A Pianista

Não sei por que. Mas estava lá.

Parado.

Em minhas mãos um folheto com os hinos do dia.

Não sabia nenhuma música e não estava afim de cantar. Muito menos ler.

O grupo era pequeno. Tinha no máximo dez pessoas. Sendo a maioria jovens como eu, e os velhos eram bem velhos.

A pessoa que mais me chamava atenção era a pianista. Caroline, esse era seu nome. Se não me engano.

Caroline

Caroline

Sempre tocou piano. Ganhou prêmios por isso. Tocava com sua alma, sentia cada tecla bater em seu coração. Suas belas mãos pálidas tocavam gentilmente cada nota.

Todos ali ajoelhados. Ouvindo e admirando, louvando e glorificando ao som daquela maravilhosa pianista.

Lá estava ela. Com seu cabelo preto amarrado num coque bagunçado pela ventania que estava aquele dia. Provavelmente iria chover.

Sua camisa azul de bolinhas vermelhas estava com as mangas dobradas até a altura do cotovelo, usa uma saia rodada preta, que ia até o joelho. Calça uma sapatilha bege, mas insistia dizer que aquilo era nude.

Ela vinha para a igreja caminhando, fazia isso todo domingo, eu sempre a via passar em frente de casa. Nunca atrasava- se.

Sempre adiantada.

Chegava na igreja antes de todos. Apenas para limpar o piano. Instrumento antigo. Amigo antigo. Lugar onde ela sempre tocara sua divina melodia.

Todos a cumprimentam. Vão chegando aos poucos.

Ela sorri. Sorriso atraente.

Seus olhos escuros se encaixavam perfeitamente com seu belo rosto pálido e fino. Olhar sereno.

Caminha com serenidade, transborda calmaria e paz. Continua sorrindo.

Passa a missa toda assim, com aquele semblante de boa moça. Garota adorável. Sorriso doce.

A missa é curta.

Após tocar oito hinos, tudo acaba.

O padre termina a missa como todas as outras.

Palavra da salvação. Todos respondem e levantam-se como se não vissem a hora de ir embora.

Caroline faz reverência ao seu público, concluía com um sinal da cruz e um aceno para alguém da multidão

Fecha o piano. Com extremo cuidado, cuida como se fosse um filho. Após isso se reúne ao resto do grupo de canto. Beijos na bochecha e abraços. Sorrisos e risadas.

Todos a cumprimentam.

- Foi uma ótima missa, não achou Otávio? – ela diz. Sua voz era macia, como a de um anjo, suave e calma, como o piano que acabara de tocar.

- Não sei, na verdade, parecem todas iguais para mim – respondo.

Ela sorri.

Aquele sorriso inesquecível.

Fiz amizade com ela havia algumas semanas. Ela notou meu interesse em tocar algum instrumento. Me ofereceu algumas aulas, recusei algumas vezes, sem motivo algum. E sem motivo algum aceitei naquele dia.

Sua volta para casa era, como a ida à igreja. Todos a cumprimentam. Sorrisos. Acenos. Ela sorri. E acena. Uma, duas, três vezes. E repete.

Sorriso lindo.

Sua casa é verde, com enormes portões cinzas. Ainda morava com seus pais. Mesmo tendo seus vinte e poucos anos, continuava indecisa sobre o que faria da vida. Sem sonhos. Sem futuro planejado. Sem namorado. Acreditava não ter sorte para arrumar um. Não imagina a beleza que tem.

Venta muito. Segura sua saia para que não levante. Dizia para eu não olhar caso isso acontecesse.

Caminhamos rápido para que não fossemos pegos de surpresa pela chuva que não veio.

Uma casa bem grande. Daria duas da minha facilmente. Tinha sala de jantar. Sala de estar. Sala de recreação. Sala de lazer. Suíte. Cozinha. E outros tipos de salas.

Ela pede para que eu espere na sala. Sento numa poltrona de couro. Desconfortável no início. Mas com o tempo ficou aconchegante. Não há televisão naquela sala. E nem nas outras.

Apenas retratos. E mais retratos. Alguns quadros também.

Em um dos retratos vejo sua mãe. É bonita como ela. Ouvi histórias que diziam que a mãe dela havia fugido com um vizinho, e deixara Caroline com o pai, que por sinal não estava em nenhuma foto ali. E também, não estava na casa.

Ela demora.

Decido então fazer passeio pela casa.

São dois andares.

No de baixo, temos as salas a cozinha que é bem espaçosa, não tem mesa, pois a mesma fica na sala de jantar ao lado. Na cozinha, tem apenas os armários que cobrem todas as paredes do lado direito, tem também a geladeira e o fogão.

Uma escada em espiral fica no meio da sala de recreação. Subo-a.

A escada dá de encontro com um corredor. Extenso corredor.

A primeira porta é branca, giro a maçaneta e a abro. Dentro encontro uma cama de casal com vários travesseiros. Doze no mínimo. Um enorme guarda roupa, vai do chão ao teto, engolindo a parede. Um cheiro forte de colônia toma conta do ar. Deve ser o quarto do pai dela.

