O DESAPARECIDO

A gaiola e a pá eram os mais pesados instrumentos da jornada. Ferro e madeira. E para piorar eu os tinha que carregar. Também quem mandou não aprender a atirar, pois os outros três carregavam as armas. Uma calibre vinte e oito, e outras duas, calibre vinte e quatro. Ambas carregadas de “baletão”, caso alguma lebre nos atravessasse o caminho. No entanto o foco da caçada era a busca por tatu. Animal de hábito, se esconder em tocas profundas e embrenhadas no brejo, ou nas pedras. Por isto a gaiola, e a pá. Numa das pontas da toca, ia á primeira, para caso de uma fuga, enquanto da outra extremidade a pá cavava até encontrar o animal, ou quando dos azarados alguma cobra que se apoderara da toca.

Caminhávamos por mais de hora e meia. Coisa pouca para uma caçada de tatu. Não havíamos encontrado nenhuma pista, e os cachorros não sei por que, sumiram há mais de meia hora. Então pedi aos demais para darmos uma parada. Tinha uma laranjeira em meio ao mato de eucalipto. Com a faca descasquei algumas frutas para suprir o calor e a sede daquela noite. Foi ao redor da laranjeira que algo estranho chamou minha atenção. – Tem Algum barulho no mato. Falei. – Deixe de bobagem, não estou ouvindo nada. Disse um dos outros. – Eu também não. Retorquiu outro. E o terceiro veio na mesma toada. – Não tem barulho algum. Tu estas ouvindo coisas demais. Está com medo, isso sim. – Medo do quê? Vocês é que estão surdos. Será que não conseguem ouvir isto?

O barulho a que me referia sem dúvidas era sutil, porém impossível de não ser ouvido. Cheguei a duvidar a total ignorância deles, já que a cada minuto os sons das patas sobre as folhas secas se tornava mais perceptível. Soava como um salgadinho crocante sendo esmigalhado. O som que ouvia se tornava ainda mais estranho ao perceber que nele havia uma rotina, como se fosse o que estivesse embrenhado na mata, andasse em círculo, em sentido horário, ao nosso redor. – Vamos sair logo desse lugar. Disse. Os outros me seguiram na idéia, embora continuassem a pensar que eu estava a ouvir coisas. Demos de mão em nossos apetrechos e partimos nos embrenhando ainda mais no meio do mato.

A lua era minguante, e não havia praticamente uma nesga de luminosidade no meio dos eucaliptos. A caminhada só era possível graças ás duas lanternas que nos abriam caminho entre galhos secos. – Acho que ele está certo. Também estou ouvindo o barulho. Surpreendeu um deles, ao adentrarmos no mato. – Tem razão também estou ouvindo. – Eu também ouvi, tem alguma coisa nos seguindo. Falou o terceiro. Naquela hora os quatro estavam cientes que alguma coisa estranha acontecia. – Talvez seja o Guará. Teorizou um. – Não pode ser. Não tem lobos nesta região. Retrucou outro. Não podíamos ter certeza quanto qual coisa nos seguia, porém era certo que a cada minuto suas patas pareciam fechar o círculo ao nosso redor, pois a cada instante as folhas pisadas estavam mais perto. Então a tensão se abateu sobre o grupo, que estava acuado e vigiado por alguma coisa em meio ao mato. Enquanto um dos que carregava a lanterna apontava para o caminho a seguir, o outro procurava fazer um círculo ao nosso redor, buscando pela coisa que nos seguia. – Temos que ir para a estrada. Disse. Essa estrada era um lugar mais limpo, por donde os caminhões tiravam a lenha. Apressamos o passo. Fomos seguidos, e o que nos seguia também apertou seu caminhar, que no início era sutil agora se tornava agudo e forte como os de um terneiro crescido.

Chegamos finalmente á estrada, que estava mais clara, por não ser mato fechado. Porém não tivemos tempo para descansar, pois mal havíamos botado os pés no lugar onde pensávamos estar seguros, um barulho igual a estouro de boiada nos invadiu os ouvidos. Eu particularmente ouvi um bufar passando perto do meu pescoço e o tropel balançar da terra. Então os gatilhos das aramas foram acionados, e os clarões dos disparos ao ermo clareou a mata. Cada um atirou para o lado que lhe convinha, e por um triz uma bala não me acertou a cabeça.

Quando a fumaça e o cheiro da pólvora baixaram, abri os olhos. Sim eu os havia fechado em meio ao tiroteio, e nada vi. Depois dos tiros nada mais foi ouvido, a não ser o cantarolar de sapos e grilos, rompendo o silêncio da noite.Nem tropel, nem folhas pisadas ou bufar. Não havia mais nada, só o silêncio, absoluto e irritante. – Está tudo bem com vocês? Perguntou um. – Eu estou bem. Respondi. – Eu também. Disse outro. Porém a quarta resposta não veio. Agachado, tateei o chão para encontrar a lanterna. Liguei-a para iluminar o ambiente e procurar nosso outro companheiro. Vi apenas sua espingarda solitária, caída no chão. Gritamos por seu nome a noite inteira, fizemos busca em toda a mata. No dia seguinte as buscas tiveram mais gente, toda a comunidade procurava por ele. Na terceira semana de buscas em vão, a polícia abandonou a procura.

Até hoje não encontraram seu corpo. Eu jamais participei duma caçada desde aquela noite, e vez pó outra sinto um arrepio nos cabelos do pescoço, ao lembrar do tropel e do bufar que me tiraram um fininho.Agradeço por não ter sido eu o desaparecido.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 26/12/2007
Código do texto: T792493
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