Conto do templário remanescente

Grande loja maçônica do estado de São Paulo - Bairro da liberdade, São Paulo, Brasil

Mais uma sessão magna terminava no augusto templo de são João. O abrir das pesadas portas de madeira ecoaram pelo grande e luxuoso palácio de mármore da grande loja maçônica de São Paulo. Um burburinho começa a aumentar pelo longo corredor, e logo aparecem os maçons de terno e gravata preparando-se para um banquete pós sessão. Rapidamente escolhendo seus lugares, dividiram-se na enorme mesa aguardando a refeição chegar. Caminhando lentamente, e analisando cada um com os olhos, um desconhecido irmão sentava-se por último á mesa. Aparentando seus 35 anos, cabelo louro levemente bagunçado, de olhos claros e rosto magro, completamente sério. Ao sentar-se trocou um fundo olhar com o grão-mestre que se encontrava na outra ponta da mesa. Serviu-se de água e apenas escutava com desgosto os papos ao seu redor. Via um mestre de grau 33, cheio de comendas em seu terno falando com a boca cheia de carne:

- Daí eu disse para ele, vou ferrar com você para o delegado! Ninguém mandou dar uma de espertão!

Então ele desviava sua atenção para outro suposto maçom em outra parte da mesa, que dizia:

- E minha esposa nem imagina que eu estou saindo com outra! hahah!

E a resposta de outros três que estavam ouvindo após gargalharem:

- Tudo em colunas, irmão! Ninguém fala nada! Hahahaha!

Por fim, à sua frente pegava o final do papo dos mais próximos a ele na mesa, dizendo:

- Porque somos maçons! Por isso a gente tem que botar aquele profano para fora do trabalho, porque aí a gente domina tudo lá no escritório! E lógico, iniciar o Coutinho que é nosso chefe né? Chefinho na ordem, emprego garantido! Haha! – E brindavam com cerveja

Ego, ego, e mais ego, ele pensava. Como a natureza humana funciona como cupim? Aos poucos matando uma árvore frondosa e dando lugar apenas a podridão e à palha seca. Por um segundo, deixou sua mente divagar. Ele estava agora na Escócia, na capela de Rosslyn. Lembrou-se daquele senhor escocês de bengala que passou horas com ele dentro da capela. Um estudioso ensinando com detalhes os símbolos da capela e a filosofia lá escondida. Antes que lembrasse do diálogo, retornou para a realidade. Enquanto recompunha seu terno preto, ainda dentro de seus pensamentos, o homem à sua frente dirigiu-lhe a palavra:

- Ei, não vai nos dizer seu nome, nobre irmão? De que loja você é?

Secamente, e sem olhar o rapaz nos olhos, ele apenas respondeu:

- O mensageiro não é importante. E existe apenas uma loja.

Levantou-se e dirigiu-se à porta do restaurante da grande loja e saiu pelo corredor. Mas não saiu para a rua. Retornou pelo corredor, passando por uma escada e subiu dois andares, olhando com cautela para ter certeza de que estava sozinho. Tudo já estava escuro naquele andar. Então, virando-se à direita no pequeno corredor escuro após subir a escada, deparou-se com uma porta trancada. Conseguiu destravá-la sem muita dificuldade. Sabia muitos truques de arrombamento, e os tinha usado muitas vezes durante anos. A porta o levou para uma saleta, onde uma placa dizia: Sala do Grão-Mestre. Parecia um escritório antigo de madeira. Papéis sobre uma escrivaninha, fichas, um quadro verde ao fundo com outros papeis pregados. Fotos de pessoas importantes na política paramentados como maçons sobre a mesa. Ele logo voltou seu olhar sobre um armário no canto direito da sala. Sem muita dificuldade, abriu o armário lateral e retirou o fundo falso da parte de cima, revelando um cofre na parte de trás. Retirou um papel do bolso, colocou a combinação, e em dois minutos ouviu o clique do cofre. A porta abriu. Lá estava ela, do tamanho de uma bola de futebol. A esfera armilar de navegação de Pedro Alvarez Cabral. Retirou um saco forrado com espuma de seu bolso, e delicadamente a colocou dentro dele. Fechou novamente o cofre, o armário e a saleta. Ao descer, resolveu que passar pelo restaurante não era uma boa ideia. Então resolveu sair pela porta principal que ficava no primeiro andar. Ele apenas teria de arrombar aquela porta sem ser visto. Nenhum trabalho. Foi quando ao chegar ao primeiro andar, e virar à esquerda no corredor chegando ao saguão principal da loja, o Grão-mestre o esperava no canto esquerdo do saguão, próximo ao pequeno museu da loja.

- Pare aí mesmo! Você não vai levar a esfera embora.

Com a esfera em mãos, respirou profundamente olhou nos olhos do Grão-mestre e dirigiu-se a ele em passos curtos:

- Alfredo, ou deveria dizer, Grão-mestre. Esqueça. Vocês não são mais importantes para a causa. São um bando de perdidos.

- Somos a maçonaria do Brasil. Iremos mudar este país e o mundo!

- Tente primeiro organizar uma pizza sem brigas aqui, e se isto acontecer um dia conversamos sobre mudar o mundo! Tudo o que vejo são homens atormentados pelo próprio ego. Cegueira, Alfredo. Escuridão. Se esqueceu? Nos antigos ritos o retirar da venda na passagem de iniciação nada mais era do que acordar para a verdadeira luz que é negar o desejo de receber apenas para si mesmo. Por isso o próximo passo é negar suas próprias paixões e vícios! Retirar seu desejo de receber apenas para si, elimina a dor e o sofrimento! Esta ordem é tomada por cegos vendados, no qual nunca retiraram esta venda! Doentes por algo que nunca irão encontrar. Vejo um bando de ridículos aqui! Acabou, Alfredo. Em breve vocês devem receber uma carta do priorado dizendo que não são mais nada. Se é que você já não recebeu e nunca disse para ninguém. Daí vocês podem continuar brincando de bruxinhos e de cavaleirinhos o quanto quiserem.

- Seu demônio ingrato! – Indaga o grão-mestre de punhos cerrados

- Engraçado você falar sobre o demônio com tanto desdém, Alfredo. Você não sabe o quanto você o serve.

Dizendo isto, rapidamente o homem quebra a vitrine do museu que se encontrava há dois palmos de distância com um único soco, pegando uma espada templária do século XVI e colocando a um dedo de distância do pescoço do mestre com uma tremenda agilidade, demostrando um profundo entendimento de luta com espadas, enquanto continua com a esfera em outra mão:

- Isto aqui também me pertence. E sinto muito Alfredo, mas ou você abre essa porta ou degolo você aqui mesmo! Tenho motivos suficientes, seu verme politiqueiro!

- Calma, cara. Estou indo, a chave está no meu bolso. Pelo amor de Deus! Você perdeu o juízo? – Dizia o grão-mestre, de voz trêmula enquanto pegava as chaves e abria a grande porta.

- Agora é que estou tendo juízo. Passe bem. Mande fazer mais um anel ridículo com símbolos da ordem para ostentar por aí e parar de tremer tanto!

A porta abre. Ele desaparece na escuridão da rua, rápido como um raio.

(continua)

Marcello Morettoni
Enviado por Marcello Morettoni em 24/01/2017
Código do texto: T5891256
Classificação de conteúdo: seguro