Rolê pacífico

Amigo eu sou negro, nasci pobre e estava com meus irmãos no rolê pacífico. Não fica de pé me encarando, senta aí que eu conto.

Dizem no clube que se chama noche pacifica, mas amigo; eu vivia nas ruas.

Então eu chamo de rolê pacífico.

É quando um bando de veteranos, caras que foram baleados, torturados, mutilados, afogados e viveram para...

Viveram para um novo trabalho se reúnem para celebrar sem “interferir” no ambiente.

E por que isso?

Porque isso é um encerramento honroso que lembra a cerne de cada um de nós. Subimos de um buraco sozinhos, sobrevivemos a uma mãe, pai, marido ou esposa sozinhos. Tanto para o positivo quanto para o negativo. Sobrevivemos sozinhos, a tudo; sozinhos.

Mas o clube nos une.

Alí conversamos, bebemos, juntamos amigos de anos e é lógico arrumamos uns bicos. Um cagando pra vida do outro. Desde que nada ameace o clube.

Que bicos?

Que bicos, você pergunta.

Alguns serviços de extermínio de insetos, erradicação. Sim, isso mesmo que o senhor ouviu.

Erradicação.

Mas eles começaram senhor. Só queremos sair daqui, foi legítima defesa. Depois de tudo, o pessoal que estava lá disse que o bar quase tinha sido destruído na semana passada. Na ocasião, disseram que um cara doido acalmou todos com diálogo. Nós só conversamos com os nossos.

Você continua perguntando isso. “Como que quinze testemunhas afirmam que um cara de uma orelha, um parcialmente cego e um perneta mataram com sadismo doze homens fortes armados com facas?”.

Meu... Senhor policial. Senhor policial é o caralho!!

Seu demente amante de pau no cú fascista.

Eu ESTAVA no rolê pacífico.

Não aguento ser gentil com mais um merda essa noite.

Eu fui simpático e tentei evitar a treta.

Cê tá gravando essa conversa né fardado? Eu tenho um primo que é fardado.

Me refiro aos maus, fascistas e bostas como você. Que bom que está gravando; pensei em quebrar este gravador e enfiar os pedaços na sua goela.

“Você é só um velho!”

Amigo, sabe como eu perdi essa orelha?

Eu comi ela.

Não ri seu idiota, não estou brincando com você.

Um membro do clube executa o serviço. E não, não foi uma loucura. Eu precisei; após executar um serviço com perfeição eu queria um grand finale, me entreguei aos seguranças da vítima.

Me espancaram, pensavam que eu tinha morrido e me atiraram aos cães, tomei umas mordidas mas matei os quatro rapidamente.

Fiquei alí naquele buraco esperando o pior para sempre, sabe. Não, não sabe.

Moldei um plano maluco pra sair.

Atraí um porra de segurança do jardim, gritando que cortaria minha própria orelha. Ele não sabia o que fazer quando comecei a cortar, se reportava no comunicador ou se pulava para que eu não me matasse.

Preocupado com o que os chefes gostariam de fazer, reportou.

Chegaram a tempo para ver.

Terminei de cortar e comi.

Eles disseram que iriam cortar o resto, alguns desceram...

Eu saí, subindo a pilha de corpos que fiz.

Se vou morrer, que seja lendário.

Pois um membro nunca se rende sem luta. Pois ele tem direito de ter um rolê pacífico sem ser importunado por uns babacas vegetarianos de merda que entraram num bar! Um bar com torresmos na estufa, picles no pote, tudo como devia ser, antiquado e saboroso.

Nos xingaram de velhos.

Nos xingaram após derrubar cerveja em nós.

Tá vendo isso aqui no meu pescoço?

Eu sou isso.

Me pergunta tanta coisa né?

Sou isso.

Um escorpião sai do buraco e vive em constante perigo, pode ser morto até pela mãe canibal, se ela estiver com fome. E se ele sobreviver, sobrevive a quase tudo. E morre só quando deve.

Já dizia o Velhaco.

Estou falando para a fita. Sim, eu identifiquei o mentor da porra toda do Clube do Escorpião.

Velhaco!

Mas é lógico que brincadeiras à parte, o clube vem primeiro.

Em rolê pacífico o escorpião só porta um ferrão, faca. Pois é um negócio gentil e fraterno.

Se alguém tirar a paz deste rito, tirar nossa paz, a afronta será retribuída à altura, sem contrato e com prazer.

Eu peguei a arma do teu parceiro antes de entrar aqui, enquanto ele escoltava esse idoso mutilado. O cara é tão idiota que não percebeu até agora. Eu já tinha sacado ele, comprando um refrigerante na cena do crime.

Sim, admiti que foi um crime.

Adoramos acabar com aqueles babacas que roubaram nossa paz.

Não me mata?

Eu não ia te matar.

Você me encheu tanto o saco que eu quis falar mais sobre nossa noche pacifica.

Afinal quem não é do clube, não sabe disso.

Não vou atirar em você idiota, pare de gritar.

Agora!

Isso.

Vamos ver esse gravador.

Pronto!

Foi ótimo isso, que pancada não? Acho que não dá pra consertar.

Não fica implorando, me chamando de senhor. Meu nome é Relato.

Tenho que proteger o clube, sabe?

O que vou fazer com isso?

À altura, sem contrato e com prazer.

Te dei o que quis e agora, vamos ao que eu quero.

A arma está na sua cabeça.

Abra.

A.

Boca!

Raoni Barone
Enviado por Raoni Barone em 26/11/2017
Código do texto: T6182982
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