O menino chamado Peter
Aquele menino sempre foi esquisito, sentava sempre no canto da sala, mal conversava com os outros e não nos olhava nos olhos. Era motivo suficiente para virar chacota e os alunos mais valentões mexerem com ele. Todos pareciam não gostar dele, eu porém tinha uma opinião diferente; minha mãe sempre dizia para não termos preconceito com ninguém e quando podia, eu era o voluntário da classe para fazer dupla com ele, o Peter.
Quando estávamos brincando no parque do colégio, vi ele sentado num banco afastado, olhando atentamente para frente.
- Você quer brincar?
- Não.
- E por que você sempre fica longe de todo mundo?
- Todo mundo que fica longe de mim. - respondeu Peter.
- Bom, eu não sou todo mundo; tava pensando em te chamar para jogar um vídeo-game com alguns amigos na minha casa.
- É sério? - os olhos do menino iluminaram.
- Sim.
Peter sorriu.
Eram nove horas da noite e nós, viciados e vidrados no monitor do computador. Na mesa ao lado, tinha refrigerante, batatinha frita e pizza. Pedro continuava um pouco timido no nosso meio. João Vitor, Leonardo e eu jogávamos como se não houvesse amanhã. Até que eu insisti que Peter jogasse um pouco também.
- Não, eu...
- Vamos! Venha cá e jogue - falei.
Era um espetacular survival horror ‘Haunted’ em que você escolhia entre dois personagens, a mulher ou o marido, cada um tinha um desfecho diferente. O enredo do jogo contava de uma mulher que tinha sérios problemas mentais por conta dos abusos do marido. Eles tiveram um filho, mas não podiam cuidar do mesmo e revoltada com os maus tratos do marido, a mulher também maltratava a criança. Em seguida, ela matou a criança e o espirito do menino começou a assombrar a casa.
Mas Peter mal olhava para o jogo.
- Você sabia que boa parte desses jogos de terror são baseados em histórias reais? - disse ele pegando o controle remoto.
- Sim e daí? - interrompeu João Vitor.
Na hora que Peter ia comentar, minha mãe bateu na porta para avisar que a mãe dele estava lá em baixo esperando.
Três dias depois, um dos nossos colegas de sala veio nos convidar para o que ele chamou de ‘passeio macabro’. Faríamos grupos e aqueles que entrassem na casa e ficassem lá por meia hora, ganhavam um prêmio. Já tínhamos a nossa turma: Leonardo, João Vitor, Peter e eu, restava topar a aventura.
- Deve ser mais irado que o jogo de terror! - comentou Leo - A diferença é que dessa vez nós somos os personagens.
- Quando eu ganhar...
- Quando nós ganharmos João Vitor - corrigi.
- Pois é, vou exigir que eles se ajoelhem diante de nós!
- Disseram que a casa é assombrada pelo fantasma de uma menininha, mas acho que deve ser só para botar medo.
- Eu acho que não é boa ideia e... - disse Peter.
- Não vai nos deixar na mão, vai? Olha Peter, se você for com a gente todos eles vão te respeitar e iremos te proteger. - respondeu Leo.
- Parece que você está falando com uma menininha medrosa - provocou João Vitor.
- Quem é menininha? - vociferou Peter.
- Calma aí cara; e aí, você vai ou não?
- Sim, eu vou. - Peter pareceu determinado.
A casa era pequena, ladeada por muros baixos, de uma porta simples de madeira ao lado de uma janela de vidro quebrada. Havia mais dois grupos de três meninos cada. Tiramos a sorte no cara e coroa e perdemos, então fomos os primeiros.
Arrombamos a porta com uma porção de chutes, mas ela cedeu com facilidade e demos de cara com uma sala intimidadora: um sofá velho quebrado e rasgado cheio de teia de aranha, uma mesinha com uma TV antiga de antenas e uma cadeira de balanço encostada na parede. João Vitor e Leonardo cruzaram um pequeno corredor onde havia mais três portas, Peter e eu ficamos na sala por causa da moleza nas pernas.
- Que lugar maneiro, velho! - disse João Vitor.
- Em que você acha maneiro? - perguntou Leonardo explorando um dos quartos.
- Ei vocês vão ficar aí? Venham ver isso.
- Eu fui e deixei Peter na sala.
Descobrimos uma cama pequena do tamanho de uma criança no terceiro quarto, provavelmente da menina. De repente sentimos um vento frio entrar pela porta.
- Parece que tem um ventilador aqui - disse Leo.
- É o vento que vem de fora, seu burro - respondeu João.
Decidi explorar os outros dois cômodos: um era a cozinha e o segundo o banheiro. Este último tinha um fedor insuportável, tapei o nariz e entrei para averiguar; havia uma banheira com uma água suja e podre, deveria estar lá há muito tempo. O espelho pendurado na parede estava quebrado pela metade.
No mesmo instante, escutei um ruído estranho, pareciam batidas. Engoli seco, respirei fundo, sai do banheiro e fui em direção ao barulho quando notei que o barulho vinha da cadeira de balanço... batendo contra parede pela mão do Peter.
Ele olhou para mim.
- Faltam 19 minutos! - gritou o menino do grupo lá fora.
Leonardo e João Vitor apareceram pálidos e assustados.
- Tem alguém aqui! Quero sair daqui! - gritou João Vitor.
- Claro que tem! Nós!
- Não estou falando da gente!
- E o que vamos fazer com a aposta? - indagou Leonardo.
- Dane-se a aposta! Quero sair daqui com vida!
- Eles nunca vão nos respeitar! - brigou Leonardo.
- Depois eu resolvo isso!
E eles saíram rapidamente pela porta.
Os meninos do lado de fora começaram a rir dos medrosos.
- Corre! - disse Peter olhando fixamente para mim.
- O que foi? - perguntei. Mas senti que tinha alguém atrás de mim respirando de forma ofegante.
- Corre - Peter parecia tranquilo ao dizer - não olha para trás.
Escutei um berro de choro atrás de mim, minhas pernas tremeram e eu perdi as forças.
- Peter! - estendi a mão desesperado e apaguei.
Acordei na minha cama, no meu quarto sob olhar de minha mãe e de Peter.
- Graças a Deus você está bem! - disse ela - Vou avisar seu pai!
Minha mãe saiu deixando nós dois sozinhos.
- A casa… - sussurrei - foi tudo um pesadelo?
Peter balançou a cabeça dizendo que não.