Os Dois Caminhos

Os Dois Caminhos

Gabriela acorda.Seus olhos passeiam pelo quarto onde ela está, afim de saber em que lugar estão;logo,percebe que está num hospital.Ela sente sua cabeça doer bastante assim como o seu corpo,como se ela tivesse sido esmagada por algo pesado;acaba de se lembrar que estava no carro e tivera um acidente.Quando tenta reconstruir o momento do acidente em sua mente,a porta do quarto onde está se abre;seu marido e sua filha entram.Ela pára de pensar no acidente e volta sua atenção para eles.Sua filha corre para abraçá-la e lhe dá um beijo na testa.

-Você vai ficar bem mãe.Logo vai sair daqui.-diz Renata sua filha,com um pequeno sorriso e lágrimas nos olhos.

Gabriela abre um sorriso e balança a cabeça positivamente;em seguida seu marido pega em sua mão e olha nos seus olhos com um sorriso,e beija sua mão.Ela percebe que está tão fraca que não consegue falar;então faz um sinal com as mãos,pedindo caneta e papel.A enfermeira segura um caderno e ela escreve “Bom vocês aqui”;os dois olham um para o outro e sorriem para ela.Eles ficam com ela umas horas e depois vão embora.”Voltaremos amanhã”,diz Renata.

Eles vão e Gabriela se sente cansada;ela não consegue pensar direito,pois seu corpo dói muito.Então,ela dorme.

Ao acordar,ela espera ver a parede branca do quarto;mas quando abre os olhos se vê em um lugar estranho.Ela percebe que está sentada numa confortável cadeira branca,e em frente há uma bela mesa e outra cadeira de frente para ela e a mesa,tudo na mesma cor;também percebe que está no meio de um jardim,com todos os tipos de flores,rosas,com uma grama muito bem aparada.Ela vê altos muros de mármore que limitam o jardim e vê também duas portas;uma no norte do muro e a outra no sul,com um caminho não muito longo,estreito e reto que liga as duas portas,como se cortasse o jardim ao meio;e a mesa e cadeiras estão bem no meio do comprimento do caminho.O céu é estrelado e a lua é cheia;no entanto o jardim está iluminado como se o sol estivesse em seu poente.

Enquanto Gabriela tenta entender que lugar era esse,a porta norte,oposto a ela,se abre.Ela não vê nada além de uma densa escuridão dentro da porta;então uma figura com um manto negro,que encobre todo seu corpo,inclusive suas mãos e seu rosto,aparece em meio a escuridão.Ele anda em direção a ela e a porta se fecha sozinha.Ela está hipnotizada,olhando atentamente para o estranho.Ele se senta na cadeira que estava vazia,e fica com a cabeça abaixada por um tempo.Gabriela o observa do chão a cabeça e tenta ver seu rosto,inclinando a cabeça para baixo.Então ele levanta a cabeça(assustando ela,que volta a posição que estava)e tira o capuz.

Sua pele branca é colada ao rosto,quase não existindo;ele não possui lábios e seu longo cabelo preto está repleto de vermes que se movimentam;seus olhos não possuem órbitas,sendo totalmente negro.Gabriela cai para trás de sua cadeira,aterrorizada com o estranho ser.Ela corre para a porta sul,que está a uns vinte metros da cadeira dela;tenta abri-la em vão.

Então começa a se desesperar batendo na porta;enquanto isso,a terrível figura olha atentamente para ela com uma extrema calma.Ela começa a chorar enquanto bate na porta;solta gritos histéricos pedindo por ajuda e cai no chão chorando,fisgada pelo medo,abraçada pelo desespero.

-Tenha calma,não vou lhe fazer mal;sente-se aqui,temos muito o que conversar.-diz a criatura,com uma voz riscada,alta e grave.

Gabriela continua em pânico,deitada no chão.Ela começa a pensar que aquilo é apenas um sonho,quer dizer,um pesadelo.Passados uns minutos,o desespero tira seus braços de cima dela;então ela olha para ele que está lá,olhando-a fixamente,imóvel.Ela se levanta lentamente e caminha em direção a criatura bem devagar,ainda tremendo;pega a cadeira do chão e a coloca de pé,sentando em seguida.Está suada,tremendo e tenta olhar para o rosto monstruoso.

