A cadeira austríaca

George Luiz - A cadeira austríaca

Estamos sempre em busca do desconhecido. E Murilo não fugia a essa regra.

Não que procurasse deliberadamente fatos e estórias misteriosas. mas gosta-va muito do tema. Quando era garoto, uns treze anos de idade, assistira algo muito singular na fazenda de sua tia avó.

Quando o gado volta de uma invernada, vem cheio de bichos como bernes e

outros. Aquele ano acontecera isso, como sempre. Mas um rezador viera de uma fazenda vizinha. Era um caboclo já bem idoso. Não cobrava nada por seus serviços. Murilo estava lá , junto com os campeiros.

Uma pequena roda se formara e conversava com o rezador. Até que ele se preparou para rezar. Imediatamente os campeiros tiraram seus chapéus em sinal de respeito. O velho campeiro dispôs algumas folhas na terra e ateou fogo nelas.

Rezava em voz baixa, quase inaudivel. Assim que terminou, os campeiros da fazenda correram para os vários piquetes em que o gado estava reunido.

E então, diante dos olhos incrédulos de Murilo, os bernes começaram a se desprender do couro dos bovinos e cair no chão, onde foram mortos pelos tacões das botas dos homens da fazenda. Murilo não conseguia acreditar no que estava vendo.

Os anos se passaram. Murilo era agora um rapaz, um estudante de engenharia. Tinha bom gosto. Amava quadros, esculturas, música.

- Rodolfo , já te contei como vi um velho campeiro rezar o gado na fazenda de minha tia avó ?

- Já, cara. Já ouvi essa mentira umas duas vezes ...

- Mentira ? Se você não fosse tão meu amigo, Ia te mostrar agora mesmo o que é mentira...

- Sossega, leão ! Está certo , acredito que isso aconteceu mesmo.

- Então tenho mais uma para te contar...

- Qual é ?

- A Miriam, aquela gata linda que a gente conhece da praia, me chamou para ir a uma festa.

- Você está brincando...

- Estou nada.

- Mas, ela te chamou para ir a essa festa com ela ?

- Ah, não é bem assim. Ela me chamou para ir a festa mas não acho que seja para ficar comigo. Ela apenas me convidou.

- Não importa, rapaz. Vá mesmo e de repente coisas boas acontecem...

A festa era na realidade , um jantar, num restaurante famoso e muito caro. Murilo agradeceu a Deus por ser convidado e não ter que pagar por todo aquele luxo. Sentou-se a uma das mesas que reunia quatro pessoas. Não conhecia nenhuma delas, e levou um tempinho para sentir-se a vontade. A idade dos convidados era variada. Bem a seu lado estava sentada uma mulher de idade indefinível. Podia ter tanto quarenta e poucos como cinquenta e poucos anos. Era bonita, mas tinha um jeito desconcertante de olhar seu interlocutor como se o estivesse pesando com os olhos para incluí-lo num churrasco humano...Deixava a gente arrepiada, aquele olhar. Os outros componentes da mesa eram uma senhora de cabelos brancos e vestido negro e um homem gordo que respirava com esforço como se fosse asmático.

Houve um certo alvoroço numa das mesas vizinhas, quando uma loura boni-ta com um decote generoso, derramou uma taça de champanhe sobre a toa-lha de linho.

O jantar estava sendo servido. Murilo olhava perplexo para o número de talheres dispostos em ambos os lados dos três pratos a sua frente. Mas não precisava se preocupar. Percebeu logo que era só imitar seus companheiros de mesa, para maneja-los corretamente. De uma das mesas vizinhas uma mulher ainda muito jovem parecia 0lhá-lo com um meio sorriso irônico. Muito bonita, usava um colar de pedras verdes, seriam esmeraldas ? sobre o colo perfeito.

A refeição terminara. As pessoas levantavam-se para ir tomar o café num terraço adjacente. Murilo ergueu-se também. Ao passar pela mesa onde estava a jovem do colar, ela o deteve com um gesto determinado.

- Espere ! Não vai me oferecer o café ?

