O Poeta Triste ou o Vizinho

O Poeta Triste ou o Vizinho

Fazia o cotidiano silencioso e tedioso da vida quando e talvez para se aliviar do tédio, começou a reparar nas salas vizinhas. Os dias corriam descontínuos e sem sentido . Existe , porém, uma continuidade real e concreta na saleta do vizinho. No minúsculo minuto que a leva do elevador ao gabinete , ela passa ali e tem tempo para um cumprimento. Ah ,como tem ! Pois num pedaço de segundo é possível escutar o barulho dos sapatos de saltos altos de uma mulher , e levantar o olhar e dizer boa tarde , ou um singelo olá .Nem isto o moço moreno , jeito de sonhador , fez .Desconhecia todos que por ali andavam .Passam-se os anos e tudo continua imutável .

Começa a querer que aquele moço de precoces cabelos grisalhos e de perfil fino, levante o olhar para ela e converse . Que sedução contém aquele silencio ! A ponto de ter razões para se aliviar do tédio diário , o ir e vir do consultório , o monótono subir e descer do elevador enferrujado , a obrigação chata de dar uma palavrinha para o porteiro ou apanhar a correspondência. A razão é o quieto ,soturno e misterioso moço moreno .

Pergunta- se :- Hoje levanta o olhar? Larga a caneta? Dá me um simples sorriso ?

A ansiedade a invade e, angustiada, aumenta o barulho nos tacos dos sapatos altos , dá gargalhadas sem graça com uma estranha pelo corredor, já desesperada para chamar a atenção. Mas nada !

Não era mulher de artimanhas e detestava ardis porém , na solidão do quarto noites afora , começou a imaginar que desculpa usar para falar, para tentar uma amizade , para saldar sua curiosidade ou aliviar a tristeza . Tristeza ? Sim, tristeza, pois ele não lhe inspirava amor , paixão ou sedução . Ao contrário , a penetrava com uma triste solidão que se infiltrava suavemente ,sem querer ou saber . Súbito, uma estranha nostalgia a invade .A nostalgia dele. Os imaginários planos tecidos para entabular uma conversação ,vão terra abaixo no dia em que percebe, de lado , um sobrolho franzido . É mais que óbvio o desejo de não ser incomodado . Traduz se tanto no desconhecimento dos vizinhos quanto na ausência de um cumprimento .

Assim mesmo se harmonizam e se comunicam . Algo inconsciente se estabelece e os liga . Percebe, todavia , que esta união silenciosa ,esta cumplicidade que se forma é motivada pelo seu desejo e fantasiosa pois que unilateral. Chegou a ver em um rápido momento o seu rosto olhando para longe, como quem olha para o horizonte . Nota grandes olhos acinzentados distantes e doces. São com um ímã atraindo para escapar do trabalho chato diário e sem surpresas, pela longa experiência no ramo.

Assim se desenhou e desenrolou esta estória ano a ano. Ela não se aproxima. Ele não reconhece a sua presença .Em um dia comum o sentimento pelo moço moreno acabou, pois saiu do elevador e para sua surpresa , não olhou para a sala. É bom o esquecimento, particularmente este, pois a impede de enxergar uma porta fechada .

Estranha coincidência ! Foi se embora o vizinho no mesmo dia em que o esquecia .

Semanas adiante a saleta está para vender. Escuta o porteiro dizendo para o novo proprietário : - É natural! Não se ofenda, que não queira falar . Este poeta que aí escrevia, com um pseudônimo, não queria revelar sua identidade ou chamar a atenção , é um homem muito discreto. Passou anos aqui e me fazia um aceno na entrada e na saída e mais nada...

Foi parar no sebo . Procura livros de poemas . Tanto revista que encontra o retrato em um dos livros . E que livro ! Lê todos os versos. As palavras são sonoras e cantantes como música . Comunicam sentimentos , afetos e emoções profundamente. Pensa no que fazer . Pode comprar um livro ou pedir uma autógrafo. Qualquer coisa como desculpa para se aproximar! Contudo , no livro não constava nem endereço nem biografia . Foi o livreiro , constrangido, quem lhe revelou lacrimoso :

"- O moço tinha como grande desejo ser músico , acabou nos versos e poemas . O poeta é surdo!"

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 29/04/2008
Reeditado em 30/01/2011
Código do texto: T967009
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