O Poço

Já era quase meia-noite quando chegamos à Fronteira. Seria a última vez juntos. A turma toda tinha medo, mas eu, na maioridade dos 13 anos - o mais velho do grupo, não podia sentir - sim, depois é a Bia com 12, quase me alcançando - como ela dizia - e por último o Macedo com 10. Um bando de três.Ouvimos histórias, daquelas que se conta como causo, quem passa para o outro lado não volta. O antigo poço permanece intacto, mesmo com o limo e a umidade. Uns dizem que é a água, outros que é o balde. Pessoas que sumiram, sem notícia nenhuma. E nós ali, curiosos e amedrontados, menos eu, numa noite sem lua e com ventos que não sopram, esperávamos a meia-noite.

Ainda hoje vejo a turma. Faz tempo, eu acho. Eles parecem mais velhos que eu. A Bia é a que mais aparenta a idade que tem, mesmo que eu não saiba qual é. Sei que ela tem aparecido na Fronteira, à noite, no momento que os ponteiro se unem em direção ao céu.Eu vejo daqui. Vem sempre sozinha. O que será que ainda espera? O Macedo? Não, ele aparece menos, também sozinho. O que deu neles, éramos tão unidos. Agora, nem tocam no balde, por medo e porque naquela noite alguém usou o poço. Só que não para tirar água.

E a meia-noite enfim chegou, depois de tanto a gente esperar. Fui o primeiro - e o único da turma – que veio para cá. Queria que todos vissem que era tudo boato, histórias para amedrontar as pessoas, assim não usariam o poço. Agarrado na corda e dentro do balde fui descendo apenas com o peso do corpo, lento, e eles ali, calados e imóveis apenas me olhavam, e o ranger da madeira, cortando a noite como um grito, foi o que ouvi até o fundo, um fundo que demorou pra chegar. E o breu, invisível e presente. Aqui embaixo o fator tempo inexiste. Água também não.

Só gostaria de ver outra vez aquelas coisas da minha infância. Coisas que quase não lembro, coisas deixadas lá em cima, perdidas entre eles e eu.Nunca consegui saber ao certo o que isso tudo quer dizer. Queria minha vida de volta. Se eu ainda tiver uma. Quando olho pro alto, a saída parece tão perto, sinto como se fosse conseguir escapar e por mais que eu escale é impossível chegar ao topo. É como se eu caminhasse no mesmo lugar. Mesmo que eu grite nunca sou ouvido. E o balde lá em cima, balançando com o vento, pra lá e pra cá, como um pêndulo de relógio. Algumas vezes ele desce, lento, o ranger da madeira como um grito cortando a noite, e quando chaga aqui embaixo já está vazio e nunca consigo subir de volta nele.

Por quê?

Rodrigo Barcellos
Enviado por Rodrigo Barcellos em 15/02/2022
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