ainda mais reluzente. Perfeita pra pesca noturna no mar.”

_Quando cheguei à praia, tirei o bote do carrinho e o arrastei pela areia até a água. Já estava passando da arrebentação quando ouvi o barulho de um tiro. Vinha de uma matinha próxima dali. A que fica entre a favela e a praia. Parei de remar e tentei ouvir mais alguma coisa. Poucos minutos depois, mais um estampido.

“Foi quando resolvi voltar e ver o que estava acontecendo. Deixei a canoa na praia e fui em direção à matinha, de onde vieram os tiros. Fiquei deitado e bem escondido entre as árvores para ver se ouvia algo. Ouvi as vozes de dois homens. Um parecia estar elogiando o outro pela montagem da “cena do crime”. Depois, eles se foram dizendo que precisavam se apressar pra chamar a polícia.”

_Achei aquilo tudo muito e estranho e resolvi dar uma olhada no local onde estavam. Foi quando te achei, desacordado e com um talho enorme na cabeça, sangrando muito.

_Você viu minha noiva, ela também estava lá? – quis saber Jack, num desespero quase infantil.

“Então, não a vi num primeiro momento, mas me lembrei de ter ouvido os bandidos dizendo que a polícia pensaria que o marido matara a esposa. Então, comecei a procurar por uma mulher nos arredores e, a alguns metros dali, a encontrei. Estava deitada, de vestido branco, todo manchado de sangue na altura da barriga. Fui ver se estava viva, mas constatei que não mais respirava.”

_Não! Carrie Ann, não! – Jack se levantou do tronco onde estava sentado e partiu em direção ao caiçara, que foi obrigado a apontar o revólver pra ele novamente.

Jack era puro ódio e desespero. Seu rosto estava manchado por uma miscelânea de sangue, lágrima e terra, dando um tom escarlate que contrastava com outras manchas escuras, provenientes do contato de sua face com o carvão de tocos queimados da mata, enquanto rolava pela ribanceira. Sua aparência era a de um selvagem guerreiro, pintado para a guerra e pronto para matar. Seus dentes rangiam.

_Calma, homem! Sei o que está passando, mas terá que ser muito forte agora! – disse o pescador, tentando acalmá-lo. Meu nome é Noah, sou pescador e estou aqui pra te ajudar!

"Peguei você e levei para minha cabana na árvore que uso para lazer com meus filhos e quando quero esquecer um pouco da vida. Lá, lavei seu ferimento e o banhei com ervas para desinfetar e estancar o sangue. Em seguida, deixei você lá se recuperando e saí para comprar mais remédios e comida. Você iria precisar."

Jack desabou de cócoras e, levando as mãos aos olhos, começou a chorar. Choro de soluçar, o que deixou Noah constrangido, pois, onde nascera, não costumava ver homens chorando. Não daquela maneira.

_Ela era tudo pra mim, entende? Tudo. Tínhamos acabado de nos casar. E, meu Deus! Ela estava grávida!! E não me disse nada! Oh, meu Deus! E a polícia está pensando que fui ...– ele começou a vomitar, soluçando e babando.

Noah passou um braço pelo seu abdômen e, com a outra mão, empurrou sua nuca. Depois, juntou as mãos e pegou um pouco de água do riacho:

_Beba. Pra você melhorar. – Jack obedeceu e bebeu um gole. Tremia.

Noah passou o braço de Jack sobre seu ombro, ajudando-o a se levantar e os dois começaram a caminhar.

_Vamos voltar à cabana, Jack. Lá tenho mais coisas pra te contar...e acho que sei uma maneira de te safar dessa!

Continua

Jack Cannon
Enviado por Jack Cannon em 15/09/2016
Reeditado em 25/06/2017
Código do texto: T5762157
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