O DIA EM QUE O DIABO CORREU ATRÁS DE NÓS

Ali onde hoje existe o cemitério da Vila Alpina e o Jardim Avelino, Zona Leste de São Paulo, até o começo dos anos 70 era tudo mato. Parecia uma fazenda. Tinha até criação de vacas, porcos, galinhas e cabritos, tudo soltos pelo meio do descampado. Em época de festas juninas o que caia de balão ali era brincadeira. E em uma certa noite estava eu e o Corujão, na época com nossos 14 ou 15 anos, de bituca olhando para o céu a espera de um balão caindo para corrermos atrás quando o Corujão apontou para o céu e gritou:

----- Olha um ali apagadão!

Realmente era um daqueles bitelão que vinha caindo totalmente apagado em direção ao morrão. Dava pra ver só o vulto do danado. Saímos desembalado pelo meio do mato sem tirar o zóio do céu pra não perder o bicho no meio da escuridão. Já estávamos quase chegando em um ponto que conhecíamos como bica, que era um tipo de uma abertura por onde passava o cano da Caixa D'agua, formando um reservatório que, nos dias de calor, o pessoal entrava pra tomar banho. Pois bem, foi exatamente neste ponto que tudo aconteceu. O Corujão que vinha à minha frente parou de repente, o que me fez instintivamente parar também. Ele apontou pra um ponto no meio do mato e perguntou:

---- o que é aquilo ali?

A escuridão era tão grande que quase não se via nada. Firmei bem a vista e tive a impressão de ver uma pessoa montado em um cavalo.

---- Tá parecendo um cavalo! Respondi.

De repente escutamos um grito

----Aqui é o Diabo! Eu vim buscar vocês seus filhos de quenga!

O susto e o medo foi tão grande que ficamos paralisados sem saber o que fazer. De repente aquela coisa desimbestou pra cima de nós.

---- Corre!!! - Gritei para o Corujão.

Não precisou nem falar duas vezes. Saímos desenfreado pelo meio do mato arrastando tudo que tinha pela frente. Quanto mais a gente corria, mais o cara gritava:

---- Não adianta correr, hoje eu vou levar vocês pro inferno.

Aquele coisa foi chegando cada vez mais perto que já dava até pra sentir o refugar do cavalo em nossas cabeças. Nessa hora tanto eu como o Corujão, já tudo mijado, a única coisa que fazíamos era chorar e gritar por nossas mães.

Pra nosso alívio fomos chegando próximo as casas e vimos um pessoal parado em frente ao portão do seu Nézio. Começamos a gritar por socorro e eles correram em nossa direção. Era o seu Nésio, o Celião, e o Belmiro. Caímos perto deles já sem folego e com o coração saindo pela boca. Foi ai que vimos o Diabo parado a nossa frente, montado em seu cavalo e se mijando de tanto rir. Na verdade aquela alma penada era apenas o Peteca, um rapaz que morava na Rua dos Junquilhos e que trabalhava pro seu Pedro Barrigudo, vendendo sorvetes em uma carroça adaptada com um frizer. Ele havia ido buscar o cavalo no meio do pasto quando nos encontrou pelo caminho e resolveu nos dar um susto. O desgraçado quase matou a gente do coração. O Belmiro, com seus quase dois metros de altura, olhava pra nós, tudo mijado, e dizia enquanto dava risada:

---- Vocês são dois moleques bunda mole! Pelo amor de Deus! Parece que nunca viram um cavalo.

Eu e o Corujão, já restabelecidos do susto, não sabiamos se chorávamos ou se ríamos daquela brincadeira sem graça do peteca que, apesar de já terem se passado mais de 50 anos, continua viva em minha memória como se tivesse acontecido ontem.