A serviço de Sua Majestade

Grigory Ivanovich Shelikhov estava tomando o desjejum em sua cabine privativa a bordo do "Três Hierarcas" quando bateram à porta. O mercador ergueu os sobrolhos, mas imaginou corretamente que se tratava de algo importante.

- Entre! - Gritou, enquanto ajeitava o guardanapo no pescoço.

A porta abriu-se e o imediato Tarasik assomou no batente, juntando as mãos como que em prece e inclinando a cabeça em saudação.

- Desculpe interromper, Vashe Prevoskhoditelstvo, é que avistamos um barco vindo da ilha...

- Um barco, você disse? - Questionou o mercador, cenho franzido. - Que tipo de barco? Uma canoa dos nativos?

- Não senhor - prosseguiu o imediato. - Parece ser um "koch", de um mastro...

Grigory Ivanovich deu de ombros.

- Outro comerciante de peles... provavelmente, um compatriota - minimizou.

Tarasik não pareceu muito à vontade antes de finalmente revelar a razão da sua reticência.

- Bem, senhor... não é dos nossos. Tem uma bandeira inglesa na popa.

Grigory Ivanovich ergueu-se imediatamente e retirou o guardanapo do pescoço.

- Ingleses? Tão ao norte assim? Essa eu tenho que ver!

E subiu com o imediato para o tombadilho do "Três Hierarcas", onde vários marujos barbados já se aglomeravam, curiosos com a aproximação do suposto "koch" inglês.

- Me tragam o óculo! - Comandou o mercador, abrindo caminho até a amurada. Instantes depois, um grumete lhe entregou uma luneta marítima de cobre, que ele assestou para o forasteiro. Viu cerca de uma dúzia de soldados de casacos vermelhos e tricórnios no convés do "koch", armados com mosquetes; todos, indiscutivelmente nativos. Mas na proa do barco, apontando outra luneta na direção dele, estava um homem branco, barbado. Curiosamente, não estava vestido como um oficial, sequer como um soldado. O homem sorriu ao perceber que estava sendo observado, e acenou. A contragosto, Grigory Ivanovich acenou de volta.

- Lançar âncora! - Ordenou ao imediato.

O "Três Hierarcas" e logo atrás dele o "São Simão", lançaram âncora na baía de Cing'iyak da ilha Kodiak, aguardando que o "koch" onde tremulava orgulhosamente a Union Jack se aproximasse. Finalmente, o pequeno barco encostou na lateral do capitânea de Grigory Ivanovich e este orientou para que uma escada de corda fosse lançada, para que o outro capitão pudesse vir a bordo. Ele assim o fez, acompanhado de dois soldados. Os uniformes pareciam velhos, mas os mosquetes eram novos em folha, observou o mercador.

- Bem-vindos à ilha Kodiak, compatriotas! - Saudou-os sorridente o recém-chegado em russo, fazendo uma profunda reverência com o tricórnio na mão diante de Grigory Ivanovich. - Sou Ippolit Tikhonovich Kolosov, um seu criado!

- Grigory Ivanovich Shelikhov, sócio administrador da Companhia Shelikhov-Golikov, de exploração do Aliaska. O que você faz aqui, acompanhado de soldados coloniais ingleses?

- Eu sou o administrador da ilha Kodiak - anunciou com gravidade Ippolit Tikhonovich, recolocando o tricórnio na cabeça. - Fui nomeado representante dos interesses de sua majestade, Jorge III da Inglaterra. Portanto, comando a guarnição local.

- Passei por estas ilhas em anos anteriores, e nunca havia visto ingleses nessas águas - replicou Grigory Ivanovich, mãos nas cadeiras.

- Pois, pelo visto o rei fez a coisa certa em estabelecer uma guarnição permanente aqui - observou Ippolit Tikhonovich. - Mas se tem interesse em abrir um entreposto, podemos discutir os termos de cessão de um local para as suas atividades.

- Sobre o qual você cobraria impostos para o rei inglês, imagino - ponderou Grigory Ivanovich.

- Tudo pode ser negociado - admitiu Ippolit Tikhonovich. - Os nativos ficariam felizes se eu pudesse conseguir de vocês termos melhores do que os que foram impostos pelos ingleses.

- Por exemplo? - Inquiriu o comerciante.

- Recrutar os rapazes nativos para servir no exército colonial contra os rebeldes das Treze Colônias - afirmou Ippolit Tikhonovich, muito sério.

- Imaginei que já estivessem discutindo um acordo de paz - admirou-se Grigory Ivanovich.

- Talvez até estejam, - ponderou Ippolit Tikhonovich - mas as notícias demoram para chegar até aqui. Os rapazes já estão ficando indóceis, querendo dar tiros em alguém, e ultimamente não temos tido bons alvos...

Ippolit Tikhonovich virou-se para os dois soldados nativos, ambos mais altos do que a média da sua tripulação.

- Quantos homens destes você tem?

- Cerca de duzentos... todos com mosquetes novos e muita disposição para a guerra - informou placidamente Ippolit Tikhonovich.

Grigory Ivanovich ergueu brevemente os olhos para o céu nublado da manhã, acima deles. A tripulação dos seus dois barcos mal chegava a duzentos homens, e o que inicialmente parecia ser uma tarefa fácil, subjugar selvagens armados com lanças e arcos e flechas, agora subitamente se revelava algo bem mais perigoso do que o planejado.

Um tiro de canhão vindo da costa interrompeu a conversa. Os olhares dos homens de Grigory Ivanovich convergiram para Ippolit Tikhonovich, que sorriu.

- Perdão, está na hora de ir. O conselho dos anciãos aguarda o meu relatório - declarou, levando a mão ao tricórnio.

- E quando poderemos discutir... a implantação de um entreposto? - Indagou Grigory Ivanovich.

- Queiram nos seguir - disse Ippolit Tikhonovich, fazendo um sinal para que os soldados retornassem ao "koch". - Vamos lhes deixar numa angra onde poderão fundear e acampar. À noite, depois do nascer da lua, irei até lá para continuarmos a conversa.

E dando por encerrado o encontro, desceu para o "koch", que posicionou-se à frente dos barcos de Grigory Ivanovich para guiá-los.

- [02-04-2024]