Imersão

Magnus Langbecker

- Não vai! Não tem coragem!

- Olha que o bicho tá lá!

Havia luz, mas, já estava na esquina. Se hesitasse um segundo não seguiria em frente. Virou e foi sendo engolido. A escuridão, toda em golpe, de início não o deixa ver nada. Nem a si mesmo e seu corpo. Suas mãos.

Respira ofegante. Os tijolos escorregadios pelo limo são o menor dos problemas. Nas frestas da escuridão as formações de cerca viva de onde parecem brotar tentáculos ligeiros e incertos. O grande pé de camélia com seus galhos projetados sobre a esquina surge como uma porteira dos primeiros infernos.

Uma forma marrom balança ao vento como braços frouxos prontos para um derradeiro afago.

Avançando se percebe apenas plástico sujo preso na vegetação. Tropeça num tijolo solto e volta alguns instantes a percepção sobre a necessidade de cuidados com seus passos.

Enfrenta outra esquina e está no auge da escuridão. Pouco se vê. Na verdade busca não ver. O menos possível de visão significa o átimo de coragem para avançar. O caminho se adivinha nos tijolos encravados de limo assentados no entorno da casa.

Barulho. Algo sai de entre as sebes. Uma forma escura que rosna. Muito alto para um cachorro.

Grita a plenos pulmões e as pernas estremecem.

A música de festa junina abafa qualquer ruído para quem está lá por frente.

O calor da urina se espalha pelas suas pernas.

Outro rugido e se precipita para frente com todo gás ainda possível as pernas bambas.

Alguma forma o persegue e faz mais uma esquina da antiga habitação, a todo vapor possível, machucando seu braço numa batida violenta contra uma ripa solta das mata-juntas daquelas velhas paredes de pinho.

Vê as luzes de novo. Salta para frente e para a liberdade.

Novo tropeço e se esborracha já em trecho de gramado.

Sai novamente ao largo da varanda e nas extensões onde ocorre a festa junina.

A luz dos lampiões e da grande fogueira o cegam e deslumbram um alívio de quase renascimento. A grande placa “Bem vindo a quermesse da família Silva – Lajeado Pessegueiro”.

Nem olha para trás.

A tranquilidade chega e junto apenas o receio que notem seu xixi. Pega rapidamente um copo de quentão e derruba providencialmente sobre as calças.

- Olha aí o Vadim.

- Vem cá desastrado. Você conseguiu vencer teu medo. Deu a volta na casa passando pela escuridão.

- Viu que não tem nada?

- Ou encontrou algum espírito antigo? Um lobisomem quem sabe? A noiva do enforcado?

- Há vá!

Enquanto citam outros casos de espectros famosos por toda Santa Rosa nem pensa em comentar sobre o que viu. Ou pensa ter visto. Ouvido? Lembra agora de estranhos e brilhantes olhos amarelos.

A luz do dia há de abater todos os monstros.

De resto apenas esquecer.

Olhando a escuridão já sob um banho de luminosa proteção pensa se realmente viu algo. Nada se manifestou aos demais . Ninguém está amedrontado.

A luz acaba com todos os demônios. Não há realmente nada a temer.

Fez bonito com a galega.

Mas por nada que repita essa aventura.

- Me vê mais um quentão.

Quer ficar bem alegre. Quentão e festas juninas são as poucas oportunidades que até as crianças podem consumir bebida de álcool.

Embora aproveitar.

Álcool elimina qualquer espírito ruim, não é mesmo?

Tomara crescesse logo. Adultos bebem de tudo e nada temem.