O FILHO ESTRANHO

Pensando em retrospecto Edson recordou a primeira vez que percebeu que o filho poderia ser violento, pois na época ainda encarava como possibilidade e não como fato consumado desses em que nada mais pode ser feito e o único caminho é a aceitação . Na época o filho tinha cinco anos e Edson com vinte e três continuava acreditando que tudo o que precisava saber para se tornar um bom pai estava nos livros, revistas e manuais sobre educação que Dinorah começou a colecionar assim que soube que estava gravida. Hoje ele entende que nada prepara os pais para a dura realidade de descobrir que seu filho é um psicopata.

Na época o homem estava no trabalho quando foi informado que tinha uma ligação da diretora da pré escola para ele. Alguma confusão envolvendo Lincon. Correu ate a escola imaginando que o menino tivesse sido vitima de alguma má criação dos outros garotos, afinal ele era até pequeno para a idade. Jamais cogitou que fosse ele o agressor.

Lá chegando foi comunicado de forma quase fraternal que seu filho tinha arremessado um estojo de madeira contra outro aluno e que esse incidente tinha gerado um corte no supercílio da criança e que esse precisou levar pontos para conter o sangramento.

_ Não se desespere senhor Edson, os pais de Ismael entendem que isso é coisa de criança e não prestarão queixa contra o senhor ou esta escola, mas no seu lugar conversaria seriamente com seu filho a fim de evitar que fatos assim voltem a acontecer.

Estava subentendido que todos acreditavam que a culpa pelo comportamento do filho era sua e da esposa por não darem a ele uma boa educação. “Não prestarão queixa contra o senhor”. Nesse mundo controverso julgavam que devido o casal trabalhar fora o menino foi criado sem limites e portanto, cabia aos pais sempre serem responsabilizados pelas ações da criança, não importando a gravidade delas.

Assim que chegou em casa com o filho, o questionou, pois esse era o padrão estabelecido por qualquer manual de educação infantil: nunca se deve bater nas crianças para que elas não fiquem magoadas e copiem essa atitude violenta como um exemplo para resolver problemas. O melhor a fazer é o dialogo para que elas entendam as consequências de suas ações. Portanto, o pai iniciou de forma branda:

_ Porque você jogou o estojo no menino filho?

_Ele queria pegar o meu giz de cera e eu não queria emprestar.

Edson sabia que o filho detestava que mexessem nas suas coisas. Não era naturalmente um menino que gostava de compartilhar nada, talvez por ser filho único. Quando fez 3 anos, ele e a mulher pensaram em dar-lhe um irmãozinho, mas resolveram que não. Muitas contas pra pagar. Os dois trabalhando já não sobrava dinheiro. Um filho só daria menos gastos e poderiam proporcionar a ele tudo o que não tiveram por ambos terem origem pobre.

_Lincon! Você podia ter conversado com ele.

_Mas eu falei um montão de vezes. Ele não me ouviu.

_Sei, mas mesmo assim não precisava jogar o estojo na cara dele.

_Por que não? – desafiou o menino.

_Porque machuca. Porque dói. Porque você não ia querer que ele fizesse isso com você.

_ Em mim não doeu.

_ Doeu nele filho. Isso não se faz. Assim ninguém vai querer ser seu amigo. Você tem que ser legal com as pessoas.

_ Por quê?

Edson pensou que tem horas que esse tanto de perguntas irritava. Continuou:

_Você quer saber por que você tem que ser legal com as pessoas?

_ Não, pai! Eu quero saber porquê eu vou querer ter amigos?

_ Como assim? Ter amigos é bom. É...

O menino interrompeu e disse finalizando a conversa:

_Eu não me importo. Eu não preciso deles. Só quero que não mexam no meu giz de cera.

Essa conversa foi a cerca de doze anos. Depois disso claro que houveram outros “incidentes desagradáveis”. Lincon sempre foi inteligente, quando preciso ele podia até ser atencioso e solidário com as pessoas, mas por outro lado era capaz de gestos de crueldade e mesquinharia, atos inconsequentes, mentiras e dissimulações sem se preocupar com os outros. Fantasiando num mundo egoico no qual apenas os seus desejos deveriam ser satisfeitos, suas ordens nunca questionadas e sempre aceitas.

Edson e Dinorah juntaram algumas economias para que o filho passasse por um terapeuta semanalmente. Nada adiantou. Já na adolescência influenciando ou sendo influenciado por outros jovens que como ele precisavam de adrenalina, o rapaz cometeu crimes. Nada tão grave quanto o último, motivo pelo qual o pai estava ali sentado diante do homem ruminando o passado.

Aconteceu naquela madrugada. Lincon e um grupo de amigos saindo da balada onde possivelmente tinham bebido e cheirado alguma coisa resolveram roubar um carro e se não bastasse isso quiseram aumentar a “diversão” amarrando um vira-lata no para choque; o que garantiu ao grupo insanas e numerosas gargalhadas enquanto o animal se debatia sendo arrastado no chão de asfalto , gemendo e chorando até a morte.

Agora na delegacia Edson se recordava da primeira vez que entendeu que o filho não se importava. Pensava nisso enquanto o homem a sua frente informava a ele e a esposa que o rapaz seria encaminhado para medidas socioeducativas.

Os pais, num misto de lamento e preocupação se questionavam intimamente o que será do filho já que na próxima semana ele completará 18 anos e voltará pra casa com a “ficha limpa” como qualquer ser humano e normal.

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