O VENDEDOR DE PICOLÉS

“Gostoso! Saboroso! Delicioso! Cinco picolés por apenas Um Real...” Estas palavras agudas e finas saídas dum alto-falante antigo sempre vinham acompanhadas duma música irritante. Como aquelas dos filmes quando aparece um circo. O carro passava em ponto morto, devagar, esperando pela molecada que como se hipnotizados por aqueles sons atacavam nossas moedinhas e voltavam para dentro de casa ostentando sua aquisição. Era sempre assim, bastava o sol começar a esquentar mais os dias, e a cena repetia-se rotineiramente, de segunda a segunda...

Tudo aquilo me deixava nervosa. Não gostava daquela voz. Daquela música, que deixava no ar um clima de suspense. A Vila era grande, e assim demorava para que o sons se perdessem de meus ouvidos. Ás vezes de tarde, ás vezes pela manhã. Um verão após outro, sempre vinha ele cativando nossos meninos e meninas em volta daquele carro e seus picolés. Até mesmo meu pequeno Joãozinho não resistia, por mais que eu o reprimisse.

Então numa quarta-feira, quando ouvi aquela música zanzando de novo pela vila uma idéia estalou em minha mente. Confesso que o sentimento da dúvida fez-me recuar e avançar várias vezes. Quando percebi que o som estava próximo, na minha rua, catei uma nota de Um Real, e fui para frente de casa. Era de tarde, Joãozinho estava na escola, e lhe faria uma grande surpresa, quando chegasse estaria esperando por ele cinco picolés.

– Boa tarde! Moço pode me ver um pacotinho de picolés.

– Pois não minha senhora. A senhora vai querer qual? Os de uva? Laranja? Abacaxi? Ou quer o pacotinho sortido?

– Pode ser o sortido, mesmo.

– É Um Real (Como se fosse necessário ele me dizer. Não bastava o anúncio no alto-falante). Está aqui. Muito Obrigado.

O Moço até pareceu simpático. Mas minha opinião estava formada. Antes que manobrasse o carro, puxei assunto.

– Que calor, né moço?

– É verdade.

– O moço deve vender bastante em dias como hoje?

– Dá pro gasto. Enquanto a conversa se estendia o resultado não podia ser outro. Logo a gurizada da rua fazia a volta no carro com suas notinhas ou moedas, atraídas pela música que não cessara em nenhum instante. Nesta hora resolvi mostrar minha cordialidade. – O moço quer um copo de água gelada?

– Se a senhora puder fazer esta gentileza. O calor ta danado mesmo.

Virei ás costas e fui dentro de casa pegar o copo com a água. Ele entornou num gole só. Estava como muita sede. – Muito Obrigado. A senhora é muito gentil. Que Deus lhe pague. Naquela hora um soluço subiu-me a garganta, mas estava feito e não podia fazer mais nada por ele.

As vendas ali terminaram, e ele manobrou o carro para ir para outra rua. Fiquei escorada na grade olhando o carro partir lentamente pela rua empoeirada da minha rua. Muitos piás seguiam o carro, até entrarem em suas casas. A rua era longa rodeada de casinhas simples, e lá ao fim dela quando o carro era apenas um ponto vi-o ziguezaguear de um lado ao outro e parar de encontro a um muro. O Alto-falante engasgou repetindo aleatoriamente as palavras e a música, e logo um multidão estava em volta.

O veneno de rato funcionara rápido. Havia posto a dose máxima. Foi á última vez que ouvi aquele anúncio. Sinto-me mais tranqüila, embora na semana passada um ônibus com rapadura apareceu pela Vila. Espero que ele não volte. Mas se for o caso...

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 15/10/2007
Código do texto: T694745
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