O ENCONTRO

Caminhava a beira de uma estrada. Já fugia a muitos relógios atrás. Trocara suas pilhas uma ou sete vezes... Não me lembro ao certo. Contava satélites no céu e imaginava a luz das estrelas. Meus pés doíam, minhas costas doíam, meus olhos marejados doíam, e meu ser pedia por um instante de paz. Mas eu não poderia ter paz... Não depois daquele dia, que eu me lembro como se tivesse sido a vidas atrás.

Estava cansado. Não, não era um cansaço físico, era algo interno e que me fadigava a tempos. E a tempos, como boa pessoa que sou (ou era), ocultei em meus sonhos esse desejo miserável que assolava os pesadelos mais profundos no oceano da mente. Era como uma bomba relógio, e como qualquer outra, um dia explodiu.

Fazia sol, vi uma grávida no parque e que por algum motivo sorriu para mim... Vi crianças correndo, pais observando serenos e também vi adolescentes namorando na praça. De repente, eu o vi. Vi o motivo dos meus pesadelos e desejos obscuros. Vi o homem que me deu a luz e me largou na escuridão. O homem que me deu tudo, e no final, tudo era nada.

Quis ali mesmo negar-lhe o direito à vida, a ali mesmo, fazer jus à minha dor. Mas algo me impedia... Seriam os olhares que pousavam sobre mim? Ou a minha conciencia de que mesmo na morte, estaria ligado aquele nome? Eu não sei. Na verdade, eu já não sei de mais nada.

Ao anoitecer, uma curiosidade caiu sobre mim, então, resolvi segui-lo até um bar. Era um bar simples, onde homens vazios enchiam seus copos na esperança de se tornarem barris. Ele não era diferente, fazia o mesmo, apesar de esconder seu coração oco num sorriso definhado... De fato, um bêbado como outros mil.

Aguardei, por várias horas aguardei. Sempre acordado e observando cada gesto que ele fazia. Por algum motivo, queria decorar cada momento seu, seu riso, sua voz, seu olhar vago... Isso me lembrava a infância. Não a parte ruim, de quando ele se foi, mas a parte colorida... Do tempo que havia serenidade e fidelidade em nossos olhares, e sentimento verdadeiro em cada abraço.

Ouvi galos cantando, ele se levantou e andou cambaleando como um jovem em sua primeira ressaca, ou um velho em sua última. O segui até o lado de fora, até ele se aproximar de um beco escuro... E num impulso, o empurrei para lá.

Ele caiu, estava tonto, sem falar direito, dizia meu nome e me chamava de filho em meio a um riso desesperado. Seus olhos vermelhos choravam um choro profundo e empoeirado, como se estivesse guardado a tempos no armário da alma. Ele tremia e erguia os braços tentando me abraçar, mas a essa altura, o ódio em mim superava qualquer sentimento de humanidade. Olhei fundo em seus olhos avermelhados, e vi saudade e arrependimento, mas já era tarde para se arrepender, eu já não me importava mais.

Segurei em seu pescoço e apertei com todas as minhas forças e com todo desgosto e margura que havia em mim. Era como um grande espirro, um grito à liberdade, uma última valsa.

Sem forças para me tirar de cima dele, ele gritou e esperneou alto, alto ao ponto de atrair pessoas que já procuravam por nós. Eu ignorei, só me importava terminar o que comecei e poder dizer a mim mesmo que havia encontrado a resposta para minha angústia.

Ele cedeu, e em seu último suspiro, olhou fundo em meus olhos, e se foi. Eu chorei, não de alegria ou tristeza... Eu só, chorei. Olhei para trás e vi a grávida desmaiada, as pessoas passando e apontando para mim. Um deles tentou me segurar, mas eu fugi ouvindo o som das sirenes e o grito das pessoas.

Corria sem parar, sem rumo, destino ou tempo. Corri e cai num buraco, onde fiquei inconsciente por minutos, horas ou dias... Não lembro. Ao acordar, olhei para os satélites, imaginei estrelas e senti dores.

Vi minhas mãos calejadas passarem por uma alma de mármore e minha psique ir embora com outro. Sai daquele buraco e segui em frente. Até chegar numa ponte. Olhei para mim mesmo, e me perguntei sobre minha angústia, e só ali percebi. Ela ainda estava comigo, agora, presa no lugar onde habitava uma alma.

Percebi então, que nada me faria tão cheio quanto um barril ou um copo. Então olhei para meu vazio e me atirei ao mar e aos braços gelados da morte. Decidi me unir ao meu maior sofrimento e me encher de pelo menos alguma coisa, mesmo que essa coisa, fosse a morte.

Luz Santana
Enviado por Luz Santana em 01/08/2017
Reeditado em 11/08/2018
Código do texto: T6071500
Classificação de conteúdo: seguro