O corredor

Ouço gritos de dor.

Sonhos interrompidos na escuridão.

Penso em minha mãe.

Se ela estivesse aqui, curaria minhas feridas.

Nunca mais, eu sei.

O corredor me parece exageradamente extenso.

Longo trajeto para o fim.

Faço perguntas sobre as luzes que se acendem e apagam.

Proposital mecanismo de submissão?

Os homens pedem pressa.

Tento me equilibrar sobre pernas quebradas.

Meu pai falava da guerra.

Devia ser assim.

Zombam de minha agonia.

Também ameaço um sorriso.

Eles só obedecem.

Eu vivi o sonho.

Começo sentir saudade.

Os carinhos de minha mãe, as histórias de meu pai.

Homem livre que foi , homem livre que sou.

A cada golpe, gritei:

-Liberdade!

A cada queda, eu clamo:

-Liberdade!

Os amigos flagelados em salas sombrias.

Sepultados em moradas clandestinas.

Viver com medo é estar morto.

Um chute e vou ao chão.

Tento enxergar meus carrascos.

Homens obedientes.

Que exista um céu ou inferno para os rebeldes.

A resistência nasce dos sonhos.

Possíveis e impossíveis.

Interrompidos, mas não desfeitos.

Tomaremos cerveja.

Contaremos nossas próprias histórias, e elas serão oficiais.

Beijarei a boca carnuda de Miriam.

Corpo usurpado, ocultado numa vala qualquer.

Os homens mandam parar.

Sigo adiante.

Estou a poucos passos da eternidade.

Uma cadeira, uma parede, o piso frio...

Seremos transformados em obras de ficção.

Arrancarão nossas páginas dos livros.

Não receberei o último afago de minha mãe.

Já não estou no corredor.

Tudo terminará aqui.

-Liberdade!-grito antes do fim.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 27/03/2017
Reeditado em 15/06/2017
Código do texto: T5953604
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