-Seu nome é Gabriela certo?-pergunta ele.Ela responde balançando a cabeça.

-Gostou do lugar?Não é bonito?

-S...S...Si...Sim.

-Tenha calma já disse que não vou machucá-la.

-Q...Quem é você?Onde estou?

-Quem eu sou não vem ao caso agora.Você está entre a vida e a morte.

Ela arregala os olhos com a resposta dele.

-Como...-Bom!(ele a interrompe)Por hora está bom.Você precisa descobrir algumas coisas ainda.Vá pela porta do sul,atrás de você.Depois nos veremos.

-Ce...Certo.

Ela se levanta e vai em direção a porta indicada,olhando para trás pelo menos umas quatro vezes.Abre a porta e vê tudo claro,ao contrário da outra porta,que só tinha escuridão.Ela entra.E então acorda, abre os olhos e vê a parede do quarto do hospital.Ela pensa consigo mesma que aquilo foi um pesadelo e se sente mais tranqüila.Seu corpo ainda dói muito.As horas se passam e ela come,recebe toda a atenção das enfermeiras,conversa com elas...O tempo passa rápido pois ela mantém sua mente ocupada;e logo a noite chega.Sua família chega para visitá-la;sua filha lhe trouxe rosas e as coloca do lado da cama.

- Oi mãe!Como você está hoje hein?-pergunta Renata,com uma voz suave.Gabriela responde com a mão,fazendo sinal de positivo.Renata pega sua mão e a beija,e depois beija seu rosto.Seu marido e sua filha ficam com ela por horas,as horas mais agradáveis do dia dela,até ficar tarde.Por dois dias,essa rotina se mantém,e o estado de Gabriela não melhora.Ela de vez em quando pensa no estranho sonho que tivera,mas tenta não ocupar sua mente com coisas que possam lhe enfraquecer.

No quinto dia de hospital,como em todos os outros dias,sua família vem para a visitar.Depois de um tempo da visita,seu esposo sai do quarto.

-Vou falar com o doutor, Gabi.Volto logo.

Mas antes de sair ele olha para sua filha e balança a cabeça positivamente,como se estivesse esperando algo dela.Então quando ele fecha a porta,imediatamente Renata diz:

- Mãe,tenho que ti contar algo.

Gabriela pede o caderno que a enfermeira deixou no canto da sala,caso ela queira se comunicar;sua filha pega e entrega a ela.”O que ?”-escreve Gabriela,com um rosto preocupado.

-Sabe,no dia do acidente,a senhora...não estava sozinha no carro...havia outra pessoa...

Gabriela olha para ela com uma expressão assustada.

-A senhora não se lembra?Tente lembrar mãe quem estava com você!

Então ela começa a tentar lembrar para onde estava indo antes do acidente.Ela ia ao mercado,comprar algumas coisas que estavam faltando;lembra de entrar no carro e alguém ter lhe chamado.”Gabriela,Gabriela,espera ai!”alguém gritou.Era sua mãe,que estava passando uns dias com eles.”Você sabe qual é o iogurte que eu quero?”-“Não”-respondeu ela.”Deixa eu ir com você então,porque senão você vai comprar um iogurte horrível!”-“Mãe não precisa ir!Fica ai com Renata!”-“Deixa de conversa,menina!Vai logo!Renata já é grandinha e sabe o que faz da vida!”.

Era sua mãe no carro.Tremendo,ela escreve”Como ela está?”.Sua filha lhe olha por uns instantes,e lágrimas começam a sair de seus olhos.Renata abraça sua mãe,que está em estado de choque.As duas choram,abraçadas uma a outra.Choram como se a alma estivesse saindo através das lágrimas;o único conforto de ambas é o abraço.

- Hoje eu vou ficar aqui mãe.Vou ficar a noite toda aqui.-diz Renata,enquanto chora e abraça sua mãe.

