Planejado

- Isso não havia sido planejado.

Do outro lado da linha, a voz do meu interlocutor soava realmente cansada. Como ele, de fato, devia estar.

- Essas coisas não planejadas agora se tornaram rotina - retruquei, mexendo o gelo do uísque com o dedo. - Mas o que podemos fazer em causa própria, já que não dá pra mudar o script?

- Fazer em causa própria... Jesus - gemeu ele, do outro lado do continente, três fusos horários de distância. - Como foi que chegamos a esse ponto?

- Eu poderia dizer que foi na última eleição, mas acho que estaria sendo injusto. Esse país já vem dando errado faz muito tempo. E então? O que vamos fazer?

Ele suspirou.

- Acho que podemos usar um dos satélites desativados do Projeto Excalibur...

- Excalibur? Pensei que nunca houvesse saído do papel.

Ele tossiu.

- Ah, verba secreta... bom, ainda temos esse troço em órbita, abastecido por uma pilha nuclear. Não vai causar muita destruição na queda, mas o combustível radioativo servirá como pretexto para isolar a área-alvo. Algumas milhas ao redor dela, pelo menos. É suficiente?

- Terá que ser. Mas, lembre-se: não é um dos nossos. Prepare provas que vinculem o desastre aos russos.

- Aos russos? - O tom de voz dele era de incredulidade. - Quer provocar uma guerra nuclear?

- Longe de mim - retruquei, pegando mais gelo do balde ao meu lado. - A ideia é fazer com que o povo se pergunte o porquê de não estarmos tomando nenhuma iniciativa contra os russos.

- Oh... entendi. Relações públicas.

- E sacrifícios humanos. Já temos as vítimas. Agora quero que prepare o cenário!

- Não há outro jeito de resolver isso, há?

Tomei um gole de uísque e olhei pela grande janela do meu escritório, para a noite que caía em Washington. À distância, iluminada contra o céu escuro, era possível ver a cúpula do Capitólio.

- Algumas vezes é preciso arrancar a página, para não correr o risco de voltar à ela novamente - respondi.

- Deus salve a América - resignou-se meu interlocutor, desligando.

[20-01-2017]