Perseguida por uma Entidade

Ela tentou dormir no horário mas o sono não chegava. Há dias que seu espírito estava perturbado com brigas entre família e uma delas explodiu pela segunda vez.

Após uma noite mal dormida, ela levantou-se, perambulou pela casa, tomou um copo de leite quente e quis reconciliar o sono. Somente à noite, a casa tomava proporção de silêncio, momento em que todos dormiam e estavam em seus devidos lugares. Mas a moça sentia uma calma que chegava a incomodar, uma calma que precede a tempestade.

Deitou, dormiu e acordou pela terceira vez. Foi vítima de um pesadelo em que via sua irmã dentro de um carro dirigindo a mais de cem quilômetros por hora. Ela era a passageira e gritava dizendo para sua irmã parar de agir feito louca e diminuir a velocidade, mas a resposta veio como uma careta demoníaca exibindo a língua vermelha e bifurcada semelhante a uma serpente.

Não era comum a moça levantar no meio da madrugada e ir até o quarto de seus pais buscar refúgio. Ela sempre enfrentou seus demônios sozinha, mas daquela vez sentiu que suas forças eram insuficientes.

Seu pai ficou surpreso com aquela visita fora de hora.

- O que foi, minha filha?

- Eu tive repetidos pesadelos e não consigo dormir.

O relógio marcava duas e meia da manhã.

- Arme sua rede aqui e durma - respondeu ele com o semblante cansado mas com a voz calma.

Sentindo a proteção invisível do espírito do pai, ela armou a rede, deitou e logo pegou no sono. De repente seu pai acordou também, levantou de mau humor e saiu de casa. Ela acompanhou com os olhos o seu protetor atravessar a rua, a praça e ir em direção ao seu gabinete que ficava dentro da igreja. Mas aquela hora era perigosa demais.

Sua mãe veio e disse:

- Melhor orarmos pelo seu pai; ele está passando por um momento muito difícil! Não está dormindo nem se alimentando direito. Está fechado em sua dor.

As duas se ajoelharam e oraram intercedendo pelo marido e pai. Mas elas não estavam sozinhas. No andar de baixo da casa, havia visitas hospedadas, homens missionários que vieram de muito longe. Um deles avisou que a vida do pai dela estava ameaçada por uma entidade demoníaca chamada Corpo Seco. Ao falarem sobre isso, a moça olhou para a rua da sua casa e distinguiu além da escuridão um ser mais negro, do tamanho de um poste de luz, esquelético, não tinha braços e seus pés eram longos; no rosto duas bolas brilhantes que eram os olhos e mais nada além de um buraco por onde sugava as energias das suas vitimas. Andava de um lado para outro, circundando a casa e sugando aos poucos a energia de seu pai. A visão assustadora, ela fechou os olhos. Quando abriu os olhos novamente, a coisa estava dentro de casa, de frente para ela, bem próximo da rede em que dormia. A moça pulou nos braços da mãe abraçando com força e orava mais intensamente, mas a entidade começou a puxá-la para si sugando suas energias pelo buraco na boca.

- Vai embora! Em nome de Je... Je... - ela não conseguia completar a frase. A voz não saía e o bicho a sugava com mais força atraindo para ele.

- Je... Je - a voz sumiu.

A mãe dela a segurava com força.

- Mãe! Mãe! MÃE!!! - ela quis gritar com o pouco fôlego que teve.

- Filha!!! Filha!!! - seus pais a acordaram.

Sua mãe estava sentada à sua direita, próximo a rede, chacoalhando seu braço para que despertasse do pesadelo. A moça caiu em prantos, tremendo, soluçando incapaz de pronunciar uma palavra.

- Você estava me chamando; o que houve?? - sua mãe quis acalmá-la.

- Eu tive um pesadelo horrível! Tinha uma entidade atrás do meu pai sugando suas forças... querendo acabar com ele...

- Deve ser isso - disse como esposa.