- Ops, desculpe. Vamos sim, tomar um cafezinho.

- Estava olhando você. Sabe que é muito bonito ?

- Eu ? Bem, eu...

- Que gracinha, você ficou ruborizado...

- Desculpe, não estou acostumado com festas de sociedade.

- Não seja bobo....você fica bem em qualquer ambiente. Como é seu nome ?

- Murilo,

- Ah, o famoso pintor espanhol.

- Gosta de arte ? Eu também.

- Só que Murilo pintou muitas virgens...você é virgem ?

- Francamente, eu...

- Está bem, está bem, só estou brincando com você. Pronto, aqui estão nossos cafés e licores para quem quiser. A propósito,meu nome é Karen,

- Nunca tinha conhecido uma Karen antes.

- Não ? Pois conhece uma agora. Sou uma bruxa, sabia ?

- Nossa !

- Está com medo ?

- Medo de uma garota linda como você ? Não mesmo.

- Cuidado ! Tenho meus poderes e pretendo usa-los em você.

- Hummm, que medo...

- Tudo bem, mas lembre-se, eu lhe preveni. Tome, pegue um licor.

- Que licor é esse ?

- Stregha, italiano , o licor das bruxas.

- Você está brincando, claro.

- Acha ? Então beba, aos poucos saboreando.

- Ah, é gostoso mesmo, quente...

- Gostou, não é ? Pus um pozinho nele sem você perceber. Agora você me pertence...

- Não brinque com isso que pozinho foi esse ?

- Não se assuste, bobinho. Não é cocaína nem outro tóxico qualquer. Foi só um pozinho para estimular seus sentidos, aguçar sua sensibilidade. Vamos ?

- Vamos aonde ?

- Ora, Murilo, vamos à minha casa, claro. Não quer ir ?

- Não é isso. Você não tinha me dito nada a esse respeito.

- Quis fazer uma surpresa bem gostosa a você. Venha, entre no meu carro.

Murilo obedeceu. Sentia-se meio estranho, parecia não ter vontade própria. Com destreza, Karen dirigiu seu carro pelas ruas ainda movimen-tadas aquela hora. Logo deixaram o centro e entraram por uma estrada longa, cheia de curvas, pouco conhecida. Finalmente chegaram a frente de um grande portão de ferro batido. Ela acionou um controle remoto e o pesado portão abriu-se. Karen dirigiu pelas alamedas do terreno bem arborizado e parou em frente a uma grande mansão quase toda escura. Como do nada, um empregado surgiu, esperou que os dois saltassem do veículo e tomando o volante levou o luxuoso automóvel para a garagem.

- Então, Murilo ? Vamos entrar ?

- Nossa, você mora nisso tudo ?

. Venha comigo.

Karen tomou a mão do rapaz e o conduziu por um amplo vestíbulo até uma escada.Ele hesitou antes de começar a subir. Mas ela o puxou com decisão.

No andar de cima, via-se uma estreita faixa de luz sob uma porta. A garota levou-o para lá. Aberta a porta, Murilo viu-se num quarto amplo e luxuoso. A um canto, sobre o grande tapete, estava uma cadeira de balanço, uma cadei-ra austríaca com o assento e o encosto forrados de palhinha;

- Gostou da decoração ? Eu mesma fiz.

- Sim, gostei.

- Você não me parece muito animado.

- Eu..

Num movimento rápido Karen enlaçou o rapaz pelo pescoço e beijou-o na boca. Segurava-o com firmeza e parecia querer devorar sua língua. Ele retribuía sem muita convicção. Ela colou seu corpo ao dele.

- Hummm, para começar está bom. Agora me ouça bem. ?Vou tomar um chuveiro rápido e ficar prontinha para você. Quero que me espere sentado nesta cadeira de balanço. Mas veja bem ...não quero que cochile nem durma. Não vou demorar nada.

- Não vou cochilar nem dormir,ora.

- Está bem, vou por um som gostoso bem baixinho. Lembre-se, em hipó-tese nenhuma se deixe embalar pelo som e cochile. Quero você bem aceso.

