SINCRONICIDADE - O SIGNO DO MUNDO (3)

Depois daquele acontecimento passaram-se alguns dias até que o assunto morresse. Apenas o Ariel se manteve pensativo a respeito daquela cena, sobretudo o que mais o intrigava foram as coincidências. Tanta semelhança entre aquela morte com a do personagem que criara que realmente ficou difícil de tratar a situação como um evento aleatório desconectado de sua própria vida. Ele tinha cogitado testar a sincronicidade, mas aquela palavra parecia se acomodar mais ao universo científico do que o universo que ele pertencia, o qual era carregado de crendices.

“-Como será que essas coisas se dá, hein mano?” Ele se perguntou algumas vezes.

Nenhuma novidade a respeito da causa do assassinato surgiu nos dias que se sucederam, não houve sequer a missa de sétimo dia. A situação familiar do falecido era tão abalada pelos seus desajustes em vida que a primeira medida tomada pela sua ex-mulher, após o sepultamento, foi mudar para outro bairro com os filhos dela. As crianças foram concebidas em um outro casamento mal sucedido, encerrado do mesmo modo trágico, a diferença era que o primeiro marido tinha sido morto em uma briga de bar por motivos tolos. Todos sabiam a causa da morte do primeiro enquanto no caso do Marcão os motivos ainda estavam ocultos.

Ariel não havia contado sobre aquela experiência para ninguém até que um dia ele despretensiosamente comentou com a sua mãe enquanto ambos cuidavam de uma planta no quintal dos fundos da casa.

“- Ah meu filho! Essas coisas repetem mesmo.” Ele até estranhou a resposta dela porque se fosse em outra ocasião ela diria logo para ele deixar para lá, que estava ficando doido, diria para parar de viajar na maionese e por fim chamaria tudo o que ele disse de bobagem e sairia acelerando os passos e agitando as mãos para acabar com a conversa. Mas a sua mãe ao se expressar naqueles termos deu a ele um pingo de razoabilidade ao acontecimento e essa atitude o surpreendeu.

“- Como assim mãe?! As coisas não acontecem assim! Se for isso mesmo então vou começar a escrever que vou ficar rico, cheio da grana pra isso acontecer.”

Então ela esticou os cantos da boca com a cabeça abaixada, com sorriso silencioso e continuou revirando a terra do vaso de plantas; ela procurava algo entre as folhas.

“ – Oh meu filho, não foi isso que disse não.” Continuou a senhora balançando a cabeça em desaprovação.

“ - Essas coisas acontecem o tempo todo. O tempo todinho! Olha que coisa linda! Achei!”

A planta abundava em folhas no vaso de orquídeas de tamanho mediano, haviam mais folhas do que flores. Ariel esperou por alguns minutos sem entender o que a mãe estava executando e o que ela procurava, até que em um dado momento enquanto trocavam a planta para um vaso maior, a mãe continuou:

“-Meu filho você contou que o que você escreveu aconteceu de verdade, mas a verdade mesmo é que as histórias que inventam na novela, de livro, de filme. Seja lá que diabo for! Nada disso é mais forte do que a história de uma pessoa de verdade. A vida real é muito mais pior do que essas história de mentira.”

“- Mas mãe, a história que criei virou verdade. Não é mentira é quase uma história real !”

“- Oh moleque! Mentira é modo de dizer. Se a pessoa que você escreveu não era uma pessoa de verdade antes do que aconteceu então até antes de acontecer tudo a pessoa era uma mentira. Era uma coisa que você inventou, se você inventou era mentira. Mentira é modo de dizer.”

Na verdade ele entendeu bem o que a mãe pretendia comunicar a ele, só a contrariou por graça. Ariel gostava de vê-la se expressar com astúcia e com o seu vocabulário simples.

“- Pra resumir: qual a cor da pessoa que você escreveu?”

“- Do meu personagem?” Ela confirmou com o aceno da cabeça “ – O personagem era preto, imaginei ele com uma cor amarronzada. Mas o Marcão era pardo mãe!”

“- Preto e pardo não tem diferença nenhuma de tratamento. Muda pouca coisa os tratamento que recebe e que as pessoa dá. Nesse país não tem diferença não meu filho.”

E mais uma vez a velhinha tinha razão. Ele pensou e talvez tenha dito entre os dentes:

“-Olha que velha ligeira!” Então encolheu os ombros e estatelou os olhos por causa do raio de lucidez que o atingiu.

“- Melhor troca o vaso de lugar. Me ajuda aqui. Quero ver esses brotinho nascer. Ajeita mais pra cá.”

Para Ariel as coincidências que antes eram um déjà vu e depois se tornaram sincronicidade, se revelou por fim uma questão mais simples e comum. Se tratava meramente de uma fatalidade social. Sua mãe começou a lhe contar sobre outras histórias que se repetiam na mídia, depois ela passou a recapitular os casos semelhantes que ocorreram na família com tios, primos, amigos e por fim ela mencionou o caso do seu falecido marido. Nesse ponto ela não detalhou o caso, por ser uma questão delicada para ambos, ela foi mais sucinta:

“- Seu pai também foi assim.”

“- Mas o meu pai era pedreiro, trabalhador ...”

“- Pois é. Não fazia mal pra ninguém, só judiava dele mesmo quando tomava umas a mais. Era honesto. Bebia sem tomar nada de ninguém e não deixava falta a comida na mesa.”