- Mãe, eu nunca tive um sonho assim! - chorou mais - ele era muito magro, cadavérico e horrível, mãe! Ele queria me levar com ele!

Ela abraçava a mãe com força.

Seus pais se aproximaram mais e fizeram uma pequena oração. O relógio marcava três da manhã, a hora do demônio.

Na noite daquele mesmo dia, ela demorou mais ainda para pegar no sono. Quando sua irmã voltou para casa com seus pais após uma briga com o marido. Ele a havia ameaçado de morte. A moça soube nesse momento que a paz terminaria. Seu coração ficou apertado. O caos instalou-se novamente.

O marido veio atrás dela, atravessou a pracinha e começou a gritar na frente da casa do sogro. O relógio marcava três e meia da manhã.

A moça estremeceu com aqueles gritos medonhos mas ousou olhar para a rua: o coração quase saiu pela boca quando viu a mesma entidade passear na sua frente. O homem quis invadir sua casa, derrubar o portão, mas sem sucesso. A casa era uma fortaleza embebida por uma tempestade violenta.

Ela soube que a maneira que a entidade tinha de deixar seu pai fraco era ameaçando a vida da sua irmã, o ponto fraco dele. Mexendo com ela, a entidade encontrava brechas minando a saúde do velho.

O homem estava interligado com a entidade? Os dois eram o mesmo?

A mãe dela teve um solavanco.

- O sonho - lembrou.

Um ano depois, sua irmã estava grávida.

Por dentro, a moça sentiu um pequeno e incomodo frio na barriga com a noticia. Devido algumas dificuldades, sua irmã voltou para casa do pai para ser vigiada de perto pela mãe para garantir uma boa gestação. O marido não veio.

E no quarto de solteiro, com as paredes azuis que remetiam tranquilidade e paz, a moça voltou a ter o mesmo encontro com aquele ser negro, alto e esquelético. Ele saiu do banheiro e seu tamanho pareceu dobrar de volume, querendo sugar suas forças impedindo que chamasse pela sua mãe, seu pai e pelo nome de Jesus.

Ela acordou suando novamente.

Quando soube que o marido da irmã viria novamente, soube o motivo do sonho, um cataclismo.

Mas ao contrário do que se esperava, o marido comporta-se nos dias seguintes, mostrando gentileza e cuidado com a gestante. Porém, numa madrugada fria, a moça acordou por causa da claridade da sala invadindo seu quarto. Seu pai estava sentado no sofá com o semblante preocupado: sua irmã teve complicações na gravidez. E a visita aterradora de outra noite viera buscar o bebe de poucos meses, sugando todo o fôlego de vida.

Antes a moça interligava esse ser ao marido, mas na verdade tratava-se de uma entidade independente, sorrateira e terrível.

Todos se comoveram à entrada do pequeno e delicado caixão branco na grande capela do cemitério. A bebe teria um nome bonito. A família ficou receosa de abrir o caixão para ver a pequena menina mas acabaram cedendo à curiosidade e o coração da irmã da moça quebrou-se em mil pedaços. O pai de ambas evitou ir ao velório e ficou em casa, não podia chorar por causa de uma recente operação no olho. Escondido por trás de um óculos escuro, o pai estava com o rosto vermelho, sofrendo em silêncio.

O clima pesado da casa havia tomado uma proporção sem excedentes naquele fatídico mês de abril.

Um ano depois do período de luto, a moça estava casada. No conforto de sua casa, no regaço da tranquilidade do lar, sem precisar se preocupar com a irmã ou com o marido dela. Sua casa era pequena mas suficiente.

Geralmente ela dormia mais cedo que o marido. Até que depois daquela noite, um sábado como outro qualquer, ela passou a demorar a dormir. Ou esperava o marido vir para cama ou cederia à exaustão da espera.

- O que houve? Por que você está assim? - perguntou ele.

- Não quero dormir. Não quero mais lembrar daquele ser.

Nefer Khemet
Enviado por Nefer Khemet em 01/09/2019
Reeditado em 23/02/2021
Código do texto: T6734260
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.