Aquele que repousa.

Thomas Linson tinha 42 anos, mas sentia-se mais velho e cansado do que realmente era. Sua vida era de casa para o trabalho e do trabalho para sua velha casa. Esta com decoração antiga, ainda feita a muitos anos atrás por sua mãe, nunca preocupou-se em mudá-la pois o fazia lembrar de sua infância, enquanto ela era feliz antes da morte de seu pai por infarto.

Sua casa era afastada da cidade, beirava uma rodovia federal e seu trabalho era o de vigilante noturno em uma escola rural, a mais ou menos um quilômetro seguindo pela rodovia. Quando chegava à escola seu colega já havia saído e pela manha ao deixar o serviço, ainda não havia ninguém. Emprego que tinha a anos, também não arriscava a data.

Quase não havia contato com as pessoas, apenas as via de longe ao ir e voltar do trabalho, pois enquanto elas despertavam, ele descansava.

Era um homem de poucos amigos, na realidade apenas três: Jacob, Sara e Kailo. Sempre foram inseparáveis desde o maternal.

Sua vida era pacata, para não dizer inexistente, pouca coisa o perturbava. Uma delas era um grupo de jovens que todas as noites passavam varias vezes pela rodovia dirigindo em alta velocidade e muitas vezes paravam em frente ao portão da escola, aos gritos desconexos e atitudes hostis. Quase sempre chamando o vigia para a rua. Thomas nunca saiu, mas não achava nada de estranho, pois trabalhara a muito tempo, com certeza o conheciam e também jovens bêbados fazem bobagens, pensava ele.

Atitudes que Thomas repudiava, afinal o faziam lembrar de um fato trágico de sua juventude. Sofrera aos vinte e quatro anos um grave acidente de carro, onde estavam seus três fieis companheiros da vida Sara, Jacob e Kailo.Thomas nunca se recuperou emocionalmente, um capotamento violento com colisão no muro desta mesma escola. Na época em que fora construída. Ouvira muitas vezes sua mãe sentada no sofá da sala olhando para o nada, repetir:

- Meu Deus e se fosse de dia? Quantas crianças morreriam?

O pobre homem sentia-se pior e mais culpado. Não era capaz de dizer nada à sua velha mãe. Mesmo assim seus queridos amigos nunca o abandonaram, visitavam-no quase que diariamente todos esses anos. Apesar dele próprio ter certeza de que era o responsável. Todos estavam bêbados na fatídica noite, mas ele considerava-se mais imprudente, dirigia embriagado e em alta velocidade.

Sua mãe Eva entrou em depressão, e morreu dois anos depois do fato, outra culpa que seu filho carregava, tanto que nem ao menos conseguiu ir ao seu funeral. Foi em um cemitério a alguns metros de sua residência, um caminho que preferia desviar ao ir para o serviço.

Porém aproximava-se o aniversário de morte de Eva.

- Será que terei coragem! Sou um fraco, mas tenho que superar essa dor, não tenho mais vida! Tenho muitas saudades suas, mãezinha.

Foi então que naquela noite, antes de sua ida à escola, resolveu enfrentar seus monstros, sua realidade.

Os três amigos, como fieis escudeiros o acompanhavam em silencio, respeitando suas aflições. Jamais o deixariam sozinho.

Em frente ao pequeno cemitério, parou por um instante, sua mente girava, estava nauseado, suas mão tremulas e gélidas denunciavam a importância do momento. Ainda assim seguiu em frente.

Estava lá, a lápide de Eva . Aos prantos o filho quase sem conseguir falar, dizia:

- Mãezinha amada, me perdoe por ter sido um mau filho, ter causado tanto desgosto por causa do acidente, meu comportamento e por não ter conseguido lhe ajudar em sua doença. Perdoe-me, por favor! Eu lhe imploro!

E no auge de seu desespero e soluços, Thomas cai de joelhos e ao levantar um pouco os olhos enxerga logo à esquerda do túmulo de Eva, uma outra lápide e por um momento começa a lê-la:

“ Meu amado filho, sonho com você todos os dias

como se ainda estivesse aqui comigo. Perdoe-me por trabalhar demais e não ter lhe dado a atenção que precisava. Desejo que você encontre seu caminho. Minha vida acabou junto com a sua e de seus amigos no dia daquele acidente.”

Eva Linson

Confuso, desesperado, com um pavor na espinha que o arrepiava todo o corpo, Thomas olha para seus amigos como quem busca alguma explicação. Até que Sara aponta mais acima da lápide entre os arbustos.

Thomas levanta-se devagar e com a mão direita, encharcada de tanto medo, afasta os galhos e consegue ver o rosto de um jovem na foto extremamente familiar.

- Oh meu Deus, oh meu Deus! Não é possível, sou eu? Gritava Thomas como alguém que agora sim entendia tudo.

E logo abaixo os dizeres:

“ Aqui jaz meu amado filho , Thomas Linson – 1963/1985.”