Deus que me perdoe, mas foi assim que aconteceu

Olha, nem sei explicar como isso aconteceu. Acho que tudo acabou sendo culpa das poucas horas de sono que tenho enfrentado nos últimos tempos. Essa noite mesmo eu não dormi nada. Aliás, ao que parece, acho que desliguei por volta das 5 da madruga. Às 6 e pouco já estava com os olhos abertos, incapaz de fechá-los novamente. E isso já tá rolando há alguns meses. Nem sei mais qual foi o último dia que consegui dormi mais de 4 horas seguidas. E a porra dos pesadelos? Meu, quando começou a rolar esse esquema de pesadelos… caralho, velho! Que coisa doida! À princípio fiquei até meio assustado, sabe. Depois que percebi que a porra toda não era real, o susto foi virando alguma coisa mais parecida com “caralho, que viajem é essa?!”. A diferença é que, nas noites anteriores, quando eu acordava na madruga, não tinha tantos policiais assim dentro do meu quarto.

Como eu disse, essa noite eu dei uma desmaiada de, mais ou menos, uma hora. Cheguei do trampo por volta das onze, tomei banho e dei uma fuçada nas panelas. Achei lá um arroz, um resto de feijão e a carne moída com batatas que eu tinha feito no dia anterior. Misturei tudo…tipo um mexido, sabe? Comi e, mesmo sem sono nenhum, fui pra cama. Eu sei que tenho dificuldades pra dormir, então, mesmo sem sono eu dou um jeito de ir logo para cama e tentar dormir o mais cedo possível, entende? O foda é que, é só eu deitar, que minha cabeça começa a girar. Mano, começa a surgir um monte de pensamentos doidos, lembranças, gente falando na minha cabeça, porra, foda demais. O pior é quando começo a remoer todas as críticas ouvidas no dia e tal… principalmente aquelas que vem da boca da minha mãe e, essa noite, a velha falou alto viu, porra! Minha mãe sempre teve uma língua bem afiada para criticar os outros, putz. Ela criticava o personagem mais velho da novela que tinha um lance com a mina mais nova, criticava a roupa da tiazinha que morava lá, vizinha da casa dela, dizendo que ela só queria ser a novinha…enfim, criticava deus e o mundo. E eu, claro. O que ela mais gostava de fazer era me comparar com os filhos das clientes dela. “O filho de fulana de tal tá trabalhando não sei aonde e tá ganhado dinheiro, enquanto você fica nesse seu empreguinho de merda, ganhando essa mixaria.” Porra meu, que saco. Como se ser costureira fosse lá grande coisa. Eu, pelo menos, estava na Universidade, tentando terminar a porra do curso de Educação Física. E ela? Nem o primário!

Quando eu cheguei do trampo estava morgado de cansaço. Minha mochila, que geralmente já pesa um bocado, pesava como o casco de uma tartaruga gigante. Lembrei até de um meme que eu vi no Facebook da academia onde eu trabalho. Tinha lá a imagem de um estagiário carregando uma mochila gigante e os dizeres “Estagiários de Educação Física: como conseguem carregar mochilas tão grandes?”. Abri a porta do A.P e fui largando tudo pelo caminho. A mochila foi a primeira a ficar pelo meio da sala. Os tênis foram a segunda. Lembro que, na mesma hora que eu deitei pra tentar dormir, o fluxo de merdas começou a invadir minha cabeça. Mano, juro que lutei contra a porra toda com toda minha vontade, mas não consegui escapar daquelas vozes do caralho. Minha mãe era a que mais falava, como sempre. Meu, acho que virei de um lado pro outro umas mil vezes, putz! Já tava vendo a hora de perder os cabelos de trás da cabeça de tanto esfregar a porra no travesseiro! A última vez que olhei para o relógio, e já era a centésima vez naquela noite, faltava quatro para as cinco da matina.

Uma hora e pouco de um sono perturbado demais. Sonhei com umas paradas escrotas, tipo pesadelo mesmo, entende? Eu moro num apartamento alugado na rua detrás da rua de minha mãe. Para atravessar de uma rua para a outra, só precisava passar por uma brecha que existia entre o muro dos fundos do meu vizinho e o meu, e seguir por um beco até o outro lado. Na porra do sonho, eu atravessava esse beco, rumo à casa da minha mãe, sujando os pés numa lama preta que cobria o chão. Estava descalço e sem camisa. O vento frio fazia minha pele arder como uma barrigada na piscina. Chegando lá, no portão da casa da velha, tentava abrir o cadeado. Era noite…madrugada…sei lá. Só sei que abria a porra e entrava na casa. Ela dormia no sofá, como de costume. Roncava alto. Eu girava o pescoço de um lado para o outro, como um galo doido cercado de galinhas. Caminhava pelo corredor, formado pelo sofá de três lugares e a parede do quarto dela, até a cozinha. Lá na casa da minha mãe, normalmente, sempre tinha uns bagulhos em cima da mesa. Uns sacos de pão, tapioca, biscoitos, o óculos e o celular dela. Mas… no sonho, havia algo mais. Uma faca. Mano, uma faca não, um facão, tipo uma espada ninja, Deus que me perdoe! Parecia uma daquelas espadas samurais, entende? Eu pegava a tal da espada…da faca… ah, sei lá, e voltava para a sala. Daí tudo apagou e, agora, a polícia está aqui, dizendo que eu matei minha própria mãe. Na hora eu achei que esse povo todo estava doido. Eu estava em casa, dormindo…ou tentando, então não tinha a menor chance de eu ter feito isso. Porra mano, é minha mãe né! Mas quando eu olhei para o lençol… cara… tava tudo sujo de lama! Da mesma lama preta que sujou meus pés no beco do meu sonho!