DESEJOS MORTAIS - Capítulo 5

 

 

     No hospital, após muitos exames darem negativo, Alvina foi diagnosticada com grande excitação emocional, talvez causado pela comoção da surpresa de se ver transformada na anfitriã da festa, da qual se julgava convidada. Os médicos chegaram a esta conclusão baseados no relato do marido sobre o que ocorrera nos momentos que antecederam o seu mal súbito. Mantiveram-na internada sob efeito de tranquilizantes, apenas para fins de observação e lhe aplicaram soro na veia. Quando ela acordou, a primeira imagem que viu foi a de Galdino sentado ao lado da cama e se assustou ao lembrar de tudo que havia acontecido no clube e começou a se debater e a gritar. Galdino a abraçou e tentou acalmá-la, conversando baixinho com ela:

     — Calma, querida, sou eu, Galdino! Fique tranquila, você logo irá para casa. Tente não ficar agitada, você tem uma agulha enfiada na veia. – aos poucos ela foi se acalmando e começou a chorar copiosamente. – Por que chora?

      Alvina segurou as mãos do marido como se procurasse algo e só depois de verificar que ele não carregava mais a moeda da desonra, foi que relaxou e balbuciou frases de pura recriminação.

     — Estou envergonhada, Galdino. O que toda aquela gente está pensando de mim? Que humilhação, meu Deus!

     — Ora, Alvina, o que irão pensar, querida? Você passou mal, isso acontece com qualquer um, até com o Rei da Inglaterra.

     — Mas o rei sempre é perdoado e ninguém se atreve a falar dele.

     — Verdade, mas de pensar, ninguém pode impedir, nem mesmo o rei, concorda? Então, que falem, ou que pensem, não temos que nos importar com isso. Aconteceu e pronto! Mas de qualquer forma, mesmo com a nossa ausência a festa foi um sucesso! Penso mesmo que o seu temor não tem fundamento e com certeza eles nunca participaram de uma ceia como a nossa. Vai entrar para história de Miraí.

     — Como sabe de tudo isso?

     — Pelo seu irmão. Quando terminou a festa, ele veio aqui saber notícias suas e me contou como todos ficaram preocupados com você e, como sempre, não faltou quem levantasse suspeitas de uma possível gravidez. Veja só! – Sorriu e acariciou o rosto da mulher.

     Estaria feliz se fosse uma gravidez ao invés daquele som maldito, que não sai da minha cabeça e que ainda está me martirizando. – pensou Alvina com o semblante muito abatido.

     Em casa, Alvina vinha se sentindo bem, mas, de quando em quando, era surpreendida com o som do tilintar daquela moeda maldita ecoando em sua mente e se desesperava. Sentia uma pressão enorme em seu cérebro, seguido de uma dor muito forte e bem específica, uma fisgada que iniciava na altura da fronte e percorria todo o seu lado esquerdo da cabeça, reduzindo de intensidade à medida que se aproximava da nuca, pausava alguns segundos e retomava o ciclo, era como se algum instrumento muito fino estivesse sendo introduzido ali, retirado e reintroduzido seguidamente. Tinha de se deitar e chamar Marinalva para lhe dar o remédio para dor.

     — Marinalva, você ouviu o som de um metal repicando em algum material de porcelana? Talvez um prato, ou tigela, não sei bem.

     — Não, senhora, não ouvi nada. Foi agora?

     — Tudo bem, deixa para lá. Foi a minha imaginação. Por favor, traga o meu comprimido para dor de cabeça e um copo de água. Mas não demore.

     — Sim, senhora. – respondeu com um sorriso cínico.

     Seu inferno começou, madame. Ah, nada me dá mais prazer do que punir uma mulher vadia. Hum! A justiça está sendo feita, minha senhora. – e caminhou lentamente, sem nenhuma pressa em atenuar a dor da patroa e sorria maldosamente.

     Após o efeito do medicamento, Alvina dormiu a tarde toda e acordou à noitinha com boa disposição e se levantou para aguardar a chegada do marido. Não teve de esperar muito, logo o viu abrir a porta e entrar com um sorriso alegre, dando-lhe um beijo no rosto e demonstrou preocupação com ela.

     — E aí, querida, como foi o seu dia?

     — Ah, foi mais ou menos.

     — Como assim mais ou menos?

     — Ela voltou a ter aquela dor de cabeça insuportável... acho, coronel, que ela devia consultar outro médico. – aconselhou Marinalva.

     — Não é nada, não, meu amor. É só uma dor de cabeça. Tomo o remédio e pronto, fica tudo bem. Marinalva está preocupada à toa.

     — Bem, se você pensa assim... vou tomar um banho para jantarmos.