Ela tomou a mão de Murilo e o fez sentar-se na cadeira austríaca. Já tirando seu vestido, dirigiu-se ao banheiro anexo, Ele a fitava, deslumbrado pelas linhas sinuosas de seu corpo em movimento.

A música era inebriante, seria oriental ? Murilo podia ouvir o som da ducha que caia sobre o corpo de Karen. Aos poucos suas próprias pálpebras come-çaram a pesar. Era como um torpor morno, irresistível. Ele tentava desespe-radamente manter seus olhos abertos. Lutou por alguns momentos, mas acabou por adormecer.

Despertou assustado. Continuava sentado na cadeira de balanço. Mas o am-biente que o cercava era outro. Paredes brancas, azulejadas, prateleiras e uma geladeira azul clara. Resolveu levantar-se , mas viu num segundo que estava imobilizado, seus braços e pernas estavam bem amarrados na cadeira austríaca. Mesmo assim esforçou-se para sair dali. Ao faze-lo, perdeu o equilíbrio e tombou com a cadeira no piso do aposento. Uma porta lateral abriu-se.

Karen olhou-o divertida.

- Ah, meu namoradinho desobedeceu minhas instruções, dormiu, não é ?

- Por favor, Deixe de brincadeiras. Me deixe sair daqui.

- Não se preocupe, querido, vou deixar. Mas antes preciso de uma coisa. Uma coisa sua e você vai me dar.

- Pare de falar assim. O que é isso tudo ?

- Nada de tão assustador, Murilo. Quero seu sangue, apenas isso.

- Meu sangue ? Você deve ser louca !

- Não, meu amor, não sou louca. Sou apenas uma vampira.

- Não brinque assim !

- Mas olhe, antes de beber seus preciosos glóbulos vermelhos vou te dar muito prazer. Espere...

Com surpreendente facilidade, Karen ergueu a cadeira com Murilo preso a ela. Tirando o roupão atoalhado com que se envolvera, ficou totalmente nua em frente a ele.

- Olhe-me, querido. Não sou linda ?

- Quero sair daqui...

- Ora, o que você tem ? Não me deseja ?

Aproximando-se do rapaz ela abriu o zíper de sua calça e começou a acarici-á-lo. Olhava fixamente para seus olhos. Lentamente, como em agonia, Murilo começou a ter uma ereção. A libido era mais forte que o medo.

- Isso, meu amor, agora você está fazendo o que eu quero...

Karen aproximou-se mais ainda e sentando-se de frente sobre sua presa fez com que Murilo a penetrasse. Movia-se sensualmente e roçava seus lábios carnudos nos do rapaz. Ele correspondeu aos seus movimentos. Aproxima-va-se involuntariamente de um orgasmo. Ela beijou sua boca novamente. Murilo estremeceu.

Então, enquanto sua vítima ejaculava, Karen cravou seus dentes, suas duas presas no pescoço do rapaz. Bebia com avidez crescente o sangue jovem e saudável. Murilo desmaiou.

O domingo amanheceu ensolarado. Murilo acordou sentindo-se curiosamen-te fraco. Ergueu-se da cama com esforço e lembrou-se. Tivera um terrível pesadelo , alguma coisa ligada a sexo e vampiros. Entrou no banheiro e lavou o rosto. Percebeu então duas pequenas marcas paralelas em seu pescoço, duas pequenas cicatrizes bem perto do ombro. Sua mãe chamou-o do andar de baixo.

- Murilo ! Chegou uma encomenda para você !

- Uma encomenda ? O que é ?

- Um motorista, num carrão lindo deixou aqui. Não tem cartão. Não sei quem enviou.

- Mas o que é, mãe ?

- Uma cadeira de balanço, linda. Acho que é importada, austríaca. Tem a marca impressa na base. Em alemão.

Murilo passou os dedos, pelas duas pequenas cicatrizes. Então era verdade. Não tinha sido um pesadelo. Karen tinha conseguido o que queria.

George Luiz
Enviado por George Luiz em 29/04/2008
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