Mais tarde,seu esposo volta para se despedir,e lhe dá um abraço confortante.Então as duas ficam ali,se cuidando e conversando.Em meio a conversa,por volta das dez da noite,Renata diz:

-Mãe,eu sei que,eu sei que você está muito mal por causa de tudo isso que vem acontecendo...mas sabe,você tem que saber de tudo,a senhora sabe que eu não gosto de ver a senhora sofrendo ou sendo enganada...

Gabriela alisa o rosto de Renata e solta um minúsculo sorriso.

- Então...-continua Renata -você se lembra que me dizia que estava desconfiando que meu pai estava lhe traindo?

Gabriela pára de alisar sua filha e olha para ela com cara de raiva.Pega o caderno e escreve rápido”chega!nada mais!não quero saber nada!”.

-Mas mãe,você precisa me ouvir!

Gabriela com a mão,manda sua filha parar;-Escuta mãe!-fala mais alto Renata.-Eu segui meu pai!Ele se encontrou com uma moça bonita,e mais jovem que ele no restaurante!Gabriela pára de sinalizar com a mão e escuta atentamente.

-Eles...eles foram para um motel bem longe da cidade...e se beijaram no carro...

Gabriela olha para o teto,e dá um suspiro profundo;coloca a mão na cabeça e fecha os olhos.Então escreve”Quero ficar só”.

-Desculpa mãe.Eu tinha que ti contar.Vou dormir-Renata,chorando,se vira e sai do quarto sem saber se fez certo ao contar aquilo.

Gabriela pensa nos anos todos de casamento;e um filme roda em sua cabeça,lembrando os bons momentos em que vivera casada.Inevitavelmente,algumas lágrimas caem,mas não tantas quanto antes.Ela tenta dormir,para se livrar daquele dia monstruoso em que sua vida mudou completamente.Mas alguns momentos de sua vida aparecem em sua mente,fazendo-a sentir dor e ódio,em meia a perda da mãe e a traição do marido.Ela passa alguns minutos assim,mas logo adormece;não há alma e corpo que suportem tanto sofrer.

Ao acordar,percebe que está de pé e que não sente dor pelo corpo;e então vê que está no jardim.O jardim está exatamente igual como da outra vez;no entanto,nas cadeiras,está sentado aquela estranha figura.Gabriela tem a porta do sul bem atrás dela,como se estivesse acabado de sair por ela.

-Bem-vinda novamente.Venha,sente-se comigo.-diz o estranho ser.

Ela lentamente,anda em direção a ele e as cadeiras,sem tirar os olhos dele.Ela faz uma cara de nojo ao olhar para seu rosto;todavia,ela percebe algumas diferenças na face da criatura;então se senta e começa a olhar para ele com mais atenção,afim de perceber as mudanças em seu face.A pele dele já não está tão colada ao rosto,embora ainda tenha uma aparência horrível;seus olhos agora estão com órbitas,onde residem olhos negros;seus lábios “apareceram”,e ela vê lábios finos;em seu cabelo negro já não há tantos vermes,embora ainda seja perceptível o movimento de alguns.

-Vejo que não está com tanto medo agora.Assim,poderemos conversar melhor.

-Porque seu rosto mudou?-ela pergunta.

-Porque você o mudou.

-Eu?Como eu poderia fazer isso?

-Talvez seja melhor você não saber agora.

Ela olha para ele demonstrando mais desconfiança ainda.

- Eu não entendo;como um sonho pode ser assim?Continuar noite após noite?

Os lábios da criatura mostram ele sorrindo.

- Você ainda acha que isso é um sonho?Este lugar está longe disso...Mas me diga uma coisa:em nenhum momento,você ficou curiosa em saber o que existe naquela porta ao norte?-pergunta ele.

-Eu estou curiosa a respeito de tudo nesse lugar:você,esse estranho céu,e estas portas...

-Quando você vem para este jardim,você chega através da porta do sul.Mas a porta do norte vai para um lugar mais longínquo...onde não há volta para quem entra por ela.Me diga,você gostaria de entrar nela?