      Ao se afastar, Galdino deixou o jornal O Mirahy sobre a mesa, aberto na página policial, onde estava estampada a foto de alguém bem conhecido de Alvina. Ela pegou o jornal e começou a ler o título da matéria: HOMEM MORTO EM CATAGUASES, NA SEMANA PASSADA, FOI IDENTIFICADO COMO RÔMULO SALINAS, DE 35 ANOS. – com os olhos arregalados e o coração palpitando, Alvina continuou a ler a notícia, verificando a cada minuto se alguém a estava observando – Segundo o delegado que está cuidando do caso, Rômulo era um homem que tinha um histórico sombrio, um Dom Juan incorrigível e costumava ter casos com muitas mulheres casadas. Acredita-se tratar-se de um crime passional, uma vingança, visto que nada lhe fora subtraído. Até o momento o criminoso não foi identificado. Nossos repórteres apuraram que este homem residiu aqui em Miraí por um breve tempo. Há suspeitas de que tenha saído daqui fugido, pois deixou todos os documentos de sua empresa e nem pagou o aluguel da casa onde funcionava o seu escritório. Sua fuga, às pressas, talvez tenha sido motivada pela ameaça de algum marido traído, mas nada se concluiu a respeito. – com as mãos trêmulas apertando o peito, Alvina correu para o quarto e se trancou lá. – Galdino mentiu, não nos perdoou e agora está se vingando! Por isso ele fez aquilo na ceia. Foi proposital. Ele vai me matar! O que faço, meu Jesus Cristo, me ajude – estava trêmula e chorava muito, mas se contendo para que não fosse ouvida. Galdino bateu na porta e pediu Alvina que a abrisse.

     — Que foi, querida? Por que trancou a porta?

     Alvina enxugou os olhos e deixou o marido entrar, voltando a se deitar.

     — Você está chorando, meu amor? O que aconteceu?

     — A dor de cabeça voltou.

     — Vou pedir à Marinalva para lhe dar o remédio.

     — Não, não precisa.

     — Uai, vai ficar curtindo a dor?

     — Não posso ficar me empanturrando de remédio, depois acaba não fazendo mais efeito. A dor ainda está tolerável, se apertar então eu tomo.

     — Você é quem sabe. Não vem jantar?

     — Não. Mais tarde eu como alguma coisa. Talvez um chá com torradas.

     Ela ficou no escuro meditando sobre tudo que lhe acontecera e concluiu que seria a próxima vítima. Como iria se livrar da vingança do marido? Mas, às vezes, lhe vinha a dúvida, porque ele estava sendo tão gentil e amoroso com ela, que talvez estivesse sendo injusta com ele. Rômulo pode ter sido assassinado por qualquer outro marido enciumado. Ele era um cafajeste, só queria aproveitar das mulheres casadas, por não lhe exigirem qualquer compromisso. Galdino havia deixado o jornal ali na mesa só para que ela lesse a notícia sobre o seu ex-amante, ou fora sem querer? Poderia ter vindo lendo no trem e quando deparou com a notícia se interessou, então apenas deixou o jornal na mesa. Estava bastante confusa e amedrontada.

     Nos dias que se seguiram Alvina passou a desconfiar de todos, inclusive de sua governanta, a Marinalva. – Esta mulher foi trazida da fazenda por meu marido, acredito que tem a missão de me vigiar. Eles estão mancomunados, agora tenho certeza. Os sons da moeda batendo no prato que eu ouço durante o dia, quando Galdino não está, é obra daquela megera, mulher taciturna, de olhar de peixe morto, sem vida. Meu Deus, como tenho sido idiota! Nunca pensei nisso, mas vejo claramente agora que ela tem escolaridade alta e fala muito bem para ter vindo trazida da roça. Mesmo que tenha estudado lá, jamais teria a cancha de uma governanta inglesa e é o que ela parece, com os seus trejeitos, o modo de olhar como se sempre estivesse no comando, falando com um subalterno. Além disso, mandou a Conceição embora e empregou Romilda alegando que sabia fazer pratos mais sofisticados. Despediu a Ceição, como os meninos a chamavam, que estava comigo há dez anos, uma mulher simples, mas que me adorava e eu aprovei isso! Vejo nitidamente que há uma conspiração aqui na minha própria casa, tenho certeza que sim. – refletiu com uma dor no coração.

     Ela só se sentia segura quando Rosalina vinha visitá-la. Ela era sua amiga desde o colégio e nela podia confiar cegamente. Sempre a subjugara e a tinha nas mãos, mas às vezes fora muito cruel com ela, ridicularizando-a por ser gorda e, quando vestia um lindo vestido, lhe dizia que ela nunca iria encontrar um namorado, porque jamais teria aquela cinturinha fina, que moldava o corpo de violão que Alvina exibia. Coitada, qualquer dia desses vou me desculpar com ela – pensou Alvina.

     Mas, de qualquer forma, sabia que a tinha ajudado, mesmo sem querer, porque ela tomou a iniciativa de emagrecer e uma beleza, que estava camuflada pela gordura e o inchaço de algumas partes de seu corpo, agora era visível. Ela vinha experimentando a felicidade de perceber, pela primeira vez na vida, que chamava a atenção de muitos rapazes, não tomava mais chá de cadeira nos bailes e até já se formava uma pequena fila de pretendentes à próxima dança.

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Imagem: Freepik.com 

Música: Disponibilizada pela Secret Garden.

 

 

 

 

 

 

 

 

Saavedra Valentim
Enviado por Saavedra Valentim em 16/11/2023
Reeditado em 25/11/2023
Código do texto: T7933106
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