A segunda porta, é marrom, lisa. Abro-a. É apenas o quarto de tralhas, coisas que não usam mais. Haviam diversos instrumentos quebrado.

Nesse corredor havia mais cinco portas. Mas logo na terceira, era o quarto dela.

Um enjoativo odor adocicado toma conta do meu nariz instantaneamente. A porta está meio aberta. Ouço o som do rádio.

Entro.

Ela estava lá.

Caroline

Caroline

Usando apenas a camisa e uma calcinha azul com rendas. Suas pernas brancas chamavam minha atenção, ela as balança conforme o ritmo da música.

O ranger da porta a pega de surpresa, dá um pulo de leve e se vira, colocando a mão sobre o peito. Posso ver o volume de seus mamilos sob a camisa. Ela solta a escova de cabelo.

O quarto é delicado como ela. Haviam inúmeros instrumentos por ali. Violões. Guitarras. Flautas. Trompete. E muitos outros.

No canto, por ironia, está um teclado todo empoeirado. Abandonado.

Ela sorri.

No centro do quarto está sua cama. Grande. Muito grande.

Ela sorri.

Passeio pelo quarto, encaro o espelho do guarda roupa, estou arrumado, bonito.

Sorrio.

Um raio de sol que entra de penetra desviando da cortina lilás, paira sobre o teclado empoeirado. Um punhado de poeira dança na faixa de luz solar. Passo meu dedo, bem devagar sobre as teclas, daria para ouvir um som decrescente, se o teclado estivesse ligado. Ou com bateria.

Não entendo de teclado.

Olho para Caroline. Parece não se importar. Aquele devia ter sido seu primeiro instrumento. Abandonou-o. Pergunto o porquê disso.

O motivo de tê-lo deixado de lado.

- Cansei dele. – Ela diz, Sorriso.

Cansou dele.

Todo o tempo que haviam passado juntos não contava mais.

Sorrio para ela.

Pressiono uma tecla. Não faz som.

Está sem bateria ou desligado. Não entendo de teclado.

Abaixo na altura dele. Assopro. Uma nuvem de poeira se espalha pelo quarto.

Ela desabotoa um botão.

Coloca as duas mãos sobre o instrumento.

Você não se importa mais com ele, pergunto esperando que ela me dê uma resposta positiva.

- Sim, mas ele está velho, não serve mais para mim. – Ela diz. Mordiscando o lábio inferior e sorri.

Não era a resposta que eu queria ouvir.

Desabotoa outro botão.

A porta range com o vento leve que entra pela janela. A cortina balança. Com um pouco de esforço levanto o teclado de sua base.

- O que está fazendo. – Ela pergunta.

Sorrio.

Sua camisa está quase toda aberta. Com o passo que ela dá, posso ver seu seio balançar. Vem em minha direção.

Sorrio. Ela não.

Levanto aqueles aproximadamente dez quilos acima do ombro, e então a golpeio no rosto.

O golpe não é forte o suficiente para desmaia-la.

Ela apenas cai e põe a mão sobre a boca.

Posso ver seu seio. Sangue pinga no chão de piso branco.

Meus braços pesam. Já estão cansados. Caminho por alguns centímetros arrastando o teclado.

Ela chora.

O sangue escorre de sua boca e pinga sobre seu mamilo marrom. Escorre por ele e pinga em sua barriga, e logo é absorvido pelo tecido da camisa de bolinhas.

Não sei por que fiz. Apenas senti vontade.

E então a saciei.

Com muito esforço, ergo o teclado novamente. E a golpeio de novo. Um golpe contra sua cabeça.

Ao tentar se proteger ela acaba quebrando o pulso. Som que posso ouvir com clareza.

Ela chora. Urra de dor.

Ergo o teclado novamente.

Então solto contra ela.

Ergo o teclado. Mais um golpe.

Peças se soltam.

Sangue espirra.

Ergo o teclado. Mais um golpe.

Ela não se move.

Meus braços doem. Estou ofegante e soado.

Suas pernas brancas estão sujas com seu sangue. Ela agora tem um motivo para não tocar o teclado. Seu pulso está roxo e inchado.

Silêncio.

Paro em frente ao espelho. Arrumo minha gravata. Bonito.

Por sorte as gostas de sangue não são aparentes em meu terno.

Olho para ela. Não está mais tão bonita.

Tristeza.

Seu rosto, com o nariz quebrado e faltando alguns dentes, está coberto de sangue. Seu cabelo está molhado por uma poça enorme de seu sangue.

Deve ter encontrado a paz.

Desço a escada. A cafeteira apita. Sirvo um pouco de café. Caminho pela sala. Observo novamente as fotos e quadros.

Seu pai não está ali. Sua mãe continua sorrindo.

Muito linda. Se Caroline tivesse ido embora com ela. Nada disso teria acontecido.

Maicon Moura
Enviado por Maicon Moura em 26/09/2017
Reeditado em 04/10/2017
Código do texto: T6125756
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