A MORTE ESTAVA AO LADO


Quando voltei para minha casa após o acidente com o barco e durante três dias  achei que eu tinha morrido e estava me adaptando a morte... Mas na realidade eu estava vivo e me adaptando ao renascimento
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Snipe acidentado
 
Fiz uma visita no clube Veleiro do Sul/RS e  adquiri um veleiro da classe Snipe - seu antigo dono já tinha colocado o nome: DUNGA. Como eu tinha um amigo que era apelidado de Alemão pela vasta cabelereira branca, e que manjava de barcos a vela  me deu as primeiras lições para amansar o Dunga.  Nós dois nos divertíamos com o Dunga nas aguas próximas a praia e às vezes íamos de Ipanema até no lado oposto que é a praia da Alegria onde almoçávamos um galeto e sempre exibindo o Dunga, que tinha duas velas e um mastro de seis metros e tudo funcionava com o vento... Motor pra que? 
Numa tarde linda com um sol convidativo e pedindo um belo passeio com o Snipe, queríamos levar duas meninas aventureiras juntas, mas o Alemão não cativou nenhuma  mas eu consegui.  Tá Bom... Saimos os três aventureiros de Ipanema/RS sem rumo, mas com gosto de aventura e queríamos desfrutar o majestoso Rio Guaiba – mas a natureza tinha outros planos e talvez ela tivesse dado algum aviso, que não percebemos.
Estávamos aproximadamente no meio do Guaiba/RS o dia continuava maravilhoso, resolvemos baixar as velas curtir a imensidão do Guaiba, nadar e olhar de longe  a praia de Ipanema que ficou minúscula... Só que o vento parou mesmo e o Dunga  só funciona com vento... Bem vamos esperar e continuamos nadando, mas algo estava me preocupando  porque olhei em toda a nossa volta não tinha barcos e veleiros  e só nós  os donos do Guaiba? A resposta começou a vir - uma breve brisa pedindo para que levantássemos as velas e seria a hora de irmos para a nossa praia de Ipanema. Foi que fizemos, mas  a brisa ficou mais forte e mais forte e o Dunga parecia uma lancha, inclinou-se e nós três fazendo borda no lado oposto e olhando a praia muito distante e para complicar a chuva iniciou... O Alemão mais experiente que estava no comendo do leme gritou! Temos que baixara as duas velas urgente  mas antes peguei uma corda que estava presa no barco e amarrei o pulso da menina... Velas baixadas, mas o Alemão não tinha mais forças para segurar o leme e teve que solta-lo e o temporal veio com força total e arrancou o leme que era preso com grossos parafusos e vou pelos ares a bolina central que dava o equilíbrio no barco também foi arrancado e foi para o fundo do Guaiba... Como resultado do leme  arrancado e sem bolina o barco ficou a deriva no meio do guaiba/RS deu um volta como se fosse um cavalo de pau e jogou nos três para fora ficando com o casco para cima, e sem condições de agarrá-lo pelo casco, mas sim por baixo, deixando a cabeça quase que submersa.O Caos era total
Foi um desespero generalizado de todos e sem chances naquele momento de que alguém pudesse ajudar... A menina desesperada  tentou se agarrar em mim, mas naquele momentos era cada um tentar se auto salvar  para posteriormente ajudar - o meu mêdo foi grande, mas não desesperador. Sorte que a corda que eu prendi no pulso da menina a matinha em contato com o barco e ela conseguiu uma forma de também segurar-se. O Alemão estava enrolado nas cordas do próprio barco que também o mantinha preso a ele. Se  alguém com um temporal ameaçador se desgrudasse do barco não sobreviveria.
   Era muita chuva, muito vento eu consegui pegar uma parte do mastro quebrado e coloca-lo em baixo do ombro e com a outra mão  segurar pela parte de baixo do barco ficando apenas com a metade do rosto fora da água onde combinava com a apneia e o respirar.  Não sei por quando tempo nós poderíamos aguentar,  pois as forças estavam diminuindo eu cheguei a pensar em largar os ferros que estava segurando já sangrando as minhas mãos e em três minutos tudo estaria resolvido, mas o instinto de sobrevivência falou mais alto e não consegui largar. Mesmo assim não fiquei com medo de morrer, ou sobrevivo ou não, são opções únicas.
 Mas a sorte começou a conspirar a nosso favor -  a tempestade que naquele dia até arrancou arvores começou a diminuir e nós começamos a ficar mais calmos e planejamos desvirar o casco do veleiro... Na primeira tentativa ficamos os três num dos lados fazendo pressão e ele desvirou por cima de nós e voltou a ficar emborcado,  mas na segunda tentativa a menina e o Alemão  fizeram pressão com os corpos e eu no lado oposto o segurei e ele ficou com a proa para cima, posteriormente colocamos a menina em cima do barco que estava completamente cheio de água e nós com os corpos submersos e agarrados de uma forma mais cômoda -  se subíssemos ele poderia afundar  com todos. Nessa posição e o tempo sem chuva e vento mínimo ficamos a espera de um salvamento, mas foi na encosta de um mato que vimos um barquinho a motor vindo em nossa direção... Estamos salvos. Gritamos juntos. Quando o nosso salvador chegou dizendo ter visto quando o barco naufragou, perguntou se tinha morrido alguém... Não!  Éramos nós três... Que bom.
Depois de estarmos em terra firme, os meus amigos quiseram ir numa igreja para agradecer por  estarem salvos – eu os levei eles fizeram suas orações, mas eu que não tenho religião, fiquei apenas meditando sobre o que havíamos passado. Nessa época eu tinha uns 28 anos e quando voltei para minha casa tive uma sensação de que eu tinha morrido e estava me adaptando a morte – isto durou três dias, pois na realidade eu estava me adaptando ao renascimento, porque a morte chegou muito próximo. Nunca mais vi o Alemão e a menina que infelizmente esqueci seu nome espero que tenha conquistado seus objetivos e tenha sido muito feliz.
 

Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 26/05/2017
Reeditado em 17/08/2022
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