A tapuia do pescador

A noite caiu silenciosa sobre a tapuia que rangia aos ataques furiosos da ventania. Valmir não a temia. A barraca de estuque com troncos amarrados e embarriada era segura.

A floresta acima a protegia de olhares curiosos. Assim não corria risco de ser encontrado.

A pindaíba encostada ao canto da singela habitação lhe garantia uma rica alimentação. O varal de peixes muquiados sobre o fogão lhe permitia descansar em noites como esta, em que não seria seguro jangadear por aí. As ondas do mar eram furiosas nessas noites e na última vez que tentou, além de perder a jangada quase se afogou.

A jangada que construiu agora era maior e mais segura. Também tinha um mastro com vela ao centro para o caso de perder o remo.

Depois de jantar peixe assado e ervas colhidas na pequena horta nos fundos, sempre saía pra dar uma volta nas redondezas. À noite era mais seguro.

Ja fazia mais de dois meses que se instalara ali. Nunca vira ninguém na enseada. Acima uns matutos vieram um dia. Pareciam perdidos e sumiram sem deixar rastros. Mas na enseada, não.

Naquela noite a lua crescia no céu. Quase cheia, iluminava a areia da praia. Ao longe uma figura balançava ao sabor do vento. Uma linda mulher. Vestidos ton sobre tons de rosa e azul esvoaçando. Cabelos negros crescidos até o meio das costas.

Ela parecia estática. De repente começou a chorar e sentou na areia, deixando as ondas lamberem-lhe os pés.

Escondido atrás de uma moita Valmir achou que ela lhe parecia inofensiva. Resolveu se aproximar.

_Porque choras? Posso ajudá-la?

A mulher demorou a responder. Pareceu assustada. Mas ao responder transmitiu uma paz inesperada.

_Não, obrigada. Mas agradeço por perguntar.

O Senhor mora aqui perto?

_Não. Estou de passagem _ mentiu Valmir.

A vos aveludada o deixou embasbacado. Nunca alguém mexera tanto com ele. Tremia só de ter que abrir a boca. Conversaram trivialidades sem detalhes pessoais a noite inteira. Mas por incrível que possa parecer não souberam seus nomes pois não perguntaram . Ao amanhecer a moça se despediu as pressas e antes que o sol nascesse já estava longe das vistas dele. Entrou na mata como se fosse sua casa, sem medo.

Valmir decidiu ir atrás dela mas não a encontrou mais. Ficou preocupado com ela. E se um animal a pegasse. Uma cobra a mordesse, sei la...

A partir daquele dia não a viu. Todas as noites ia a praia e até arriscava umas visitas diurnas a praia, sem sucesso. Nem sinal da mulher.

Passados uma semana um canto, com uma voz melodiosa, chamou-lhe a atenção ao anoitecer.

Saiu as pressas só podia ser ela.

Na praia sentada na areia, la estava a mesma mulher. Vestia o mesmo vestido. Estranho. Mas ele não se incomodou. Estava limpa e perfumada. Não tocava nela. Não o deixava se aproximar.

Dali por diante ela vinha todas as noites e partia sempre com o alvorecer.

Um dia perguntou de onde ela vinha e obteve a resposta mais estranha.

_ De além mar.

_Como assim?

A risada dela o fez corar.

_ Não se preocupe. _ E entrou no mar a chamar por ele. Cantava lindamente. Seu canto fez com que ele a seguisse sem demora. A água ia ficando cada vez mais funda mas ele sabia nadar. Nadava feliz e fechou os olhos pra curtir o momento. Só os abriu quando a música cessou. Estava muito longe da praia. Mas nem sinal dela. Nem podia chamar por ela pois não sabia o seu nome.

Nadou muito pra tentar alcançar a praia mas suas forças se acabaram logo. Esbarrou na jangada velha e subiu no que restou. Sem remos ficou muito tempo ao sabor do mar. O cansaço o adormeceu. Acordou com o sol lhe queimando o rosto e a jangada encalhada nas pedras. Levantou e seguiu pela praia. Quando parecia que as forças iam faltar avistou a tapuia

E quase se arrastou pra la. Dormiu um dia inteiro. Acordou pensando que tudo era um pesadelo. Ou um sonho bom com final esquisito.

Tomou a decisão de parar de fugir. Não devia nada a ninguém. Só fugia de si mesmo. A vida na cidade se tornara uma ameaça ao seu juizo perfeito. Pegou a jangada e, depois de verificar a previsão do tempo olhando os sinais da natureza, partiu rumo ao outro lado da enseada. De la partiria caminhando pra casa. Afinal não era tão longe.

Dias depois de voltar pra casa reassumiu seu lugar na empresa que seu pai lhes deixara. Tinha muito que acertar com o irmão. Devia-lhe explicações.

Porém ao chegar la, descobriu que o irmão vendera a empresa e não estava mais ali. Foi recebido pela nova proprietária. Ela estava de costas mas ao virar a cadeira deu até um arrepio na espinha. Era ela?!?!

O vestido era o mesmo. O rosto, o sorrizo e até a vos aveludada.

_ Olá, como vai?

Valmir não conseguiu responder. Saiu correndo e não olhou pra trás.

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 21/11/2023
Reeditado em 21/11/2023
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