-Porque eu entraria nela se não poderei mais voltar?

-Voltar?Para aquele mundo de dor e desespero que você está levando?O que a mantém com vontade de voltar para aquele lugar?Você não gostaria de tentar uma vida nova?

Gabriela olha para cima,pensando no que ele disse;de fato,há poucos motivos para se manter viva.No entanto,ela se lembra de algo.

- O que me mantém naquele mundo é minha filha agora;antes,além dela,era meu esposo e minha mãe.Mas agora só ela me restou e não quero perdê-la também.O que quer que exista além daquela porta,o céu,Deus,ou seja lá o que for,não me convence de que tenho que deixar minha filha sozinha naquele mundo sujo.-Gabriela responde,demonstrando convicção no que disse.

A criatura se espanta com a resposta dela.

-Pois bem,conversaremos mais depois.Volte agora.

-Como assim?Você controla quando eu venho aqui?Eu não quero voltar para essa droga de lugar!Me deixe em paz!

Ela se levanta e anda rápido,porém sem olhar para trás;então abre a porta.E voltar a sentir dor por todo o corpo;no entanto,ela se sente mais forte,mais confiante.Abre os olhos e vê a mesma parede que tem visto por alguns dias.O dia segue com a mesma rotina de sempre;e logo a noite chega.Gabriela já espera ver o rosto de sua filha.No entanto,ela ouve uma discussão do outro lado da porta de seu quarto:

-Senhor,por favor não faça isso!Ela pode piorar se o senhor contar isso para ela!-diz alguém,que ela reconhece como sendo a voz de uma das enfermeiras que lhe ajuda.

-Ela precisa saber!É a filha dela!Saia da frente,eu quero falar com ela!-grita um homem,que ela reconhece a voz.É o seu esposo.Gabriela se preocupa pelo que disse seu esposo;fica pensando no que poderia ter acontecido com sua filha.Então ele abre a porta;e fica parado por um instante,olhando para ela.Ela o olha com desprezo;ele,a olha com carinho.Então ela percebe que o olho dele está com lágrimas;ele chega perto da cama e se senta.

-Gabriela...é Renata...ela...(ele começa a chorar e soluçar).Ela fica muito apreensiva.

-Ela se suicidou!-grita ele,ao mesmo tempo que chora.Ele a abraça,mas ela não o abraça;apenas olha para o teto,enquanto lágrimas brotam em seus olhos.Ela fecha os olhos e abre os braços,como se estivesse se entregando.As enfermeiras retiram seu esposo dali,que está chorando muito.Mais tarde,Gabriela dá uma recaída e seu estado piora.Então ela se percebe no jardim.Do mesmo jeito da vez anterior,com a porta sul atrás dela e a criatura sentada na cadeira.Eles ficam se olhando por um instante;ela anda e se senta.

E vê algo estranho,surpreendente,no mínimo.O rosto dele mudou novamente;sua pele está normal,assim como seus longos cabelos negros,revelando um belo homem com olhos negros e penetrantes.

-O que há do outro lado da porta norte?-ela pergunta,de forma direta,sem rodeios.

Ele sorri.-Isso vai depender das coisas que você fez no mundo e de sua fé.

Ela se levanta e diz:-Vamos.

-Pensei que você quisesse viver naquele lugar.

Ela olha para baixo e depois o olha nos olhos.- O único motivo que eu lhe apresentei para ficar lá,já não existe mais.-diz ela,de uma maneira fria.

Ele observa a reação dela e diz:-Entendo.Me acompanhe.

Os dois andam em direção a porta e ele a abre.Ela vê uma grande luz,diferente da outra vez que vira a porta aberta.Então ela pergunta para ele:

-Antes de entrar,eu gostaria de saber quem é você.

Ele a olha por um instante e responde:-Eu sou a Morte.

Ela,para sua própria surpresa,não se assusta.Apenas o olha mais um pouco,e então desvia o olhar,e entra na porta.

O coração de Gabriela pára de bater,e ela morre no hospital.

Glal
Enviado por Glal em 11/04/2008
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