O Abridor de Cartas... e um Marcador de Livros

Dois objetos dividiam o mesmo espaço - um porta-lápis, que havia ganhado de alguém de quem não lembrava. Um deles, um abridor de cartas, uma bela peça em madeira nobre entalhada em formato de punhal indígena, agora usado para abrir os diversos envelopes contendo correspondências relativas à sua profissão, e um marcador de páginas, outra linda peça, em metal dourado e com uma colorida borboleta em sua haste curvada - servindo também como um charmoso objeto de adorno . Ambos conviviam em harmonia em meio a lápis e canetas sobre a mesa de trabalho, desde que os levou de casa para o novo emprego. O que ela não sabia é que, um dia, tais objetos poderiam ser usados para salvar a sua vida de uma terrível ameaça.

Danuza, uma jovem de longos cabelos pretos e uma natural elegância, era novata e havia precisado trabalhar até mais tarde, certa vez, quando ouviu barulhos estranhos na sala ao lado. Mas, certamente, era o vigia fazendo a ronda, ela pensou tranquila, enquanto se concentrava nos últimos relatórios que urgia finalizar. Porém preocupou-se ao olhar para a tela do circuito de TV e notar que Sr. Rogério, o vigia noturno, estava a postos em sua saleta, próxima à portaria, observando os movimentos nos andares da empresa onde trabalhava, através das mesmas imagens capturadas pelas câmeras que ela via na sua tela. Os barulhos continuavam e ela não conseguia imaginar quem os estaria provocando, pois lembrou-se que Sérgio, seu colega do lado, havia se despedido logo ao final do expediente e deixado o local de trabalho imediatamente. Dan ficou mais apreensiva então. Tentou interfonar para o vigia, a linha estava muda, o que não era comum, e, instintivamente, levantou-se e trancou a sua porta. Voltou a olhar para a tela do circuito e percebeu desta vez que a cabeça do vigilante pendia para o lado e que ele se achava imóvel. Levando a mão à boca para conter o grito ocasionado pelo susto, ela percorreu a sala com o olhar em busca de algum lugar onde pudesse se abrigar do iminente perigo. “A mesa”! -  pensou num estalo, e, depois de apagar as luzes, escondeu-se sob esta.

Os ruídos mais perceptíveis levaram Danuza a reconhecer o som de passos em direção à sua sala. Com a respiração suspensa, ergueu o corpo com cuidado, tateou a mesa em busca de algo para se proteger em caso de ataque e alcançou o porta-lápis. “Claro! O abridor de cartas”! – ela teve uma iluminação. Na euforia por ter encontrado com o que se defender, deixou o estojo cair espalhando o seu conteúdo, o que causou um pequeno barulho fazendo-a recolher-se de volta debaixo da mesa. Os passos cessaram por alguns segundos e imediatamente ela ouviu o ruído da maçaneta sendo forçada. Com o coração batendo acelerado, ela se sentia desfalecer, e com o abridor de cartas entre as mãos cruzadas, rezava por sua segurança.

Aos ruídos foram acrescentadas algumas vozes, mas o pavor não a permitia compreender o que diziam. Então, finalmente, os passos estavam dentro da sua sala. As luzes são acesas, gabinetes e cadeiras arrastados, enquanto, tentando serem silenciosos, uma risadinha escapava entre um cochicho e outro dos invasores. E eles chegam até a mesa onde a jovem estava escondida. Retiram o que podem do que está sobre ela e colocam uma grande caixa no centro. Danuza nem respira por medo de ser encontrada. Porém é traída pelos longos cabelos, que desalinhados, cobrem o seu nariz e a fazem espirrar. Silêncio!

Todos se entreolham temendo-se descobertos, e emudecem. Mas já não há mais volta. Agora é preciso terminar o que vieram fazer.

Sérgio é o primeiro a se manifestar: “Saia de onde estiver, Dan”! – Ele fala num tom grave e ameaçador.

Rendida, não há uma alternativa para ela, que, devagar, vai saindo engatinhando de sob a mesa, ainda segurando o seu instrumento de defesa – o abridor de cartas em formato de punhal.

É quando se escuta um: "surpresaaaa!", seguido de várias gargalhadas. A jovem, atônita, quase desmaia ao reconhecer os colegas de trabalho. Era uma comemoração pela promoção que havia recebido, programada para a manhã seguinte, e que eles decidiram já deixar preparada desde a noite, mas não sabiam que ela estaria em hora extra no expediente.

Com a sua peculiar elegância, Danuza ri e agradece, recompõe-se e usa o abridor de cartas como um palito prendedor de cabelos, enrolando-os num gracioso coque, e o marcador de livros como um charmoso mexedor de gelo para o drink que lhe haviam preparado, enquanto justifica que o porta-lápis caíra ao esbarrar na mesa após apagar as luzes e que estava ali embaixo recolhendo tudo. Mas isso já não importava.
Agora era festa!
 
O Sr. Rogério? Ah! O vigia, estava apenas dormindo mesmo...
*



 


Foto/Criação: Marise Castro

 
Marise Castro
Enviado por Marise Castro em 22/09/2023
Código do texto: T7892014
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