ENTRE POE E DOILE

ENTRE POE E DOILE

Creio que hoje "bati meu recorde"... um livreto inteiro nascido num sonho, "obra" de nada menos que Edgar Allan Poe, de quem -- nesse delírio onírico -- eu era mordomo, de casaca e luvas brancas, como manda o figurino. Mas, vamos ao sonho:

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Eu ainda sorria, quase gargalhava, quando abri a imensa porta da mansão para receber um convidado de meu patrão, o já famoso escritor Allan Poe, Por estranhar minha atitude, vi-me obrigado a desculpar-me com a ilustre visita, o motivo era o mais recente escrito que meu patrão Poe me exibira, um conto bem ao seu estilo, já em formato tipográfico e não manuscrito. Puz nas mãos do visitante o silencioso culpado por minha intempérie.

As cenas se passam em mansão semelhante, enorme, construção vitoriana, de janelões e colossal porta com aldrava, argola de ferro à guisa de campainha. O convidado poz-se a ler o opúsculo:

"John Youngpoor andava apreensivo, a testa franzida apagara do rosto o ar juvenil. Seu patrão notara a mudança, o mordomo não era mais o mesmo, divertido e satírico, de ácido humor.

-- "Caro John, andas diferente... o que há" ?!

-- "Oh, senhor, não sei se devo dizer..." !

-- "Então, não o diga" !, retruca o patrão, devolvendo feliz parte da forma marota com a qual o jovem lhe responde, por vezes em tom de chacota.

-- "Tenho irmã no campo, Milord, e ela quer vir para Londres... não vejo outro lugar senão aqui, em vossa Casa, caso o patrão não seja "tão pobre" que não possa hospedá-la" !, retruca, bem ao seu estilo.

"TOUCHEZ"... o nobre estava "in snooker", "em sinuca", percebendo nos olhos do mordomo o sorriso de desafio que a boca em linha esforçava-se em esconder.

-- "Não seja por isso... pode trazê-la, se fôr boa serviçal, quem sabe eu não "economize" um mordomo atrevido" ?!, devolve o sarcasmo no mesmo tom.

O jovem optou por ignorar a ameaça presente na resposta, estava feliz demais com a promessa de ter a mana a seu lado. Lord Richard BeauRich pensou que mais alguém na casa equilibraria as forças e mudaria as conversas, além do fato de que era muito trabalho para uma pessoa só: cuidar dos jardins, da cozinha, dos quartos, da casa inteira. Johnny, de bom empregado, transformou-se no melhor, não havia igual no reino, nada parecido no Continente. Trabalhava cantando e seu labor rendia... na tarde anterior recebera carta da irmã, chegava hoje em algum momento daquela manhã nevoenta.

O jovem limpava castiçal milenar, meio metro de pedestal cheio de reentrâncias e saliências, prata de lei portando círio amarelo, de cera, a parafina ainda não havia sido criada. De costas para o nobre, esmerava-se na limpeza com óleo próprio para metais, mas atento às palavras do patrão e, mais ainda, à qualquer ruído vindo da porta magnífica.

-- "Meu caro Johnny, nunca o vi tão feliz, por acaso viu passarinho verde" ?!

-- "Melhor que isso, Milord, minha irmã não demora e eu a prezo demais" !

Mal acabou de falar e a aldrava fez estremecer a madeira de lei do portal. Largou sem nenhum cuidado o castiçal e, virando-se qual Pelé no milésimo gol, deu um soco no ar, com um berro e um salto... o murro foi atingir o ancião no peito, exatamente entre as costelas -- que o olhou estarrecido -- os cabelos brancos eriçados de espanto. Caiu duro, reto como pinheiro abatido ou codorna de tiro ao alvo, "mortinho da silva", diria um brasileiro insensível !

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Era disso que eu ria quando fiz adentrar na mansão de Mr Poe seu amigo escritor Arthur Conan Doile !

"NATO" AZEVEDO (em 18/dez. 2021, 5,30hs)