DESEJOS.MORTAIS - Capítulo 6

 

      Logo cedo, Rosalina recebeu um recado de Alvina para que fosse urgente à sua casa. Ela prontamente atendeu o seu chamado e correu para fazer companhia à amiga, que vinha passando por momentos muito difíceis.

      Quando chegou, soube que a Alvina não havia ainda saído do quarto e que não queria se alimentar. Rosalina bateu na porta e a abriu devagar.

      — É você, Rosalina?

      Alvina estava ainda de camisola, sentada toda encolhida, abraçada às pernas dobradas, com os joelhos à altura o queixo e recostada na cabeceira da cama. Assim que a viu, Alvina falou baixinho, com o olhar assustado e as feições de uma pessoa apavorada:

      — Rosalina, entre logo e feche a porta. Vem, senta aqui bem perto de mim.

      — O que está acontecendo, minha amiga? Você está com uma aparência horrível! Desculpe dizer, mas está com aspecto de defunta, com umas olheiras daquelas.

      — Fala baixo... fala baixo...

      — Você está bem, querida?

      — Senta aqui, mais perto de mim. – batendo a mão no colchão indicando onde deveria se sentar – Quero te contar uma coisa, mas ninguém pode ouvir. Preciso da sua ajuda, minha amiga. – e abraçou Rosalina com força, apesar de estar trêmula, e começou a chorar.

      — Querida, tem de manter a calma. Não fica assim, não. Você está me deixando assustada, Alvina. Para de chorar e me conta o que está havendo. – mas ela chorava de soluçar – É, acho melhor você botar tudo que está te agoniando pra fora. Chorar até que faz bem!. – dando-lhe palmadinhas no ombro.

     Quando Alvina se acalmou, ficou com o olhar fixo na porta, aparentando apreensão, angústia e medo.

     — O que você quer me contar?

     — Abre a porta e veja se há alguém nos ouvindo. – falou sussurrando.

Rosalina atendeu o pedido da amiga, abrindo a porta, olhando para todos os lados e informou que não havia ninguém lá e, fechando-a novamente, voltou a se sentar ao seu lado.

     — Fala logo, Alvina, você está me deixando nervosa!

     — Psiu! – com o dedo indicador nos lábios – já te pedi para falar baixo. A megera da Marinalva não pode escutar o que vou te contar.

      — Alvina, não há ninguém lá fora.      Marinalva deve estar na cozinha, ou talvez tenha saído. Diga agora o que está te atormentando. – falou sussurrando.

      Agarrando-a pelo pescoço, segredou em seu ouvido:

      — Há um complô contra mim bem debaixo do meu nariz. Aqui dentro da minha própria casa! Eles querem me matar!

      — Eles quem?!?!?

      — Uai, quem pode ser, minha amiga? Galdino e a maldita da Marinalva.

      De repente Alvina começou a ouvir o som da moeda da desonra tilintar no prato e ecoar por toda a casa. Tapou os ouvidos com as mãos e com os olhos esbugalhados e ofegante falou apontando o dedo indicador como se quisesse mostrar algo.

      — Está ouvindo, Rosalina?

      — Ouvindo o quê, Alvina?

      — Este som, Rosalina!

      — Que som, mulher? Não estou ouvindo nada!

       Agarrou Rosalina pelos ombros, estava agitada e começou a gritar nervosamente:

      — Não é possível você não estar ouvindo. Ouça... ouça, é o som de uma moeda batucando no prato, ou na tigela, não sei bem. É, eu acho que é no prato... – com as mãos postas e os dedos entrelaçados, olhando para o vazio, seu corpo tremia todo e o barulho do ranger de seus dentes começou a dar medo em Rosalina – Agora está parando. Viu, ficou em silêncio. É assim o dia todo e a noite inteira. Já não estou suportando mais.

      — Há quanto tempo você não dorme, Alvina?

      — Nem sei... não sei de mais nada. Acho que três ou quatro dias. – olhando fixo para a porta, batendo as pontas dos dedos uns nos outros e se encolhendo no canto da cama, continuou – Não posso dormir. Não quero mais dormir.

      — Mas ninguém pode viver sem dormir, minha amiga.

      — É a única maneira de me manter viva. Se eu dormir eles vão me matar.

      Justo naquele momento, ela voltou a ouvir o som do tilintar da moeda no prato e desta vez veio com toda a força. Inclusive ele vinha de diversas direções. Alvina deitou e cobriu os ouvidos com o travesseiro e voltou a sentir tremores que chegava a estremecer a cama e implorava a plenos pulmões:

      — Por favor, Rosalina, faz esse barulho parar. Eu não aguento mais! Eles querem me enlouquecer! Vai lá e vê com os seus olhos se eu não tenho razão. É a miserável da Marinalva e aquela tal Romilda, que estão fazendo isso. Eu tenho certeza que são elas.

      — Mas Alvina, eu continuo não ouvindo nada. Não há batuque de moeda em prato algum. – pensou um pouco e tentou acalmar a amiga – Está bem, Alvina, eu vou lá verificar, está bem? Então, por favor, fique calminha, tá? – e saiu porta afora para se certificar de que tudo não passava de alucinações da amiga. Nesse ínterim, Marinalva entrou no quarto e perguntou à Alvina se queria comer alguma coisa. Mas ela não respondeu até que os sons cessassem.

      — Não, estou sem fome!

Rosalina veio de volta e Marinalva pediu a ajuda da amiga para convencer Alvina a comer alguma coisa.

      — Ela já não come desde ontem. A sua última refeição foi o almoço. Não sei mais o que fazer!

      Rosalina notou o quanto a presença da Marinalva mexia com os nervos da Alvina e pediu para deixá-las a sós. Se aproximou da amiga e começou a lhe fazer carinhos no cabelo lhe pedindo que se acalmasse.

      — Amiga, não vi ninguém batucando com moeda em prato, ou qualquer outra coisa. – fez uma pausa e continuou – Só não consegui entender até agora por que o som de uma moeda batucando num prato te causa tanto terror assim? Eu acho até que deve ser um som irritante, principalmente quando ele é intermitente, mas aterrorizar alguém, Alvina, aí já é demais.

      — Porque não é com você. Você não sabe como isso é aterrorizante.

    . — Você está me escondendo alguma coisa, Alvina?

      — Escondendo o quê?

      — Me diga você. Não entendo porque de repente o Galdino iria querer te matar. Não faz sentido, ele te ama, minha amiga. Você está paranoica!

      Ela não respondeu, se limitou a fechar os olhos e rolar na cama e ficar de costas para Rosalina.

      — Até você vai me atormentar também, Rosalina?

      — Tudo bem, se você não quer me contar não conte, mas que nesse mato tem coelho, acho que tem. Se tem!

      — Não tem coelho nenhum!

      — Está bem, não se fala mais nisso. Alvina, vou pedir a Marinalva para trazer o seu almoço e vou ficar aqui até você terminar a refeição. Está bem assim?

      — Não vou comer!

      — E por que não?

      — Acho que a comida está envenenada.

      — Elas não iriam fazer isso. Eu vou estar aqui, elas não são loucas de te envenenar na minha frente.

      — Você é muito inocente, Rosalina. Elas não vão colocar veneno suficiente para que eu morra na hora. Vão dosando aos poucos, todos os dias e só faz efeito depois de um tempo.

      — Então vou te propor uma coisa.

      — O quê?

      — Vou na minha casa e trago a comida de lá. A comida da minha mãe. Se eu fizer isso você come?

      — Jura que vai ser da sua casa?

      — Juro. Eu vou lá buscar agora, está bem?

     Saiu e retornou mais tarde trazendo um prato com uma comida bem cheirosa e ela reconheceu o cheiro do tempero de dona Lalá e comeu o suficiente para manter as forças.

      Rosalina permaneceu mais um tempo com Alvina e depois informou à amiga que tinha de fazer uma viagem. Sua mãe queria visitar a sua avó e talvez ficasse fora por uma semana.

      — Logo agora, Rosalina, que preciso tanto de você?

      — Lamento muito, minha amiga, mas esta viagem já estava programada há bastante tempo. Minha mãe até já arrumou as malas e está muito ansiosa para rever a mãe dela e as minhas tias.

       Alvina agarrou-a pelo braço e implorou que ficasse.

      — Por favor, não faça isso comigo! Não me deixe aqui nas mãos dessa corja. Não confio em mais ninguém, Rosalina. Você é a única que me dá conforto e um pouco de paz.

      — Queria poder ficar, de verdade, mas realmente eu não posso. Acabe com essa cisma, minha amiga, não tem ninguém querendo te matar, isso é coisa da sua cabeça, que por sinal está muito confusa.

      — Pensei que estivesse acreditando em mim. Acho que me enganei. – voltou a deitar fechou os olhos e começou a rezar.

      — Isso mesmo, Alvina, reze bastante e peça a Deus para acabar com esses devaneios e fique em paz. – e se despediu dela.

      Marinalva se despediu de Rosalina e olhou para a porta do quarto de Alvina e, com um sorriso sinistro nos lábios, pensou – agora madame depravada, você vai pagar por todo o mal que causou ao coronel Galdino, homem bom, digno, não merecia sofrer uma desgraça dessa! – e foi se juntar à Romilda na cozinha.

 

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Imagem: Freepik

Música: Endless

 

 

 

 

Saavedra Valentim
Enviado por Saavedra Valentim em 25/11/2023
Reeditado em 30/11/2023
Código do texto: T7940370
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